POLIS

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O projeto nasce com foco no comportamento político nas sociedades contemporâneas e nos efeitos dos movimentos sociais e políticos atuais sobre as liberdades e processos emancipatórios, bem como seus impedimentos em escala local, nacional e global. Tem por objetivos o desenvolvimento de um campo interdisciplinar de reflexão e prática investigativa e divulgadora, reunindo debates em torno de questões como: preconceito, racismo, sexismo, xenofobia, movimentos sociais, violência coletiva social, relações de poder, movimentos emancipatórios de povos e nações, valores democráticos e autoritarismos, laicidade, análises de discursos e ideologias, de universos simbólicos e práticas institucionais. Nessa perspectiva, o Polis atua desde sua criação formal em 2013, como projeto de extensão e em 2015 como Blog para divulgação e atualização.

quinta-feira, 7 de maio de 2020

A pandemia de Covid-19 e os povos da Amazônia





Menina yanomami da comunidade Hutukara. No último dia 10, um adolescente da mesma etnia morreu de coronavírus.FIONA WATSON / SURVIVAL INTERNATIONAL[1]




[1] Foto retirada em 4 de maio de 2020 de https://brasil.elpais.com/opiniao/2020-04-19/os-povos-indigenas-isolados-tambem-estao-em-isolamento-voluntario.html.



A pandemia de Covid-19 e os povos da Amazônia
Se os governos não protegerem os territórios indígenas e instaurarem o isolamento social, o coronavírus poderá concluir o genocídio dos povos isolados da Amazônia, que começou há 500 anos[1]


Antonio Caubi Ribeiro Tupinambá

O mundo lança os olhos sobre a região amazônica temendo o que possa ocorrer com os povos indígenas em decorrência do aumento de casos de Covid-19 entre eles. Há indícios que o período de quarentena decretado pelos governos de estados e municípios da região, em vez de funcionar como um anteparo, uma proteção e freio das ameaças para a já vulnerável população original, tenha impulsionado invasões de terras desprotegidas por garimpeiros, madeireiros ilegais e outros grupos  à margem da lei, o que pode culminar com práticas genocidas sem dimensão contra a população indígena.
A Coordenação de Organizações Indígenas da Bacia Amazônica (Coica), que reúne representantes dos autóctones de nove países da América do Sul já fez sua alerta para a necessidade de proteção máxima dos povos indígenas, dada sua alta vulnerabilidade em face da pandemia do novo corona vírus (covid-19). Os Estados que têm parte da região amazônica em seus territórios devem se sentir obrigados a proteger seus indígenas e evitar o início de um genocídio anunciado, tendo em vista o comportamento predador de vários grupos locais interessados no domínio de terras indígenas com proteção ambiental para exploração comercial e para outros fins escusos.
Gregorio Mirabal[2], afirma que para a Coica, é indispensável que “os governos da região, que controlam as Forças Armadas e ministérios da Saúde, não permitam que pessoas não indígenas entrem nos territórios onde os povos indígenas estão em isolamento voluntário, porque são os mais vulneráveis.” Para Mirabal, que também é coordenador da organização, “o Estado precisa implementar uma política para não permitir a entrada nas comunidades onde há acesso por via terrestre ou fluvial, além de impedir o turismo e organizações religiosas que desejam agir nas comunidades", pois, como registra, raramente há infraestrutura de atendimento médico próximo dessas comunidades. Continua: “…A ameaça representada pela Covid-19 ressalta um problema mais amplo, ligado às deficiências das políticas dos Estados, que permitem a exploração sem controle das terras indígenas em países como Brasil, Colômbia ou Equador. Sem esquecer o proselitismo religioso, o tráfico de drogas e a perseguição de líderes sociais, que tornam qualquer trabalho de prevenção mais difícil".
Marta Azevedo, demógrafa, indigenista, ex-presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai) explica que “Os indígenas estão entre as populações com mais risco para a Covid-19 devido à própria vulnerabilidade social e histórica a que esses povos estão submetidos.[3]” Azevedo complementa dizendo que “Todos os indicadores demográficos de saúde são piores entre os indígenas. A taxa de mortalidade materna, mesmo controlando o nível socioeconômico.” Sofia Mendonça, médica sanitarista, diz, categoricamente: “É preciso interromper o acesso a essas comunidades, mas mantendo a comunicação e a criação de estratégias junto com os indígenas.”

Para evitar uma tragédia maior, os governos dos países que dividem a Amazônia devem se responsabilizar pelos povos e nacionalidades indígenas, altamente vulneráveis à pandemia. A omissão pode significar cumplicidade nesse desastre humanitário iminente. Isso já foi devidamente exigido pela Coica em comunicado publicado em 31 de março de 2020[4]: "Na mensagem, a entidade aponta uma situação de emergência em todos os países abrangidos pela Amazônia: Brasil, Bolívia, Peru, Equador, Colômbia, Venezuela, Guiana, Suriname e Guiana Francesa. Os povos originários destes países enfrentam agora um duplo problema: primeiro, a sua falta de imunidade diante deste novo vírus. O segundo é menos midiático, mas evidente para quem o sofre: a intensificação da atividade ilegal de garimpeiros e madeireiros aproveitando que as atenções estão completamente voltadas para a pandemia”.
A morte tem cara de anjo, pois organizações religiosas podem ser tão ou mais perigosas do que exploradores de riquezas materiais em terras indígenas. Muitos desses grupos "concorrentes" se dedicam à evangelização de comunidades indígenas e visam à promoção de invasões a territórios intocados para interferir de modo criminoso no equilíbrio cultural dos povos isolados. Há, por exemplo, registros de que em 1987, missionários estabeleceram contato com a etnia isolada dos “zo’é", o que resultou na dizimação de um terço de sua população através de contágio por doenças como gripe ou malária, o que forçou a expulsão daquela área, pela Funai, desses ditos missionários em 1991. Esse é um exemplo apontado por organizações que prezam e trabalham pela integridade dos povos indígenas do poder letal que tem a evangelização nessas comunidades, em especial ao incursionar em terras remotas para alcançar povos isolados. Há o exemplo da tragédia já relatada que remonta ao ano 1987 e mais atualmente do massacre a indígenas isolados na Amazônia denunciado no dia 21 de setembro de 2017 por órgãos da ONU e da OEA[5]. Na época dessas tragédias evidenciou-se, concomitantemente, um aumento da violência contra esses povos na região. Embora o Ministério Público tenha aberto uma investigação sobre o primeiro feito macabro, o processo acabou arquivado sem demonstrar a responsabilidade direta dos missionários[6]. Atualmente, além do perigo de missões que levam esses malefícios às aldeias há outros: garimpeiros que se aproveitam do confinamento e intensificam as atividades mineradoras, madeireiros que derrubam árvores protegidas, para exportação e venda ilegal de madeira e pecuaristas que provocam expulsões de indígenas de seus habitats com incêndios criminosos visando a expansão de rebanhos. Há, portanto, além do vírus, outros atores maléficos a combater: hordas de invasores com interesses de encurralar e até mesmo dizimar os povos originais para se apossar de sua terra e riquezas, sendo muitas vezes ajudados, direta ou indiretamente por missionários mal intencionados, terminando por contribuir para a destruição de culturas ancestrais, o aumento da poluição e comprometendo eco-sistemas: "Muitos destes povos indígenas vivem em estruturas comunitárias, com várias famílias em uma mesma oca e a necessidade vital de sair para pescar e assim garantir sua alimentação”, diz Claudette Labonté, indígena da etnia palikur[7].
Para que as invasões bárbaras “modernas" não tragam os mesmos riscos das que historicamente vem destruindo os povos indígenas há séculos, necessário seria a imediata retirada de todos os invasores da região, sejam eles missionários, grileiros, garimpeiros, madeireiros etc. pois só assim poderia se combater, de fato, a vinda de vetores de transmissão da covil-19 em terras indígenas. Não queiramos que, em pleno século 21 testemunhemos, impotentes, o aniquilamento dos povos indígenas remanescentes por conta não só de um vírus, mas principalmente pela omissão de governos e a intromissão de perversos predadores “brancos”. Se assim prosseguirem, senhores governantes, essa conta, sim, cairá sobre seus colos!



[1] Retirado em 3 de maio de 2020 de https://brasil.elpais.com/opiniao/2020-04-19/os-povos-indigenas-isolados-tambem-estao-em-isolamento-voluntario.html.
[3] Inédito: mais de 200 terras indígenas na Amazônia têm alto risco para Covid-19
23 de abril de 2020 | por Anna Beatriz Anjos e Bruno Fonseca. Consultado em 3 de maio de 2020 em https://apublica.org/2020/04/ineditomais-de-200-terras-indigenas-na-amazonia-tem-alto-risco-para-covid-19/
[5]Consultado em 27 de setembro de 2017 em https://www.brasil247.com/brasil/orgaos-da-oea-e-onu-denunciam-massacre-de-indios-isolados-no-amazonas.
[6] . Essa informação consta da matéria “A dupla ameaça para a Amazônia” de Luna Gámez para o Jornal “El País”em 24 de abril de 2020.

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