POLIS

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O projeto nasce com foco no comportamento político nas sociedades contemporâneas e nos efeitos dos movimentos sociais e políticos atuais sobre as liberdades e processos emancipatórios, bem como seus impedimentos em escala local, nacional e global. Tem por objetivos o desenvolvimento de um campo interdisciplinar de reflexão e prática investigativa e divulgadora, reunindo debates em torno de questões como: preconceito, racismo, sexismo, xenofobia, movimentos sociais, violência coletiva social, relações de poder, movimentos emancipatórios de povos e nações, valores democráticos e autoritarismos, laicidade, análises de discursos e ideologias, de universos simbólicos e práticas institucionais. Nessa perspectiva, o Polis atua desde sua criação formal em 2013, como projeto de extensão e em 2015 como Blog para divulgação e atualização.

quarta-feira, 20 de outubro de 2021

GEÓRGIA: INSTABILIDADE NO PARAÍSO(1)

 

  Protestos na Geórgia contra a prisão do ex-presidente Mikhail Saakashvili

Quando Deus fez a distribuição dos países e todos os povos se reuniram para isso, os georgianos tinham acabado de celebrar um outro festival. Eles beberam e cantaram e assim esqueceram que tinham um encontro com Deus. Mas Deus ficou tão comovido com a felicidade e entusiasmo pela vida daquele povo que lhe deu a área que havia realmente reservado para si mesmo. E assim o povo georgiano veio para seu país, que chamou de Sakartvelo […](2)



O nome Sakartvelo (como os georgianos denominam seu país) surgiu no início da Idade Média e deriva do "mítico pai fundador Kartlos, um descendente do filho de Noé, Jafé. E 'Geórgia', o nome que se popularizou no mundo todo, remonta ao persa e originalmente significa: 'A terra dos lobos'. Os Cruzados transformaram a Geórgia na terra de São Jorge. Eles pensavam erroneamente que este santo, muito venerado na região, cristianizou o país. Viajantes europeus do século 17 suspeitavam, de forma igualmente equivocada, que o nome derivava do grego Georgos, o agricultor de terras aráveis".(3) Uma terra que teve apenas uma curta experiência de independência em sua história do século XX, quando em 1918 fez sua primeira declaração como República Democrática da Geórgia, teve seu fim com a invasão ilegal do Exército Vermelho em 1921. Invadida e ocupada pelas tropas do ditador Stalin a então recém-nascida República Democrática da Geórgia passou a integrar a União Soviética em 1922 juntamente com a Armênia e o Azerbaijão; desejo e vocação independentista do povo georgiano foram então atropelados pelos tanques de guerra soviéticos. Tratou-se, portanto, de uma anexação que se seguiu a uma ocupação militar. Houve um levante em 1924, quando já não se podia falar muito de uma verdadeira resistência, o que se agravou com o crescente terror stalinista.(4) O país que pertence, juntamente com Armênia e Azerbaijão ao bloco caucasiano de ex-repúblicas da URSS deixou também, em 2008, de fazer parte da Comunidade dos Estados Independentes (CEI), que surgia em 1991 como sucessora direta da União Soviética, contudo sem ter atribuições de Estado. Com os anseios separatistas de duas de suas regiões (Ossétia do Sul e Abkhazia), testemunhou-se, neste mesmo ano (2008), a escalada de um conflito inicialmente nacional na Georgia, ameaçada em sua frágil soberania. Provando-se ainda uma força de intervenção regional, a Rússia interveio no imbroglio político reconhecendo a independência dos dois novos países que emergiam, a contragosto, no espaço territorial da Geórgia. A entrada das tropas georgianas em Tskhinvali - capital da Ossétia do Sul deveria significar o domínio sobre a província separatista; conflito este que se espalhou para a província da Abkhazia, que igualmente lutava por sua independência. "Estes dois conflitos também remontam aos tempos soviéticos. A lógica era simples: se a Geórgia se separasse da URSS, Abkhazia e Ossétia do Sul reivindicariam sua independência. Os primeiros confrontos começaram ainda na época do regime soviético. Após o fim do regime comunista, a tensão reprimida se tornou uma guerra declarada. A Rússia apoiou os separatistas com armas, dinheiro, apoio logístico e soldados, e exerceu um papel decisivo na derrota das forças georgianas”.(5) O fim da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), há duas décadas ainda não significou a conquista de autonomia e paz nos países que daí emergiram. Um Acordo de Associação com a União Europeia (UE) assinado em 2014 reafirmou a aproximação da Geórgia com o bloco mas não significou avanços significativos para a estabilidade e democracia no país. A Georgia, paralelamente aos conflitos separatistas que acompanham a sua história recente de nação soberana continua revivendo velhos conflitos internos regados a grande incerteza política que deixa a população sem esperança de um futuro melhor. Já em 22 de novembro de 2003, manifestantes ocupavam pacificamente o parlamento georgiano forçando o então presidente Eduard Shevardnadze a renunciar no dia seguinte, no âmbito do que se denominou a Revolução Rosa. Revolução Rosa ou Revolução das Rosas, movimento pacífico e popular que retirou do poder o presidente do país. Tratou-se de um movimento popular espontâneo e legítimo ou de um golpe com a interferência do ocidente? "A então maciça suspeita de falsificação nas eleições parlamentares foi, em última análise, o gatilho para a chamada 'Revolução Rosa'.  […] Como não houve violência, a oposição falou de uma 'revolução de veludo' ou, segundo o símbolo dos grupos de oposição, a 'revolução das rosas". As forças de oposição venceram as eleições recém-anunciadas no início de 2004 com uma grande vantagem. Foi um momento histórico para o pequeno país do Cáucaso: o presidente Eduard Shevardnadze renunciou e deixou o poder para os três jovens políticos, Mikhail Saakashvili, Nino Burjanadze e Zurab Schwania. A mudança de poder em novembro de 2003, conhecida como “Revolução das Rosas”, foi uma mistura de espontaneidade e preparação cuidadosa. A mídia ocidental comentou com muita benevolência essa mudança. Mas também existem outras vozes. O Wall Street Journal relatou em 24 de novembro de 2003: “Por trás dos três políticos [Saakashvili, Burjanadze e Schwania] estão inúmeras organizações não governamentais [...] que surgiram desde a queda da União Soviética. Muitas dessas ONGs são apoiadas por fundações da América e de outros países ocidentais que estão produzindo uma classe de jovens intelectuais de língua inglesa que anseiam por reformas pró-Ocidente […](6) Essa jovem elite que a Revolução Rosa levou ao poder na forma do “Movimento Nacional Unido”, sob a liderança do presidente Mikhail Saakashvili, realizou extensas reformas e se declarou pioneira das reformas econômicas liberais na região. "Nos três anos seguintes, as reformas no Estado e na economia logo deram ao país a reputação de modelo de estudo do Cáucaso do Sul e taxas de crescimento econômico de dois dígitos. A dura repressão ao suborno na polícia e na administração, a liberalização da economia e a introdução de impostos fixos baixos logo produziram sucessos visíveis na forma de alto crescimento do investimento estrangeiro […] Oito anos após a Revolução Rosa, a euforia do despertar democrático há muito se perdeu e a decepção está se espalhando entre a população. Os críticos reclamam que as reformas na arena política se mostraram muito menos convincentes e que o governo queria fortalecer o pluralismo político e as reformas do Estado de direito seguiram-se com muito menos entusiasmo. Além disso, apenas alguns setores econômicos selecionados e participantes do mercado se beneficiaram com a liberalização econômica do país".(7) O ex-presidente Mikhail Saakashvili encontra-se, mais uma vez, no centro das atenções e é a razão de protestos de milhares que saem às ruas e exigem sua libertação, acusando o governo de mante-lo em prisão política. "Com gritos como 'Liberdade para Misha!', Milhares de pessoas pediram a libertação do ex-presidente Mikhail Saakashvili em um comício no centro da capital da Geórgia, Tbilisi […] O maior partido da oposição, o Movimento Nacional Unido (ENM), fundado por Saakashvili em 2001, convocou os protestos".(8) O presidente que ficou no poder entre 2004 e 2013 e buscou seguir um curso pró-Ocidente foi condenado a seis anos de prisão, à revelia, por abuso de poder, o que ele nega e diz ser uma acusação com motivação política.(9) Saakashvili teve seu apogeu em 2003, ao chegar ao poder como parte da Revolução Rosa. Hoje como voz de protesto na prisão diz que se a Georgia quer se tornar uma civilização, todos os georgianos precisam de reconciliação e de rejeitar atos da vingança. Quando um novo período eleitoral se avizinhava com eleições parlamentares planejadas para acontecer em 2012 não havia tanta certeza de uma pluralidade política e igualdade de condições no pleito. Segundo Yasmin Pumuk,(10) isso acontece apesar de se saber que, particularmente em tempos de crise, um país precisa de todas as cabeças pensantes de que disponha: "Portanto, é importante que a liderança de hoje entenda que a competição política é um elemento importante para a força inovadora do país, mas também do partido no poder. A liderança de um país cresce e se aprimora com a competição política e não com o monismo”.(11) Se há um interesse verdadeiro em seguir o caminho rumo à Europa, reformas institucionais e mudanças políticas para viabilizar uma cooperação com a União Europeia são essenciais. Do contrário, a Georgia continuará com as costas voltadas à Europa e presa a um passado de relações anacrônicas e perigosas com o gigante vizinho russo.

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(1) O título é uma referência atualizada ao artigo: BAETZ, B.; HUFEN, U. Das verunsicherte Paradies. Disponível em: <https://www.deutschlandfunk.de/eine-lange-nacht-ueber-georgien-das-verunsicherte-paradies.704.de.html?dram:article_id=427882>. Acesso em: 2018.

(2) BAETZ, B.; HUFEN, U. Mito fundador dos georgianos. Disponível em: Das verunsicherte Paradies. Disponível em: <https://www.deutschlandfunk.de/eine-lange-nacht-ueber-georgien-das-verunsicherte-paradies.704.de.html?dram:article_id=427882>. Acesso em: 2018.

(3) idem

(4) Compare: BAETZ, B.; HUFEN, U.  Disponível em: Das verunsicherte Paradies. Disponível em: <https://www.deutschlandfunk.de/eine-lange-nacht-ueber-georgien-das-verunsicherte-paradies.704.de.html?dram:article_id=427882>. Acesso em: 2018.

(5) LIRA, F. Percepções de ameaças e lealdades internacionais na Eurásia. Disponível em: <https://www.anpocs.com/index.php/papers-36-encontro/gt-2/gt28-2/8167-percepcoes-de-ameacas-e-lealdades-internacionais-na-eurasia/file>. Consultado em: 2012.

(6)KÚCHHOLZ, J. Die Rosenrevolution in Georgien: Ausdruck der Demokratie oder ein von den USA erkaufter Putsch? (Arbeitspapiere des Osteuropa-Instituts der Freien Universität Berlin, Arbeitsschwerpunkt Politik, 49-3). Berlin: Freie Universität Berlin, Osteuropa-Institut Abt. Politik, 2005. Disponível em: <https://nbn-resolving.org/urn:nbn:de:0168-ssoar-439943>. Acesso em: 2011.

(7) PAMUK, Y. Wandel und Kontinuität. Acht Jahre nach der Rosenrevolution in Georgien. Friedrich Naumann Stiftung, p. 1-2. Disponível em:  <https://core.ac.uk/download/pdf/71736003.pdf>. Acesso em: 2011.

(8) OERTEL, B. Disponível em: <Freiheit für Saakaschwili!https://taz.de/Proteste-in-Georgien/!5808251/>. Acesso em: 2021.

(9) Compare: Freiheit für Saakaschwili gefordert. Disponível em: <https://www.tagesschau.de/ausland/europa/demonstrationen-georgien-101.html>. Acesso em 2021.

(10) PAMUK, Y. Wandel und Kontinuität. Acht Jahre nach der Rosenrevolution in Georgien. Friedrich Naumann Stiftung. Disponível em:  <https://core.ac.uk/download/pdf/71736003.pdf>. Acesso em: 2011.

(11) idem


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