POLIS

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O projeto nasce com foco no comportamento político nas sociedades contemporâneas e nos efeitos dos movimentos sociais e políticos atuais sobre as liberdades e processos emancipatórios, bem como seus impedimentos em escala local, nacional e global. Tem por objetivos o desenvolvimento de um campo interdisciplinar de reflexão e prática investigativa e divulgadora, reunindo debates em torno de questões como: preconceito, racismo, sexismo, xenofobia, movimentos sociais, violência coletiva social, relações de poder, movimentos emancipatórios de povos e nações, valores democráticos e autoritarismos, laicidade, análises de discursos e ideologias, de universos simbólicos e práticas institucionais. Nessa perspectiva, o Polis atua desde sua criação formal em 2013, como projeto de extensão e em 2015 como Blog para divulgação e atualização.

domingo, 21 de junho de 2020

A Saga do Povo Rohingya (reescrito)





Dan Kitwood/Getty Images



Artigo escrito em 2017, revisado e complementado em 2020.

As Nações Unidas descrevem os Rohingya como um dos povos mais perseguidos do mundo, que comparados aos povos despatriados curdos, minoria muçulmana que vive em países como Turquia, Iraque, Síria e Irã, sofre de síndrome ainda pior por serem uma minoria “sem amigos e sem terra.”
Essa população de imigrantes passou a ser uma preocupação internacional tendo em vista o que lhe sucede atualmente em Mianmar. Apesar de estar presente na vida do países por séculos, são personas non gratas e desrespeitadas em seus direitos fundamentais. Trata-se de mais de um milhão de pessoas nesse grupo no país que lhes quer ignorar e expulsar. No estado de Rakhine, a Oeste do país, os Rohingyas formam um terço da população local e estão em constante atrito com outros grupos étnicos. Perseguidos desde os anos 1970, foram excluídos pela junta militar de Mianmar da lei de cidadania que considerou 135 diferentes grupos étnicos, roubando-lhes a cidadania e tornado-os repentinamente apátridas1. Um conflito que terminou por evidenciar uma violência nos religiosos Budistas, desmistificando aquelas características normalmente atribuídas à religião. O extremismo também contamina o Budismo tradicionalmente opostos aos ensinamentos do valor da tolerância por Buda. Ainda se testemunha um governo que se recusa em reconhecer a presença rohingya como integrante do quadro multiétnico do país, ajudado por milícias que vão se formando e exigindo a criação de um Estado muçulmano dentre de uma nação soberana, o que é irracional, não representativo e um desserviço à causa legítima desse grupo étnico. A presença Rohingya em Mianmar remonta aos períodos coloniais britânicos, para onde foram levados como mão-de-obra barata, podendo terem suas origens em agricultores de Bangladesh ou em mercadores muçulmanos; um misto de etnias.
No curso desses desmandos colonizadores, Mianmar importou, portanto, esses muçulmanos, principalmente da região que hoje é o atual Bangladesh, para servir aos objetivos exploratórios dos senhores estrangeiros na terra que era então denominada Birmânia. Isso impôs a convivência forçada dos novos imigrantes no seio de uma sociedade estruturada e com costumes, religião e cultura próprios.  Completamente despreparada para lidar com esses novos trabalhadores de terras e costumes distantes, apenas ali jogados, sem qualquer princípio de integração ou adequação, os imigrantes ocuparam o que hoje se conhece como a região mais pobre e problemática do país asiático, levando à formação de fronteiras religiosas e psicológicas quase intransponíveis, principalmente a Noroeste do país. Um cenário de ódio e perseguição foi se formando ao longo dessa justaposição de povos e etnias que só se agravou com o passar do tempo e levou ao caos atual e a impossibilidade de convivência e aceitação mútua. Aung San Suu Kyi, que se esperava ser uma provável força de pacificação para a região se tornou uma incerteza e motivo de desconfiança para a comunidade internacional com suas atitudes negacionistas face ao tema da perseguição aos Rohingyas. 

O conflito entre muçulmanos rohingya e budistas no Estado de Rakhine se intensificou em 2012, 2015, 2016 e 2017. Em junho e outubro de 2012, membros do partido político de Arakan, os próprios monges budistas e arakaneses comuns organizaram, incitaram a violência e atacaram as comunidades muçulmanas de Rohingya e Kaman. Como resultado dessa violência, pelo menos 125.000 muçulmanos foram deslocados internamente. Muitos foram mortos e enterrados em valas comuns. Em 2012, muçulmanos (tanto rohingyas como kamans) foram expulsos de seus locais de residência em Central Rakhine, especialmente de grandes cidades como Sittwe e Pauktaw, mas também de pequenas aldeias. Mais de 120.000 rohingya fugiram dos campos, muitos dos quais foram levados a fazer perigosas viagens marítimas. A limpeza étnica dos muçulmanos rohingya, promovida pelas forças de segurança de Mianmar e Arakan no Estado de Arakan a partir de junho de 2012, constitui crimes contra a humanidade. A maioria budista ultranacionalista se envolveu em atos de violência contra os rohingya.2

Em 2015 dá-se o início de uma grande crise por conta do número de refugiados, os muçulmanos de Mianmar, em êxodo e perdidos nos mares e nas ilhas da Ásia. Apesar de viverem há gerações em Mianmar continuam com o status de imigrantes e lhes é negada a cidadania daquele país. Ora se lançam no mar em busca de aportar em países que os acolham, ainda que de modo compulsório, ora preferem o caminho mais rápido da fuga dos exércitos e dos vizinhos raivosos birmaneses atravessando a selva e chegando, por terra, à Tailândia, país fronteiriço. No país que foram obrigados a adotar como seu lhes são negados direitos civis elementares como o de se casar ou de ter propriedades, seja um lar ou alguma terra para a lavoura. A proibição se estende como forma de controle de procriação, semelhante ao que fizeram os chineses com seus concidadãos no intuito de evitar um crescimento populacional desenfreado e fora de controle.
As incertezas políticas do país e a insegurança de uma região pobre e negligenciada pelo governo central de Mianmar aumentam as dificuldades do povo local e os empurram para o acirramento do conflito que ganha tons econômicos e religiosos. Muitos dos cidadãos budistas, que compõem mais de 90 por cento da população do país, sequer denominam essa minoria local “Rohingya”, preferindo chama-los de “Bengalis muçulmanos”, deixando assim  claro, que para eles se trata de um grupo minoritário imigrado de Bangladesh sem direito a compartilhar com eles uma mesma cidadania. Nem mesmo outros países na região, apesar de se esperar laços fraternos pela religião em comum, se dignam a ajudar os milhares que se lançam em embarcações frágeis pelo mares abertos do Índico. Nem mesmo a Indonésia, maior nação majoritariamente muçulmana do mundo, se sensibiliza com os milhares de Rohingyas empilhados nas frágeis embarcações em mar aberto, ignora o perigo que correm e proíbe seus pescadores de ajuda-los nessas duras travessias.
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1)y, R. (2019). A  crise dos refugiados Rohingyas. Revista Internacional de Direitos Humanos. SUR 29 - v.16 n.29 • 53 - 66. 
2)y, R. (2019). A  crise dos refugiados Rohingyas. Revista Internacional de Direitos Humanos. SUR 29 - v.16 n.29 • 53 - 66, p. 57.

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