POLIS

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O projeto nasce com foco no comportamento político nas sociedades contemporâneas e nos efeitos dos movimentos sociais e políticos atuais sobre as liberdades e processos emancipatórios, bem como seus impedimentos em escala local, nacional e global. Tem por objetivos o desenvolvimento de um campo interdisciplinar de reflexão e prática investigativa e divulgadora, reunindo debates em torno de questões como: preconceito, racismo, sexismo, xenofobia, movimentos sociais, violência coletiva social, relações de poder, movimentos emancipatórios de povos e nações, valores democráticos e autoritarismos, laicidade, análises de discursos e ideologias, de universos simbólicos e práticas institucionais. Nessa perspectiva, o Polis atua desde sua criação formal em 2013, como projeto de extensão e em 2015 como Blog para divulgação e atualização.

segunda-feira, 11 de maio de 2020

O exemplo de Kerala, na Índia: não precisa ser rico para combater a pandemia covid-19; precisa apenas ser humano














                                                       Insled e Ised - Cochin-Índia 1

Há regiões de países que, apesar de muito pobres, se destacam no combate à pandemia do covid-19. Muito desse êxito se deve à forma como encaram a ciência; uma aliada e não uma inimiga, a exemplo do que acontece no Brasil e seus políticos da terra plana e dos não melhores que eles, aiatolás evangélicos.  Vou tomar como exemplo ações e posturas do governo estadual de Kerala, no sul da Índia.
O estado de 34 milhões de habitantes registou o primeiro caso de contaminação ainda em janeiro. Em 16 de abril registrava 3 mortes e 370 casos de infecção por covid-19. Uma outra dimensão se comparado com o estado de São Paulo com seus 46 milhões de habitantes e com o primeiro caso brasileiro identificado no final de fevereiro, que contou com 853 mortos e 11.586 caso até a mesma data2.  
Tendo sido o primeiro estado indiano a diagnosticar pacientes com o novo coronavírus, passou a ter, no país, o melhor índice de recuperação desses pacientes (84%), enquanto na capital do país, Delhi esse índice não chegou aos 5%. Distante 2,6 mil km da capital, conta com um conselho de planejamento que inclui pesquisadores e cientistas de diferentes áreas para auxiliar seu governo na tomada de decisões. Decisões políticas se submetem ao conhecimento científico e não o contrário, como quer o presidente e o ministro da educação brasileiros, este um analfabeto diplomado.  Esse respeito a uma abordagem baseada na ciência para o problema fez a diferença no combate à covid-19 no estado indiano. Ademais, o gabinete de crise do governo do estado conta com 24 membros em coordenação com a polícia e funcionários públicos para que planos de contenção do vírus sejam eficazmente implementados.      
No plano federal, o governo indiano introduziu sua política de quarentena para seu 1,3 bilhões de habitantes, a maior do planeta, em um desafio sem precedentes para evitar a disseminação do vírus. Com diferentes medidas preventivas e combativas entre os estados, as de Kerala, com seus 34 milhões de habitantes tem se provado as de maior eficácia no combate ao vírus, contrariando todos os prognósticos do país. À frente dessa luta, mais uma mulher bem sucedida, a ex-professora de ensino médio K. K. Shailaja, ministra regional da Saúde e Justiça Social. Logo após as primeiras confirmações de covid-19 no estado, a ministra tomou providências que foram ignoradas em outros estados, como o rígido monitoramento dos aeroportos e testagem de passageiros, que quando identificados com qualquer sintoma, eram levados, obrigatoriamente, ao isolamento de 28 dias, muito maior do que o de 14 dias recomendado pela OMS.  
Além disso, há um fator favorável no estado: seu sistema de saúde é tido como de melhor qualidade, comparando-se com aqueles dos outros estados ou mesmo de alguns países, levando-se em conta o IDH indiano, mais baixo que o brasileiro. A média indiana é 0,467 e a brasileira, 0,699. Quanto mais próximo de 1, melhores os índices de renda, educação e expectativa de vida.
Kerala tem uma experiência bem sucedida na concepção e gerenciamento das práticas de atendimento de saúde. Trata-se de um sistema de saúde descentralizado, unidades administradas em parceria com comunidades locais, o que teria sido outro fator decisivo nessas ações bem-sucedidas de implementação de isolamento e cuidados de higiene necessários ao combate à contaminação pelo covid-19: ações de rastreamento e confinamento, com apoio de lideranças em vilas e bairros fez esse diferencial, atribuindo credibilidade às medidas3.  

Outro fator relevante foi ter se antecipado à quarentena nacional, suspendendo aulas e proibindo aglomerações, incluindo locais de culto religioso:

Lutar com uma pandemia requer rigor científico, humanidade e um espírito propenso a investigações e mudanças. Superstições, ignorância, sentimentalismo e irracionalidade vão desconcertar todo o processo ao desanimar e desencorajar os especialistas em saúde que estão dando duro para resolver o problema com ciência. Em Kerala, nós iniciamos políticas rigorosas contra quem tentar espalhar estupidez que foram algumas das razões para termos tido algumas vantagens iniciais em controlar a disseminação do vírus.4

O estado de Kerala, com seu governo comunista, é considerado pela população da Índia apenas como tendo mais um sistema político específico, no caso, o mais bem sucedido no país em suas estratégias de combate à pandemia. As mudanças políticas advindas com esse sistema político e de governo estadual teve, sem contar com o tratamento atual ao covid-19, tanto êxito que foram mantidas em períodos nos quais outros sistemas passaram a comandar na região. O modelo de desenvolvimento de Kerala tem sido fonte de elogio e reconhecimento por intelectuais de peso como Amartya Sen, prêmio Nobel de Economia, além de outros bem acreditados indianos a exemplo do doutor e economista R. Ramakumar: "É um governo de esquerda, muito responsivo às necessidades das pessoas, preocupado em proteger a economia e garantir a subsistência, especialmente, dos pequenos produtores.5”
Tive a oportunidade de trabalhar na cooperação científica com o professor Dr. P. M. Mathew coordenador do Instituto de  Pequenas Empresas e Desenvolvimento - ISED6, na capital do estado, Cochin a partir de 2008. Essa experiência resultou na formação de um grupo colaborativo de estudos e pesquisas sobre crescimento e combate à mortalidade de pequenas e médias empresas com compromisso social e comunitário. Uma alternativa característica de ambientes com governos que apoiam ações de empresas que vão além da simples busca de crescimento financeiro mas com visão de responsabilidades sociais e trocas comunitárias. Trocas que beneficiem, mutuamente, empresas e comunidades e signifiquem uma prática de desenvolvimento sustentável. Diferentemente de outros estados indianos, as características locais do governo comunista de Kerala viabilizavam , inclusive com suporte econômico, essa natureza de construção empresarial comprometida com a comunidade. Programas brasileiros de apoio a empresas de pequeno porte semelhante ao perfil das empresas em Kerala visam quase que exclusivamente o sucesso financeiro, sendo a identificação ou não de seu potencial de êxito financeiro o único item de importância para obter apoio logístico e financeiro.  Esse sucesso era medido de outras formas no ambiente empresarial de Kerala e importava, principalmente, o que poderiam oferecer em termos de alcance social e comunitário com seus produtos e ações. 
Apesar de não ter caminhado pari passo com o governo de Kerala, o governo do primeiro-ministro Narenda Modi se afasta das atrocidades do presidente brasileiro, cuja postura mais contribui com a disseminação da doença e aumento vertiginoso no número de mortos em consequência da covid-19. Enquanto Modi assume a importância do isolamento no segundo país mais populoso do planeta, o seu correspondente no Brasil tem posturas criminosas: apesar das exigência legais não revela se já foi contaminado e, com isso, torna-se um potencial transmissor em suas atuações públicas desrespeitosas e perigosas. Considerado o pior dos piores do mundo nesse combate7, ao governo Bolsonaro, especialmente na figura do presidente, deverá ser imputada a culpa do vertiginoso aumento de mortes em decorrência do novo corona vírus, tendo em vista suas políticas e atitude de natureza negativista e genocida em face da pandemia. Tais políticas e atitudes irresponsáveis têm, inclusive, refletido negativamente nos governos estaduais e municipais, que, a duras penas tentam uma resposta responsável, respeitando  protocolos científicos e da OMS para enfrentamento e combate da pandemia. O desrespeito à vida humana e insensibilidade em face do crescente número de mortos no Brasil não é, como diz, por se preocupar com os caminhos da economia, pois antes da pandemia já se mostrava debilitada, corroendo direitos trabalhistas e beneficiando apenas grupos econômicos poderosos, sem demonstrar qualquer intenção de melhorar a vida dos brasileiros ou qualquer perspectiva de tirar o país de uma crise já anunciada.  

Fortaleza, 10 de maio de 2020.
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1 foto da sede do ISED em Cochin - Índia, tirada em 2008 pelo autor.
Institute of Small Enterprise and Development-ISED 

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