POLIS

POLIS
O projeto nasce com foco no comportamento político nas sociedades contemporâneas e nos efeitos dos movimentos sociais e políticos atuais sobre as liberdades e processos emancipatórios, bem como seus impedimentos em escala local, nacional e global. Tem por objetivos o desenvolvimento de um campo interdisciplinar de reflexão e prática investigativa e divulgadora, reunindo debates em torno de questões como: preconceito, racismo, sexismo, xenofobia, movimentos sociais, violência coletiva social, relações de poder, movimentos emancipatórios de povos e nações, valores democráticos e autoritarismos, laicidade, análises de discursos e ideologias, de universos simbólicos e práticas institucionais. Nessa perspectiva, o Polis atua desde sua criação formal em 2013, como projeto de extensão e em 2015 como Blog para divulgação e atualização.

terça-feira, 8 de dezembro de 2020

Uganda: Quase um protetorado estadunidense

                                                                                           Mapa da Uganda



Quando se reelegeu presidente de Uganda em 2011, Yoweri Kaguta Museveni do Partido National Resistance Movement (NRM), já tinha em vista as eleições de 2016 o que se repetiria com 2020.  Os governos de Uganda após se libertar do julgo britânico se resumem a uma série de ditaduras e atentados contra poderes estabelecidos ou não. Depois da desventura de um regime déspota com o sanguinário Idi Amin vieram as eleições de 1980 que reconduziram Milton Obote, ex-Primeiro Ministro em período posterior  à independência, ao cargo mais alto da nação, acabando um ciclo de tirania e um dos regimes mais opressores da África. Em 1985 Obote e seu governo também despótico que sequer conseguiu superar a situação caótica do país pós Amin foi deposto em 1985 numa situação praticamente de guerra civil,  por um golpe militar e substituído por Tito Okello. Okello, contudo, permaneceu apenas um ano no poder, sendo logo derrubado por uma força rebelde liderada pelo atual governante, Yoweri Museveni. A interferência estadunidense a favor daquele que invadiu Kampala e destituiu seu antecessor perdura até os dias de hoje e é o fundamento para a manutenção do regime. Com a cumplicidade com o governo brutal de Museveni países ocidentais passam a ser sócios de um regime que persegue e mata em nome de uma verdadeira autocracia.  Acostumado a frenquentar os anais da história por seus governantes e regimes truculentos, ditatoriais e caricatos, a exemplo de Idi Amin que comandou o país com requintes de tirania, um dos mais opressores do continente entre 1971 e 1979, Uganda parece reviver os fantasmas desse passado sombrio que se queria ter superado com as voltas de eleições universais e reintrodução de poderes mais representativos da população nos seus diferentes níveis. Desde 1986 Museveni vem governando o país a sua maneira e com a questionada vitória de 2020 poderá chegar a quatro décadas como presidente desse país africano de 37 milhões de habitantes que faz parte do clube nada invejado de países com baixo Índice de Desenvolvimento Humano - IDH. Aproxima-se, dessa forma, da trajetória controversa do seu correligionário, o ditador Mugabe do Zimbabue que permaneceu por 37 anos no poder, até a sua morte, tendo sido o maior responsável pela destruição da economia do seu país. Museveni tem perseguido todas as formas de expressão da população civil que sejam por ele vistas como uma ameaça a sua hegemonia e poder. Já em 2012, quando estava há 26 anos no cargo de presidente, testemunhou-se um recrudescimento de suas ações persecutórias aos setores da população que não comungassem com seus desmandos e onipotência. A exemplo disso, o Observatório de Direitos Humanos - (Human Rights Watch - HRW),  reportava em agosto de 2012 essa onda crescente de intimidação e ameaças à sociedade civil no dia a dia do país: 


Os atores da sociedade civil que trabalham com governança, direitos humanos, terra, petróleo e outras questões sensíveis são os principais alvos desses ataques, aparentemente porque eles são vistos como uma ameaça para minar os interesses políticos e financeiros do regime. Ao mesmo tempo, a hostilidade do governo e o assédio à comunidade lésbica, gay, bissexual e transgênero (LGBT) de Uganda e sua liderança continuam. Funcionários do governo que demonizam a homossexualidade estão visando uma comunidade vulnerável e deliberadamente desinformando o público, despertando ódio e desviando a atenção de doadores estrangeiros de problemas de governo profundamente enraizados e crescente frustração doméstica com o presidente Museveni e a política de patrocínio de seu partido. (1)


Mas o que segura tão firmemente o déspota no poder por tanto tempo? Certamente não teria esse tempo de sobrevivência sem a grande soma de dinheiro e ajuda armamentista que vem dos “amigos" estrangeiros, principalmente dos Estados Unidos da América. Enfim, não é por amor à democracia que esses países “amigos” de Uganda injetam volumosas somas de dinheiro e aparelham militarmente o governo. É muito mais por sua lealdade aos doadores e submissão inquestionável aos interessados em controlar o país e a região. Afinal de contas estamos falando de um aliado dos Estados Unidos de longas datas, que já passou pelos presidentes estadunidenses Reagan e Obama. Para continuar oprimindo seus oponentes e controlando a população com seu aparato de segurança criminoso, o dinheiro continua fluindo a despeito do seu claro desprezo pelos direitos humanos e o conhecimento tácito dos seus métodos de repressão pelas nações doadoras. 

Durante seu reinado de quase quatro décadas, Uganda se tornou um dos estados policiais mais repressivos não apenas na África, mas possivelmente no mundo todo. O Departamento de Estado dos EUA reconhece prontamente esse fato em seus relatórios anuais de direitos humanos. O Estado de Direito em Uganda se deteriorou nos últimos anos. Essa realidade agora acontece diariamente em nossas rádios, telas de televisão e nas redes sociais. É hora dos chamados parceiros de desenvolvimento de Uganda em geral, e do governo dos Estados Unidos em particular, pararem de financiar a repressão… O apoio a ditadores de longo governo, como Museveni, foi muitas vezes justificado sob a bandeira duvidosa de manutenção da estabilidade. Devemos perguntar: Estabilidade para quem? Claramente, Uganda está longe de ser estável. Basta perguntar a Bobi Wine(2), seus colegas e apoiadores. Pergunte aos jornalistas e ativistas de direitos humanos maltratados do país. E pergunte aos familiares das dezenas de mortos em plena luz do dia no mês passado pelas forças do estado de Uganda. Já passou da hora de os Estados Unidos e o Banco Mundial cessarem de subsidiar a repressão em Uganda e de alimentar a instabilidade que ela inevitavelmente produz. Até então, o regime de Museveni sem dúvida continuará perseguindo oponentes políticos - como Bobi Wine - enquanto os contribuintes americanos continuam pagando a conta.(3)


O homem forte de Uganda, aquele que destrói a democracia, prende, mata e tortura seus opositores, é também o africano favorito dos Estados Unidos. Seus abusos são ignorados porque é um aliado próximo do Pentágono, a despeito de trazer o caos doméstico para Uganda, transformando a vida dos ugandenses em uma tragédia que atravessa as fronteiras e chega até seus vizinhos. Enfrentar o ditador nas eleições presidenciais custou ao seu opositor, Bobi Wine, um tempo na prisão e a vida de dezenas de pessoas que foram mortas em protestos exigindo sua libertação. Robert Kyagulanyi, alias, Bobi Wine, desafia o presidente Museveni, de 76 anos, no poder desde 1986, apesar de todas as formas de repressão e perigo que isso lhe custou. "Eleito deputado em 2017, Wine se tornou porta-voz de uma juventude urbana e muito pobre, que não se reconhece no envelhecido regime de Museveni.”(4) Sem alternância política na presidência desde que entrou no poder em 1986, o governo que também derrubou Milton Obote repete os mal feitos de seus antecessores e quer se perpetuar no posto por meio de eleições conhecidamente fraudulentas e capitaneadas pela certeza da impunidade, além da generosa ajuda financeira dos que ditam a ordem mundial e pouco se preocupam com o sofrimento do povo ugandense sob a égide de mais um ditador.


Antonio Caubi Ribeiro Tupinambá

Fortaleza, 08 de dezembro 2020.


___________________________

(1) Intimidation and Obstruction of Civil Society in Uganda. Disponível em: <https://www.hrw.org/report/2012/08/21/curtailing-criticism/intimidation-and-obstruction-civil-society-uganda>. Acesso em dezembro de 2020.

(2) Bobi Wine, o principal candidato da oposição à presidência do país. 

(3) Wine, B. My Torture at the Hands of America’s Favorite African Strongman. Disponível em:  <https://www.nytimes.com/2020/07/29/opinion/uganda-museveni-repression.html>. Acesso em: dezembro de 2020.

(4) 37 morrem em protestos contra prisão de candidato em Uganda. Disponível em: <https://g1.globo.com/mundo/noticia/2020/11/20/37-morrem-em-protestos-contra-prisao-de-candidato-em-uganda.ghtml>. Acesso em: dezembro de 2020.

Nenhum comentário:

Postar um comentário