POLIS

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O projeto nasce com foco no comportamento político nas sociedades contemporâneas e nos efeitos dos movimentos sociais e políticos atuais sobre as liberdades e processos emancipatórios, bem como seus impedimentos em escala local, nacional e global. Tem por objetivos o desenvolvimento de um campo interdisciplinar de reflexão e prática investigativa e divulgadora, reunindo debates em torno de questões como: preconceito, racismo, sexismo, xenofobia, movimentos sociais, violência coletiva social, relações de poder, movimentos emancipatórios de povos e nações, valores democráticos e autoritarismos, laicidade, análises de discursos e ideologias, de universos simbólicos e práticas institucionais. Nessa perspectiva, o Polis atua desde sua criação formal em 2013, como projeto de extensão e em 2015 como Blog para divulgação e atualização.

segunda-feira, 5 de junho de 2023

Em Uganda, liberdade para matar!

 

            Foto: Dai Kurokawa/dpa/picture alliance.


Na Letônia Edgar Rinkevics foi eleito presidente pela maioria dos membros do parlamento em 31 de maio próximo passado, exatamente dois dias após o decadente regime falso moralista ugandense, que percorre o caminho inverso dessa emancipação histórica, introduzir a pena de morte para homossexuais no país africano. Rinkevics é o primeiro político abertamente gay a se tornar presidente da nação báltica. Agora em Riga, capital do país, alguém que promete lutar pela garantia de direitos de todos os modelos de casamento, inclusive entre pessoas do mesmo sexo. Enquanto alguns países como a Letônia demonstram, com esse exemplo, avanços na questão gay, outros se afundam no atraso e na barbárie. Esse é o caso de Uganda e sua nova legislação homofóbica. A lei que prevê a pena de morte para homossexuais por serem "culpados de crimes graves” tomou corpo no país africano, que já teve a frente de seu governo o folclórico e perigoso presidente, com rumores de prática de canibalismo, Idi Amin Dada. Hoje, um presidente também "canibal dos direitos humanos" continua a tradição de desrespeito a minorias no país, onde pensávamos havia sido superada a história perversa cultuada pelo seu antecessor inclassificável. Os parlamentares não definiram quais seriam esses crimes mas na letra da tal lei estão comportamentos atribuídos ao círculo de pessoas homossexuais que, talvez naquele mundo machista, seja uma ameaça para suas frágeis identidade masculina e integridade psíquica. Não se pode descartar que a motivação desse grupo de extremistas tenha por vezes em sua base princípios religiosos fundamentalistas e equivocados. Em vez de terapia ou democracia, perseguição; em vez  de uma religião que se empenhe em promover a paz e a amizade entre os povos, o fundamentalismo e o ódio. “'Somos vítimas dos evangélicos, todos os dias, diz Victor Mukasa... Em uma sala de conferências na Catedral Nacional em Washington, D.C., ele relata experiências em seu país natal, Uganda. Nesta noite, o homem de 37 anos veste uma túnica africana branca decorada com uma borda preta e um chapéu combinando. Por muitos anos, Mukasa lutou com o conflito entre sua fé e sua orientação sexual. Na época, procurava ajuda em uma igreja em Uganda. 'Pedi para ser curado da minha homossexualidade e acabei sendo abusado pelos chamados "homens de Deus" - os evangélicos', lembra. Em um dos eventos, teve que se despir. Os pastores impuseram as mãos sobre ele, incluindo seus órgãos genitais, 'para expulsar o espírito da homossexualidade’”.(dw.com). Os evangélicos estadunidenses querem exportar o ódio que cultuam, para o continente africano. "[Eles] acreditam que perderam a 'guerra cultural' em casa — estado após estado permitindo o casamento gay ou o aborto. Eles ainda veem oportunidades na África — e investem seu dinheiro aqui… Em 2009, houve um clamor global quando foi revelado que o Parlamento de Uganda estava considerando aprovar uma 'lei anti-gay'. Como a lei previa até mesmo a pena de morte em casos de 'homossexualidade agravada', ficou conhecida e condenada mundialmente como a 'Kill the gays bill'. O que quase ninguém sabia: a iniciativa não foi um surto indiscriminado de homofobia africana, mas o resultado de muitos anos de 'trabalho de proselitismo' de cristãos evangélicos americanos em Uganda”. (Matern Boeselager, FYI.de). No país não há distinção entre líderes religiosos ou políticos no discurso de ódio anti-gay. Declarações homofóbicas e apoio à legislação nacional que puna os homossexuais está na pauta do dia, seja no parlamento ou no púlpito das igrejas contaminadas pela população colonizada por evangélicos fascistas e homofóbicos e por mais uma onda de ódio importada dos Estados Unidos. O povo de Uganda se uniu aos pseudo-religiosos fascistas estadunidenses, algozes históricos de sua etnia, para combater um inimigo imaginário comum.  "O discurso de ódio contra homossexuais está na ordem do dia no país da África Oriental com cerca de 45 milhões de habitantes. Líderes religiosos e políticos às vezes superam uns aos outros em suas declarações homofóbicas — muito antes de a lei ser aprovada. Embora já existam leis anti-gays, a nova lei é ainda mais intrusiva à privacidade”. (obermain.de). O projeto previa até dez anos de prisão para relações homossexuais. As pessoas que conscientemente abrigam homossexuais, prestam-lhes assistência médica ou assistência jurídica podem ser condenadas a até dez anos de prisão; projeto de lei que na altura ainda não incluía a pena de morte, o que ocorreu durante o debate desencadeado por ele. Houve parlamentar que chegou a pedir que os homossexuais fossem castrados ou esterilizados. A pior lei desse gênero no mundo está para ser realidade no país que tem problemas socioeconômicos graves, sob um governo de déspotas, mas prefere punir um grupo específico da população e assim fugir de seus próprios demônios e da realidade macabra em que vive. Em 2011 O ativista gay mais famoso de Uganda foi assassinado. David Kato foi atacado em sua casa no subúrbio de Mukono, em Kampala, na tarde de uma quarta-feira. Ainda foi levado com ferimentos a um hospital, mas não resistiu e morreu. O controverso projeto de lei havia sido apresentado no parlamento há cerca de um ano dessa tragédia. Essa violência impune contra Mukono já simbolizava, de certo modo, a viabilização da pena de morte pelas mãos de populares sendo legitimada na esfera governamental. A nova legislação quer, ainda que isso seja um paradoxo, deixar mais rígidas as punições anti-homossexuais existentes. Esse paradoxo foi atualizado quando os extremistas chegaram a incluir a pena de morte, provocando indignação nas organizações de direitos humanos que, mesmo sendo proibido, fizeram várias demonstrações de protesto. Do exterior vieram muitas  críticas. Na Áustria um tweet ministerial diz: "Estamos chocados com a lei anti-homossexualidade aprovada pelo Parlamento em #Uganda. Essa legislação discriminatória, que criminaliza pessoas #LGBTIQ e prevê prisão perpétua e até pena de morte, viola #direitoshumanos básicos. Pedimos ao Presidente Museveni que não assine!”.  Enquanto isso, a União Europeia mostrou-se preocupada e rejeitou peremptoriamente a pena de morte em qualquer circustância. Já a ONG de direitos humanos Human Rights Watch reagiu com indignação. A ONU, através do seu comissário de Direitos Humanos descreveu a lei como uma das “piores do gênero no mundo”. A lei só entraria em vigor caso fosse assinada pelo presidente quase “vitalício” de Uganda, Yoweri Museveni, o que de fato aconteceu. Apesar das críticas internacionais, na segunda-feira, dia 29 de maio de 2023, a legislação anti-homossexual foi assinada numa versão ligeiramente modificada da "Lei Anti-Homossexualidade 2023", da forma como havia sido apresentada pelo Parlamento no início de maio. Os governos que doam dinheiro para ser aplicado em setores diversos da economia do país ameaçaram parar de fornecer ajuda. Essa ilusão dos países que injetam dinheiro na ditadura ugandense de que, por causa de suas ameaças, haveria um retrocesso na draconiana lei, como esperado, não ocorreu. 










Hoje foi ratificada e validada para provar que a história não ensinou nada aos que no passado foram presas fáceis daquela Europa invasora, racista e escravagista. Repetem em dose cavalar os erros dos seus colonizadores no tratamento a quem não é igual, antes na cor, hoje na orientação sexual. Que sejam tomadas medidas extremas pela ONU e pelos países que se dizem “civilizados", para forçar o presidente ditador e seus asseclas a retroagir imediatamente com a medida que põe esses detratores ugandenses no topo dos incivilizados, cruéis e desumanos do planeta. É inegável que vivemos em uma sociedade global cada vez mais interdependente que não deve aceitar aberrações como as que praticam os políticos e religiosos ugandenses de matiz fascista contra um grupo específico da população local. Pelo bem do nosso futuro comum, temos a obrigação de combater essa assombrosa afronta aos direitos humanos universais em Uganda. O mesmo pode ocorrer como no passado com o comércio internacional de escravos, que deixou marcas indeléveis e consequências duradouras em nossas histórias, até hoje insuperáveis. Não queiramos que isso se torne mais uma dívida irreparável; combatamos juntos e supra-nacionalmente esse descalabro em Uganda antes que muitas vidas sejam ceifadas em nome do egoísmo e da intolerância. 




Antonio C. R. Tupinambá

Berlim, 30 de maio de 2023.