POLIS

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O projeto nasce com foco no comportamento político nas sociedades contemporâneas e nos efeitos dos movimentos sociais e políticos atuais sobre as liberdades e processos emancipatórios, bem como seus impedimentos em escala local, nacional e global. Tem por objetivos o desenvolvimento de um campo interdisciplinar de reflexão e prática investigativa e divulgadora, reunindo debates em torno de questões como: preconceito, racismo, sexismo, xenofobia, movimentos sociais, violência coletiva social, relações de poder, movimentos emancipatórios de povos e nações, valores democráticos e autoritarismos, laicidade, análises de discursos e ideologias, de universos simbólicos e práticas institucionais. Nessa perspectiva, o Polis atua desde sua criação formal em 2013, como projeto de extensão e em 2015 como Blog para divulgação e atualização.

domingo, 21 de junho de 2020

Há o que se comemorar no 20 de junho?



Êxodo
Quando partem para a terra proibida,
não é por arroios de leite e de mel.
Só fogem pra onde não caiam dos céus
As pragas, o abraço abissal das ruínas.

O povo que Deus deserdou no deserto,
que ora e suplica, mas nunca é ouvido,
faz tempo entendeu que não há fogo amigo,
nenhum arde na sarça. nem há mais certo

ou errado. Fogem dos tanques, dos seus,
com a morte amarrada nos seus calcanhares.
Atrás de um lugar que ninguém prometeu,
vivem novas versões dos velhos milagres:
transformar água em sangue, partir os mares
(com seus corpos de desespero e desastre). 
Leoni.



Sábado, 20 de junho, dia internacional do refugiado!
Hoje é dia de nos lembrarmos e nos solidarizarmos com as hordas de migrantes que atravessam fronteiras, fugindo de perseguição, fome, guerra e todos os males que ceifam vidas e tentam destruir a esperança: "O dia 20 de junho marca a celebração do Dia Mundial do Refugiado. Instituído no ano 2000 pela Organização das Nações Unidas (ONU), a data propõe consciencializar os governos e as populações para o problema grave dos refugiados, e celebrar a força, coragem e perseverança das pessoas que foram forçadas a deixar suas casas e seus países por motivo de guerras, perseguições e violações de direitos humanos"1.
Há muitos povos que podem ser incluídos entre os que foram esquecidos e relegados à categoria de subumanos, desprovidos de sua nacionalidade, lançados na vala comum dos abandonados. Uma lista que não se deixaria terminar facilmente: da Ásia ao Caribe; do Norte da África ao Sul das Américas. Bengalis a Guatemaltecos; Palestinos a Sudaneses... Todos alvo de perseguições, com a mesma sina dos sem nação, sem abrigo e sem proteção. Curdos sem pátria, Saarauis em fuga, Sírios bombardeados, Subsaarianos em rotas clandestinas, Latinos na fronteira mais cobiçada das Américas e Rohingyas nas estradas e nos mares em rota de fuga, deixando o exílio forçado em Myanmar. Esses últimos são considerados pela ONU alvo de uma limpeza étnica, vítimas do movimento genocida de Mianmar. O mais alto tribunal das Nações Unidas se viu obrigado a exigir que o país parasse com a matança em suas aldeias e vilas. No mês de janeiro de 2020 foi lida a sentença que exige esse fim ao genocídio Rohingya em Mianmar. Nada foi mais decepcionante para a comunidade internacional, do que a posição da prêmio Nobel da Paz Aung San Suu Kyi, líder birmanês, que se tornou uma negacionista dos crimes cometidos e amplamente documentados contra o povo Rohingya: "O caso foi apresentado pela Gâmbia, um estado predominantemente muçulmano da África Ocidental que alega que Myanmar violou a convenção de genocídio de 1948 promulgada após o Holocausto. 'Há outro genocídio a acontecer diante dos nossos olhos, mas não estamos a fazer nada para detê-lo. Isto é uma mancha na nossa consciência coletiva. Não é apenas o Estado de Myanmar que está a ser julgado aqui, é a nossa humanidade coletiva', disse, em dezembro, perante o Tribunal, a procuradora-geral da Gâmbia e ministra da Justiça, Abubacarr Marie Tambadou”2 . A saga rohingya em Mianmar, antiga Birmânia, resulta de uma guerra civil dos anos 1948. Muitos grupos étnicos não Bama, etnia majoritária daquele país, se viram e ainda se vêem fora de todos os extratos sociais que comandam e são responsáveis pela nação, seja na política, economia ou cultura. Essa etnia dominante no país, a Bama, tem, portanto, hegemonia cultural, política e econômica, apesar da grande diversidade populacional que forma a nação birmanesa.
É, portanto, com a saga desse povo esquecido e ignorado, inclusive por quem o considera irmão de crença e de origem, que denunciamos e conclamamos nesse dia 20 de junho o apoio à luta legítima de todos os refugiados do mundo. Trat-se, portanto, de combater o descaso que leva ao infortúnio e muitas vezes à morte de povos que, por direito, buscam em última instância, por sobrevivência em terras estranhas ou alheias. Seja pelo recrudescimento de políticas anti-imigratórias dos governos e sociedades insensíveis ou pela indiferença dos seus ditos irmãos muçulmanos, o povo Rohingya encontra como únicas saídas à perseguição e morte em Mianmar, as florestas, as fronteiras e o mar perigoso que trilham na tentativa de voltar a Bangladesh, o lar original. O egoísmo de países ricos ligados aos povos em fuga já ficou claro em suas atitudes de indiferença nos últimos tempos face ao problema da imigração, como por exemplo no caso de sírios ou africanos. Com exceção da Turquia, (Só em Basmane, bairro da cidade de Izmir, no oeste da Turquia, são abrigados 300.000 imigrantes sírios), todos os demais países muçulmanos lavam as mãos e deixam o problema dos imigrantes para países Ocidentais, principalmente europeus. Nada pode deter ou interferir na arrogância e no modo de vida desses ricos e novos ricos que mergulham em rituais religiosos mas permanecem indiferentes ao sofrimento de seus iguais. O Povo Rohingya que nesse dia homenageamos em nome dos despatriados e refugiados ao redor do mundo, foi abandonado à própria sorte em terras birmanesas ou vizinhas e só compartilha com seus irmãos e primos ricos muçulmanos, o mesmo credo. De resto são por eles ignorados e relegados à própria ou a nenhuma sorte; indesejáveis "primos pobres". 
As Nações Unidas já descreveram os Rohingya como um dos povos mais perseguidos do mundo, que comparados aos apátridas curdos, minoria muçulmana que vive em países como Turquia, Iraque, Síria e Irã, sofre de síndrome ainda pior por serem uma minoria “sem amigos e sem terra.”
O Império Britânico foi forjado a ferro e fogo por meio da invasão de terras longínquas e sem qualquer laço cultural ou histórico com o país europeu. Das suas investidas colonizadoras, muitas dessas terras invadidas amargam até hoje as más consequências de um governo imposto à revelia de incompatibilidades políticas e culturais. A Índia, por exemplo, se tornou um país pouco tolerante a diferenças no campo cultural ou de costumes por meio dos ensinamentos dos seus colonizadores britânicos: a cultura original de diversidade que refletia e respeitava pacificamente o mosaico humano nacional, foi substituída pela cultura do ódio ao diferente e uma vida à luz da banalidade obrigatória, retrógrada e perigosa dos ingleses vitorianos. 

A primeira grande experiência [de desenvolvimento econômico na era moderna] foi levada a cabo há duzentos anos, quando o governo britânico da Índia instituiu a "Colonização Permanente", que iria produzir coisas assombrosas. Uma comissão especial analisou seus resultados quarenta anos depois, concluindo que "a colonização, concebida com tanto cuidado e ponderação, infelizmente submeteu as classes baixas à mais penosa opressão", deixando atrás de si "as ossadas dos tecelões [que] branqueiam as planícies da Índia" e uma miséria que "não há de encontrar paralelo na história do comércio"3.
No curso desses desmandos colonizadores, Mianmar importou muçulmanos, principalmente da região que hoje é o atual Bangladesh, para servir aos objetivos exploratórios dos senhores estrangeiros na terra que era então denominada Birmânia, ex-colônia britânica. Isso impôs a convivência forçada dos novos imigrantes no seio de uma sociedade estruturada e com costumes e cultura abissalmente opostos e incompatíveis.  Completamente despreparada para lidar com os neófitos e sem qualquer princípio de integração ou adequação, os imigrantes foram jogados no que hoje se conhece como a região mais pobre e problemática do país asiático, levando à formação de fronteiras religiosas e psicológicas quase intransponíveis, a Noroeste do país. Um cenário de ódio e perseguição bem nos moldes das estratégias colonizadoras europeias, que vimos repetir-se ao redor do mundo, ao longo da história. Como não existe e nunca existirá uma “boa colonização”, em si uma contradição, uma falácia, em Mianmar ela conheceu suas consequências nos estertores do mal estar gerado nas relações locais entre seus povos.
Em 2015 testemunharam-se hordas de Rohingyas, os muçulmanos de Mianmar, em êxodo e perdidos nos mares e nas ilhas da Ásia. Apesar de viverem há gerações em Mianmar continuam com o status de imigrantes e lhes é negada a cidadania daquele país. Ora se lançam no mar em busca de aportar em terras que os acolham, ainda que de modo compulsório, ora preferem o caminho mais rápido da fuga dos exércitos e dos vizinhos raivosos birmaneses atravessando a selva e chegando, por terra, à Tailândia, país fronteiriço. No país que foram obrigados a adotar como pátria lhes são negados direitos civis elementares como o de se casar ou de ter propriedades, seja um lar ou alguma terra para a lavoura. A proibição se estende como forma de controle de procriação, semelhante ao que fizeram os chineses em certa altura com seus concidadãos, no intuito de evitar crescimento populacional.
As incertezas políticas do país e a insegurança de uma região pobre e negligenciada pelo governo central de Mianmar aumentam as dificuldades do povo local e os empurram para o acirramento do conflito que ganha tons econômicos e religiosos. Muitos dos cidadãos budistas, que compõem mais de 90 por cento da população do país, sequer denominam essa minoria local “Rohingya”, preferindo chama-los de “Bengalis muçulmanos”, deixando assim claro, que para eles se trata de um grupo minoritário imigrado de Bangladesh sem direito a compartilhar a mesma cidadania.

O Dia Mundial do Refugiado, 20 de junho, foi estabelecido pela ONU em 2001. Não é uma comemoração, pelo simples fato de haver muito pouco a se comemorar nessa realidade periférica. Trata-se muito mais de um data para que se tenha a dignidade de se olhar esse povo como corajoso, resistente e com força para abandonar suas casas onde são perseguidos, se vêem em meio a guerras, conflitos e perseguições: “Essa pessoas deixam tudo para trás, exceto a esperança. Mesmo em tempos de pandemia e incerteza, mantêm vivo o sonho de um futuro mais seguro4 e melhor. 

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1) Vieira, A. P. Dia Mundial do Refugiado: leia matéria produzida pela Revista Universidade. Consultado em junho de 2020: http://ufes.br/conteudo/dia-mundial-do-refugiado-leia-matéria-produzida-pela-revista-universidade 
2) Tribunal Internacional ordena a Myanmar que tome medidas para proteger os rohingya, consultado em junho de 2020: https://expresso.pt/internacional/2020-01-23-Tribunal-Internacional-ordena-a-Myanmar-que-tome-medidas-para-proteger-os-rohingya
3)  Chomsky, N. (2002). O lucro ou as pessoas? Neoliberalismo e ordem global. Rio de Janeiro: Bertand. p. 29
4) Dia Mundial do Refugiado 2020, consultado em junho de 2020: https://www.acnur.org/portugues/diadorefugiado/ 

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