POLIS

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O projeto nasce com foco no comportamento político nas sociedades contemporâneas e nos efeitos dos movimentos sociais e políticos atuais sobre as liberdades e processos emancipatórios, bem como seus impedimentos em escala local, nacional e global. Tem por objetivos o desenvolvimento de um campo interdisciplinar de reflexão e prática investigativa e divulgadora, reunindo debates em torno de questões como: preconceito, racismo, sexismo, xenofobia, movimentos sociais, violência coletiva social, relações de poder, movimentos emancipatórios de povos e nações, valores democráticos e autoritarismos, laicidade, análises de discursos e ideologias, de universos simbólicos e práticas institucionais. Nessa perspectiva, o Polis atua desde sua criação formal em 2013, como projeto de extensão e em 2015 como Blog para divulgação e atualização.

sábado, 13 de março de 2021

O mensageiro da paz

 



Ninguém pode usar a religião para justificar a violência

Papa Francisco



Em visita à Albania em 2014, Francisco já advertira durante sua fala para líderes locais na capital Tirana: que ninguém pensasse que poderia fazer de Deus um escudo ao planejar e praticar atos de violência e de desprezo à humanidade. Naquela altura, ficou claro que o Papa, em seu apelo, se referia a todas as religiões, mas fazia especial alusão aos fatos ocorridos na Síria e no Iraque, à violência protagonizada naqueles países pelos terroristas membros do Estado Islâmico e seus seguidores. 


Na sua primeira intervenção na Albânia, o Papa argentino saudou ainda "o clima de respeito e de confiança recíproca entre católicos, ortodoxos e muçulmanos que é um bem precioso para o país e ganha um significado especial nesta época". Isto porque "o sentido religioso autêntico é traído por grupos extremistas que deformam e instrumentalizam as diferenças entre confissões, transformando-as num fator de confronto e violência.(1)


Decorridos mais de seis anos dessa histórica visita à Albania, o Papa chega à Bagda, capital do Iraque, onde inicia uma histórica peregrinação de grande simbolismo para a minoria católica do país e demais cidadãos iraquianos. O Santo Padre no Iraque, país que abriga uma das mais antigas comunidades cristãs do mundo, atualmente perfazendo cerca de 300 mil fiéis, continuou o trabalho incansável de pregação em  favor da união entre os povos e pelo fim das guerras. Um contigente pequeno de cristãos remanescentes na população de 34 milhões de iraquianos, significativamente maior há pouco tempo, no período que antecedeu à guerra em consequência da invasão estadunidense de 2003. A comunidade  cristã então formada por mais de 1,5 milhão de iraquianos foi sendo vítima do genocídio orquestrado por terroristas islâmicos em sua própria pátria. Apesar do inestimável valor da  mensagem levada pelo Papa à Albania em 2014, o pronunciamento pela paz e tolerância entre povos e religiões se fez mais veemente nessa última visita ao Iraque, entre os dias 6 e 8 de março. Já no seu primeiro discurso em solo iraquiano, o Papa Francisco se posicionou  contra o fundamentalismo religioso e apelou a todos, independentemente do credo professado,  pela união na reconstrução do país, "no dialogo, no confronto franco e sincero, construtivo. “Chega de violências, extremismos, facções, intolerâncias”, insistiu Francisco. Ao afirmar em discurso pronunciado no salão nobre do palácio presidencial que “o nome de Deus não pode ser usado para justificar atos de homicídio, de exílio, de terrorismo e de opressão”, condenava igualmente o “fundamentalismo incapaz de aceitar a convivência pacífica de vários grupos étnicos e religiosos, de ideias e culturas diferentes”.(2) Várias foram as ações simbólicas durante a visita de alto risco empreendida pelo Papa, tanto pela ameaça da pandemia de covid-19, quanto por questões de segurança física do Santo Pontífice, que se deslocou por diferentes cidades do Iraque pregando a paz e a tolerância religiosa. Lugares simbólicos como Ur fizeram parte de seu roteiro de peregrinação, lembrando e sublinhando no lugar onde nasceu Abraão, o pai das três principais religiões monoteístas, que a civilização atual se encontra “estreitamente ligada, através do Patriarca Abraão e de numerosos profetas, à história da salvação e às grandes tradições religiosas do Judaísmo, Cristianismo e Islão”.(3) Neste lugar tão simbólico se deu o encontro do Papa com o Aiatolá Sayyid Ali al-Husayni al-Sistani, líder espiritual dos muçulmanos xiitas, que compõem a grande maioria da população iraquiana.


A comunidade cristã do Iraque, fortemente perseguida nas últimas décadas deverá ser extremamente beneficiada, não apenas simbolicamente, com esta visita. As cidades que se encontram no roteiro da visita do Papa estão diretamente ligadas à história recente de perseguição aos cristão iraquianos —  Mossul, Qaroqosh e Erbil: "Foi na Grande Mesquita de Mossul que, em 2014, o jihadista Abu Bakr al-Baghdadi anunciou ao mundo a oficialização do Estado Islâmico. A partir da cidade, os extremistas liderados por Al-Baghdadi expandiram o seu território iraquiano invadindo grande parte da planície de Nínive, o lugar onde reside a maioria da comunidade cristã do país. Em Qaraqosh, a maior cidade cristã do Iraque, praticamente todas as casas e igrejas foram destruídas pelo Estado Islâmico”(4) e Erbil, a capital do Curdistão iraquiano, palco da fuga de milhares de cristãos face à invasão da cidade pelos terroristas do E. I. Apesar de não ter incluído em seu roteiro Sinjar, cidade símbolo do genocídio yazidi pelo Daesh, o Papa não esqueceu dessa minoria por sua passagem pelo Iraque. Sua voz a favor das minorias foi firme ao lembrar que aquele povo foi “uma vítima inocente de uma barbárie sem sentido e desumana”.Durante um pronunciamento na cidade de Mossul, lamentando o período de terror pelo qual a cidade passou nos últimos anos, se solidarizou com todas suas vítimas: muçulmanas, cristãs e yazidis: “É cruel que esse país, berço da civilização, tenha sido atingido por um golpe tão bárbaro, com destruição de locais de devoção ancestrais e de milhares de pessoas, muçulmanos, cristãos, yazidis e outros, forçados a ir embora ou mortos”.(5)


Segundo Elise Ann Allen(6), a visita do papa Francisco ao Iraque representa  um impacto positivo e duradouro para o país. Somente com seu anúncio, antes mesmo de iniciar a visita; registrou-se um primeiro impacto, a instalação do dia 25 de dezembro como feriado de Natal em nível nacional. Levando-se em conta se tratar de um país de ampla maioria muçulmana no Oriente Médio, esse é um evento marcante e digno de comemoração, que também deve ser creditado como efeito da visita papal. Outro ponto de valor inestimável para fazer justiça e viabilizar o reconhecimento legal do genocídio yazidi pelo governo iraquiano foi a promulgação da lei do sobrevivente yazidi. Uma vitória relevante pois como deixa claro Allen, "anteriormente, o termo 'genocídio' era usado apenas pelo Governo Regional do Curdistão (KRG)”.


Allen afirma que o avanço e a promulgação logo após a visita do Papa ao país não se trata de fortuita  coincidência.

Após anos de atraso, a chamada "lei do sobrevivente yazidi" foi aprovada pelo parlamento do Iraque em 1º de março e ratificada por Salih em 8 de março, que também é o Dia Internacional da Mulher […] Originalmente redigida para oferecer justiça exclusivamente às mulheres yazidis que foram sequestradas pelo Isis, a versão da lei aprovada na segunda-feira também se aplica a homens e mulheres pertencentes a outras minorias étnicas e religiosas, incluindo turcomanos, shabak e cristãos, bem como aos homens yazidis que sobreviveram aos massacres do Isis.




Sem dúvida a visita do Papa Francisco ajuda a abrir as portas do Iraque ao mundo e assinalar a riqueza cultural e religiosa que acompanha a história do país até os dias atuais. A rica diversidade iraquiana  brutalmente atacada durante e no pós-guerra deve ser hoje "um caminho para alcançar a paz e a coesão entre as comunidades”(7), como afirmou o professor Mohamed al-Mahrasawi, presidente da Universidade Al-Azhar e membro do Comitê Superior da Fraternidade Humana dos Emirados Árabes Unidos.(8)


Antonio  C. R. Tupinambá

Fortaleza, 13 de março de 2021.

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1) "Tecedeiro, H. Ninguém pode usar a religião para justificar a violência” Disponível em: <https://www.dn.pt/globo/europa/ninguem-pode-usar-a-religiao-para-justificar-a-violencia-4136754.html>. Acesso em: 12 mar. 2021.

2) Papa Francisco em viagem inédita ao Iraque: "Chega de violências, extremismos, fações e intolerâncias. Disponível em: <”https://observador.pt/2021/03/05/papa-francisco-aterrou-em-bagdade-para-visita-inedita-ao-iraque-veja-aqui-em-direto/>. Acesso em: 13 mar. 2021.

3) Papa Francisco em viagem inédita ao Iraque: "Chega de violências, extremismos, fações e intolerâncias. Disponível em: <”https://observador.pt/2021/03/05/papa-francisco-aterrou-em-bagdade-para-visita-inedita-ao-iraque-veja-aqui-em-direto/>. Acesso em: 13 mar. 2021.

4) Papa Francisco em viagem inédita ao Iraque: "Chega de violências, extremismos, fações e intolerâncias. Disponível em: <”https://observador.pt/2021/03/05/papa-francisco-aterrou-em-bagdade-para-visita-inedita-ao-iraque-veja-aqui-em-direto/>. Acesso em: 13 mar. 2021.

5)Papa Francisco visita cidades do Iraque destruídas pelo Estado Islâmico. Disponível em: <https://cultura.uol.com.br/noticias/17318_papa-francisco-visita-por-cidades-do-iraque-destruidas-pelo-estado-islamico.html>. Acesso em: 13  mar. 2021.

6) Allen E. A. Visita do papa Francisco ao Iraque já produz efeitos no país. Disponível em: <https://domtotal.com/noticia/1504583/2021/03/visita-do-papa-francisco-ao-iraque-ja-produz-efeitos-no-pais/>. Acesso em mar. 2021.

7) Allen E. A. Visita do papa Francisco ao Iraque já produz efeitos no país. Disponível em: <https://domtotal.com/noticia/1504583/2021/03/visita-do-papa-francisco-ao-iraque-ja-produz-efeitos-no-pais/>. Acesso em: mar. 2021.

8) Estabelecido como um meio de implementar o documento da fraternidade humana assinado pelo papa Francisco e pelo Grão Imame de al-Azhar, Sua Eminência o Xeique Ahmed el-Tayeb, durante a visita do papa a Abu Dhabi em fevereiro de 2019. O Papa Francisco e o Grande Imam de Al-Azhar assinaram o Documento sobre a Fraternidade Humana - uma declaração conjunta que pede a reconciliação das pessoas de boa vontade no serviço da paz universal, formando o Comitê Superior da Fraternidade Humana. (https://www.forhumanfraternity.org).

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