POLIS

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O projeto nasce com foco no comportamento político nas sociedades contemporâneas e nos efeitos dos movimentos sociais e políticos atuais sobre as liberdades e processos emancipatórios, bem como seus impedimentos em escala local, nacional e global. Tem por objetivos o desenvolvimento de um campo interdisciplinar de reflexão e prática investigativa e divulgadora, reunindo debates em torno de questões como: preconceito, racismo, sexismo, xenofobia, movimentos sociais, violência coletiva social, relações de poder, movimentos emancipatórios de povos e nações, valores democráticos e autoritarismos, laicidade, análises de discursos e ideologias, de universos simbólicos e práticas institucionais. Nessa perspectiva, o Polis atua desde sua criação formal em 2013, como projeto de extensão e em 2015 como Blog para divulgação e atualização.

sábado, 29 de abril de 2023

O Sudão se desfaz!


"Mapa das estratégias, divisões e recursos do Sudão e Sudão do Sul" (1)


Um país com história de instabilidade política na África sofre, desde sua independência em 1956, o efeito de governos autocráticos e muitas disputas entre militares, líderes e milícias. Até o ano 2011 havia somente um Sudão, cujo nome tem origem em dialetos árabes e significa “terra dos homens negros". Já fez parte do Reino Unido e do Egito, de quem obteve sua independência em 1956. Como no Egito, também corre no seu solo o rio Nilo e tem à fronteira oriental o Mar Vermelho. Depois de muitas disputas internas e um referendo nascia um novo país nas terras ao sul do Sudão e, não por acaso, se chamaria Sudão do Sul. Este novo Sudão que corresponde a um território que era parte do antigo Sudão, é agora um Estado soberano na África, o 193o membro da sociedade internacional. Destino semelhante que teve a Eritreia, sua vizinha de fronteira e antiga colônia italiana que havia sido incorporada à Etiópia. Após o resultado de um referendo, a Eritreia também obteve o reconhecimento formal da sua independência em 24 de Maio de 1993.  "Tal como no caso da Eritreia e da Etiópia, as relações entre o Sudão e o Sudão do Sul longe de estarem normalizadas, são caracterizadas por retrocessos e avanços relativamente às negociações sobre as questões pendentes: a partilha dos recursos, a questão fronteiriça, a questão monetária e a definição e direitos de cidadania”.(2) O atual Sudão se localiza no centro-norte africano, com geografia de regiões desérticas e tropicais, sendo detentor de uma história rica e antiga apesar de não tão conhecida como a do seu vizinho ao norte, o Egito. O Sudão abriga milhares de construções antigas que pertenceram ao reino de Cuche, uma superpotência da África com ampla influência regional. Este reino chegou a conquistar o Egito, governando-o por décadas. Diversas tribos, dentre elas aquelas formadas pelos povos mais conhecidos, os núbios, iniciaram o processo de habitação da região sudanesa. O país, como é conhecido atualmente, nunca experimentou estabilidade econômica ou política que valesse a pena ser registrada, nem antes e nem depois da divisão. Com uma população eminentemente jovem resultante de uma elevada taxa de natalidade, depende quase totalmente da exploração de petróleo para a geração de emprego, renda e sobrevivência. Povoado por muitas diferentes tribos, tornou-se um país multiétnico e multilinguístico. A divisão do antigo Sudão em dois países independentes, um ao norte, Sudão e outro ao Sul, Sudão do Sul não conseguiu trazer paz para a região. O referendo que criou o mais novo país foi realizado em 2011 e teve um resultado acachapante a seu favor, com a aprovação de 98,8% dos votantes. A separação do país com fronteiras imprecisas e conflitos permanentes pelas disputas por regiões ricas em petróleo fez com que uma guerra civil nacional se tornasse um conflito internacional. Apesar do Sudão já ter experimento a realidade cruel de outros distúrbios violentos, hoje Cartum, sua capital, protagoniza confrontos ininterruptos que assolam a vida dos seus habitantes, incluíndo aqueles que ali estão temporariamente por razão de trabalho ou estudo. Por trás das ações destruidoras estão as forças do exército lideradas pelo seu atual presidente, o general Abdel Fattah al-Burhan e um grupo paramilitar conhecido por Forças de Apoio Rápido (FAR) com a sigla do seu nome em inglês RSF. Esse grupo paramilitar é liderado pelo vice-presidente, o general Mohamed Hardan Dagalo ou, como é mais conhecido, Hemedti. Abdel Fatah al-Burhan entrou em cena em 2019 quando o Exército derrubou o ditador Omar al-Bashir, que vinha enfrentando uma onda de protestos contra seu (des)governo no país. Desde 2022, quando deu um golpe e derrubou o primeiro-ministro civil Abdalla Hamdok, Buhran pôs fim a qualquer plano de transição democrática, reforçando seu controle autocrático sobre o país. Os combates começaram após meses de tensões entre esses dois líderes militares rivais. Interesses econômicos também estão por trás do atual conflito, ou seja, entra no jogo do poder o controle de recursos minerais. O Sudão possui consideráveis reservas de ouro, que interessam, por exemplo, à Rússia. O ditador Bashir já havia afirmado anteriormente ao presidente russo, Vladimir Putin, que o Sudão poderia ser "a chave da África" para seu país. Não por acaso a milícia russa privada conhecida por “Wagner" é acusada de desenvolver operações militares no Sudão, o que em vez de ajudar a resolver, acirra o conflito. Há uma empresa de fachada desse grupo miliciano russo, que segundo autoridades norte-americanas, recebeu o direito de exploração de minas sudanesas em parceira com as FAR. O resultado dessa guerra que destrói qualquer chance de retorno a um governo civil e democrático no Sudão é que nenhum estrangeiro, nem mesmo as centenas de funcionários das Nações Unidas deseja permanecer no país e correr o risco de virar mais uma vítima desse conflito insano. Combates ininterruptos em Cartum, capital do país, além de colocar os cidadãos no meio do tiroteio, destroem rede elétrica, inviabilizam a distribuição de alimentos e tornam precário o funcionamento da internet e dos meios de comunicação. A maioria dos países já retira seus funcionários de embaixadas enquanto muitos estudantes estrangeiros, inclusive de outros países africanos e do Oriente Médio vivem horas de desespero por não terem os meios de deixar o Sudão para qualquer outro país que lhe pareça mais seguro nesse momento. 

Cartum sob ataque (Foto: AFP)


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1) Veja mais sobre "Independência do Sudão do Sul" em: https://brasilescola.uol.com.br/geografia/independencia-sudao-sul.htm"

2) Sudão do Sul: independente e inevitavelmente ligado ao Sudão. Alexandra Magnólia Dias. https://repositorio.ual.pt/bitstream/11144/799/1/Alexandra%20Dias.pdf.

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