POLIS

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O projeto nasce com foco no comportamento político nas sociedades contemporâneas e nos efeitos dos movimentos sociais e políticos atuais sobre as liberdades e processos emancipatórios, bem como seus impedimentos em escala local, nacional e global. Tem por objetivos o desenvolvimento de um campo interdisciplinar de reflexão e prática investigativa e divulgadora, reunindo debates em torno de questões como: preconceito, racismo, sexismo, xenofobia, movimentos sociais, violência coletiva social, relações de poder, movimentos emancipatórios de povos e nações, valores democráticos e autoritarismos, laicidade, análises de discursos e ideologias, de universos simbólicos e práticas institucionais. Nessa perspectiva, o Polis atua desde sua criação formal em 2013, como projeto de extensão e em 2015 como Blog para divulgação e atualização.

domingo, 28 de agosto de 2022

60 anos de Psicologia no Brasil





Hoje, 27 de agosto, comemora-se o 60o aniversário do reconhecimento da Psicologia como profissão no Brasil. Ao longo dessas seis décadas houve tempo para se refletir sobre como a Psicologia, ciência e profissão, pode contribuir para melhorar experiências humanas em diversas situações, inclusive aquela experiência extrema e atual vivida no quadro de pandemia que assola o Brasil e o mundo. A Psicologia vem se construindo por meio de estudos e práticas cada vez mais engajados com os problemas pessoais e sociais, contribuindo, dessa forma, para a promoção da qualidade de vida e para a emancipação humana. Em certa medida, como ocorreu durante a pandemia, buscou adaptar-se para poder cumprir sua missão de conciliadora entre o sofrimento e sua superação. Além de sua atuação clássica de consultório, novos cenários exigem uma readaptação do seu modus operandi, para que cumpra o papel de aliada nessa superação dos problemas humanos também em situações extremas como durante a pandemia de covid 19. No caso em questão, desenvolveram-se novas formas de abordagem virtuais e remotas que, ao lado dos modelos tradicionais e presenciais, se tornaram meios eficientes de intervenção, viabilizando um amparo das pessoas que têm de lidar, também psicologicamente, com a crise resultante da experiência traumática da pandemia. Há, portanto, a busca de constante atualização da Psicologia para que continue cumprindo sua missão original de ciência e profissão indispensável ao bem estar humano e social. Conhecimentos e aplicações da psicologia são, portanto, amplos e sempre melhorados para atender às emergentes necessidades humanas. O que a psicologia, por exemplo, já vem fazendo no contexto de guerras e em seus desdobramentos ora é recuperado e readequado para o enfrentamento de desafios gerados pelos atuais conflitos internacionais causadores de um novo mal estar na civilização, qual seja, a volta do êxodo e das perdas em consequência de diferentes conflitos/guerras que já se pensava superados no mundo hodierno. Essas ações, ainda que pouco conhecidas, nos revelam os esforços permanentes do profissional e da ciência psicológica, que nasceu e evoluiu com a missão de ajudar a lidar com o sofrimento humano, sem desconsiderar problemas mundiais emergentes e suas consequências desestabilizadoras. Aproveitamos, portanto, a data simbólica do “27 de agosto” na qual foi regulamentada a profissão de Psicólogo no Brasil, para nos congratularmos com todos aqueles profissionais que contribuem com a difícil e nobre missão de promoção da saúde e do bem-estar psicológico em situações e condições diversas. Ao faze-lo com a enorme responsabilidade e o comprometimento exigidos pelo seu trabalho, viabilizam uma busca contínua de compreensão da natureza humana, o que traz seus consequentes benefícios ao homem e à sociedade, especialmente em momentos de crise.


Antonio CR Tupinambá

27 de agosto de 2022.

quarta-feira, 3 de agosto de 2022

A controversa visita de Nancy Pelosi a Taiwan e a reação chinesa

 No mapa, a rota da política democrata estadunidense, Nancy Pelosi, entre Malásia e Taiwan. (https://taz.de/US-Politikerin-Nancy-Pelosi-in-Taiwan/!5867938/)


Em 15 de março publicamos um artigo intitulado “Taiwan: a próxima vítima?”, que se referia à guerra na Ucrânia e uma escalada de ameaças da China contra a soberania de Taiwan.   Apesar de negar qualquer semelhança entre Ucrânia e Taiwan, foi exatamente a invasão russa àquele país que tornou para a China inadiável o seu plano de uma ofensiva estratégica contra Taiwan: "A China recusa qualquer comparação entre a Ucrânia e Taiwan: Pequim tem relações diplomáticas com Kiev e recusa que qualquer Estado possa reconhecer a sua 'província' de Taiwan como um Estado soberano. Mas os responsáveis chineses dizem sobre Taiwan o mesmo que os responsáveis russos dizem sobre a Ucrânia: nem uma, nem a outra jamais existiram como Estados independentes. Nesse sentido, a comparação é inevitável e domina o debate interno no Partido Comunista chinês. A Guerra da Ucrânia e a questão de Taiwan são inseparáveis. A Presidente Tsai ing-wen, ao lado de Pelosi, quis sublinhar a ligação entre a determinação da Ucrânia e a determinação de Taiwan em defender a sua soberania nacional".(1) Hoje o imbróglio que envolve China, Estados Unidos e Taiwan ganhou um novo contorno e promete se acirrar sem um desfecho previsível. A China sabe muito bem usar do poder da retaliação quando vê seus interesses ameaçados. O que ora incomoda a superpotência asiática é uma visita da terceira pessoa mais importante na hierarquia de poder estadunidense ao país insular que luta por autonomia e vê-se encurralado pelo governo chinês. A pessoa a que nos referimos é nada menos que a poderosa Nancy Pelosi, presidente da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos. Pequim sabe como usar de seu poderio econômico nas relações internacionais: há pouco retaliou a Lituânia, quando seu governo abriu um escritório de representação em Taiwan e, logo a seguir, em decorrência à visita de Pelosi ao país ilhéu, o mesmo aconteceu quando se viu o início de um boicote a relações comerciais China-Taiwan. A terra que teve os portugueses como seus primeiros “visitantes” europeus se localiza no Oceano Pacífico a sul da China, sendo atualmente uma república e uma das poucas democracias consolidadas naquela região. Ao chegarem à ilha cheia de belezas naturais, não por acaso os portugueses a batizaram de Formosa. A região despertou, posteriormente, o interesse de outras nações estrangeiras desde que foi anunciada ao mundo a sua “descoberta”; aos portugueses seguiram holandeses, britânicos, norte-americanos, japoneses e chineses. O governo autônomo de Taiwan nasceu em 1949, quando Chiang Kai-shek se exilou na ilha depois de ter sido derrotado militarmente pelas tropas comunistas de Mao Tsetung, durante a guerra civil chinesa iniciada em 1927. Hoje Taiwan é uma nação moderna, com economia e governo sólidos, um bem sucedido modelo sócio-econômico, que não por menos é creditado internacionalmente como o “modelo Taiwan”, almejado por muitos países da região. Não só a natureza deslumbrante da ilha, mas também sua urbanização exemplar e os polos tecnológicos extremamente desenvolvidos com altos investimentos em educação tornam o país um lugar atrativo para investidores estrangeiros. Ademais, os “formosinos”, como em português são denominados seus habitantes, terminaram, por conta de sua posição estratégica, tanto geográfica quanto política, servindo de ponte para o comércio e o investimento proveniente da China, além de facilitar sua grande expansão comercial e cultural a Ocidente, o que lhes trouxe grande benefício econômico. Apesar de continuar demonstrando características admiráveis, Taiwan já não é hoje uma ilha tão formosa como aquela que despertou a curiosidade e a admiração dos primeiros europeus que lá aportaram. No entanto sua economia continua apresentando sólido desempenho, a causar emulação a países da Ásia-Pacífico. O sistema político local tem seu lastro numa apregoada democracia eleitoral e imprensa livre, forjando um nomeado "modelo taiwanês" como fonte de inspiração junto a setores dos países em desenvolvimento, tanto no que diz respeito à organização do mercado, quanto à forma de governança. Como bem assinala Paulo Pereira Pinto, autor do livro "Taiwan - um Futuro Formoso para a Ilha?”, há vários condicionantes para se pensar que futuro pode estar reservado a Taiwan. Depois que os nacionalistas de Chiang Kai-shek se refugiaram na ilha e tomaram seu controle deixaram morrer o sonho de Mao Tsé-Tung de reunificação com o continente. O país ilhéu de 23 milhões de habitantes situa-se a cerca de 200 km da costa sudeste da China, o gigante imperialista que o considera apenas mais uma de suas províncias que com ele divide "cultura, valores, hábitos e até laços familiares”, sem esquecer de uma "crescente integração econômica, que fortalece a tendência no sentido da formação de uma grande China”. Como afirmou  Luis Cunha em matéria para o jornal português "Diário de Notícias" de 24 de outubro de 2021, o atual presidente chinês, Xi Jinping, que não tem data-limite para abandonar o poder, "já deixou claro que a resolução da 'questão de Taiwan', herdada da guerra civil chinesa, deverá ser resolvida até ao fim do seu mandato. Por via negocial, preferencialmente, mas em último caso por 'meios não pacíficos', um eufemismo para a intervenção armada, como estipulado na lei antissecessão(2) de 2005. A recusa da República Popular da China (RPC) em renunciar ao uso da força para resolver definitivamente a 'questão de Taiwan' transforma aquela região do globo num potencial foco para um conflito entre a China e os Estados Unidos, o incontornável aliado de Taipé”. A palavra do ditador chinês é de pouca ou nenhuma valia, haja vista o que ocorreu em Macau e Hong Kong. Os ex-territórios, respectivamente, português e britânico, foram vítimas de burla quando proposta por Pequim a solução de seu retorno à China mantendo-se um status político diferenciado: “um país, dois sistemas”. Hoje a luta pela recuperação da liberdade e justiça, em suma, a luta pela democracia em Hong Kong faz ecoar em Pequim as vozes de protesto que vêm não só dos milhões de jovens nas ruas da cidade/Estado, mas também de muitos apoiadores ao redor do mundo. Essa luta por democracia, por autonomia no modelo de "um país e dois sistemas" como negociado e que já havia sido consolidado e aceito pela população local é alvo de ataques e desrespeito por parte dos ditadores chineses. Os ativistas mascarados nas ruas de Hong Kong gritam e confrontam as tropas policiais armadas mas terminam por cair na rede lançada pelos ditadores de Pequim, se tornando vítimas da draconiana Lei de Segurança Nacional, criada para acabar com o Estado de Direito no território. A imprensa e os políticos que ainda ousem desafiar as investidas e os ataques impiedosos a mando da máquina totalitária chinesa sobre Hong Kong sentem a força da opressão e do poderio desigual que vem do continente para massacrar qualquer um que grite por liberdade ou peça respeito às leis locais. A máquina liderada pelo presidente Xi Jinping com a ambivalência e cinismo político de quem não quer ser criticado ou observado de fora, age com a truculência característica de seu regime como já o faz em outras regiões, nomeadamente o Tibete, a região uigure autônoma de Xinjiang, no noroeste da China e onde quer que seja questionado seu poder absoluto. Com esses meios querem calar e retirar das ruas os estudantes e seus protestos, bem como reescrever leis a sua maneira mesmo que para isso tenham que manobrar os governantes locais, substitui-los e aniquilar a oposição política. Taiwan assiste ao desenrolar dos desmandos chineses em Hong Kong e oferece apoio aos que queiram se abrigar dentro de suas fronteiras, sinal claro de que os taiwaneses não querem nem aceitam a mesma falácia chinesa de “um país, dois sistemas” para seu país. Trata-se da fórmula original de Deng Xiaoping (um país, dois sistemas) que também já havia sido pensada para se chegar a uma resolução pacífica da nomeada "questão de Taiwan”: "Na cerimónia da transição de Macau para a China, Jiang Zemin considerou que essa fórmula 'desempenha e desempenhará um papel exemplar de grande relevância para a solução definitiva da questão de Taiwan'. A maioria da população taiwanesa discorda dessa avaliação. Sondagens recentes revelam que mais de 80 por cento dos taiwaneses continuam a preferir a manutenção do statu quo - nem reunificação, nem independência. Numa tentativa de atrair Taiwan para a sua órbita, Pequim promete um elevado grau de autonomia, incluindo a conservação do governo local e até das forças armadas. Mas a decisiva intervenção do governo chinês em Hong Kong, impondo uma rígida lei de segurança nacional, deixou evidente que Pequim acelerou a transição para 'um país, um sistema'. Essa decisão poderá ter implicado a impossibilidade definitiva de uma reunificação pacífica com Taiwan”.(Cunha, Diário de Notícia, 24 out. 2021). Imediatamente após a invasão da Rússia à Ucrânia, aventou-se a possiblidade da China voltar-se contra Taiwan e torná-la um alvo de reconquista. Não é impossível, dada a tradição ditatorial e imperialista de Pequim, que já invadiu o Tibete e oprime os uigures na província separatista de Xinjiang, além de desrespeitar os acordos assinados com os britânicos para a manutenção do sistema de governo em Hong Kong após seu retorno à China. Pelosi, que é conhecida por suas preocupações com a defesa dos direitos humanos não hesitou em confrontar a China na construção de uma agenda pessoal mesmo gerando certo constrangimento à Casa Branca. Resta saber se ainda hoje haveria espaço no mundo, para a realização de um projeto megalômano de reconstrução de um grande império, mesmo que, como é previsível, ao custo da destruição do povo e da ilha formosa. “Exercícios de ‘bloqueio conjunto’ da ilha, de ‘assalto marítimo’, e de 'combate aéreo’ em seis zonas marítimas e aéreas e a menos de 12 milhas náuticas da sua costa; mobilização e utilização de ‘caças’, ‘contratorpedeiros’, ‘mísseis de curto alcance’ e ‘mísseis hipersónicos’, entre outros activos militares; e a ‘demonstração' de que a China ‘tem controlo absoluto da questão de Taiwan”. É desta forma que o Comando do Teatro de Operações Oriental do Povo chinês (ELP) descreveu ontem as manobras militares já em curso - e que se vão prolongar durante os próximos dias -, em resposta à visita da presidente da Câmara dos Representantes do Congresso dos EUA, Nancy Pelosi, ao território cuja soberania é reivindicada por Pequim".(3) A China tem um exército poderoso e “exibicionista”, que ora aproveita seus exercícios rotineiros para, na altura da visita de Nacy Pelosi a Taiwan manifestar a seus desafetos o poder de ataque e destruição a ser eventualmente redirecionado à ilha que julga, unilateralmente, ser sua propriedade.

3 de agosto de 2022.

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1) Gaspar, C. Contagem decrescente. Público, Lisboa, 4 ago. 2022, p. 19.

2) "A China deixou hoje claro [8 de março de 2005] que está disposta a usar "meios não pacíficos" contra Taiwan, caso prossigam as actividades independentistas na ilha, durante a apresentação da lei anti-secessão, no plenário do parlamento chinês. 'Se as forças independentistas de Taiwan insistirem em seguir o seu caminho e deixaram-nos sem alternativa, empregaremos meios não pacíficos e outras medidas necessárias', declarou hoje Wang Zhaoguo, vice-presidente da Assembleia Nacional Popular (ANP). A controversa lei anti-secessão, cuja apresentação de hoje deu mais pormenores sobre o texto do diploma, é o tema no topo da agenda da sessão anual da ANP, o acontecimento político mais importante da agenda política da China comunista, iniciada sábado passado". (Agência Lusa).

3)  Lima, A. S. Exército chinês ensaia operação militar "para reunificação". Público, Lisboa, 4 ago. 2022, p. 18.