POLIS

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O projeto nasce com foco no comportamento político nas sociedades contemporâneas e nos efeitos dos movimentos sociais e políticos atuais sobre as liberdades e processos emancipatórios, bem como seus impedimentos em escala local, nacional e global. Tem por objetivos o desenvolvimento de um campo interdisciplinar de reflexão e prática investigativa e divulgadora, reunindo debates em torno de questões como: preconceito, racismo, sexismo, xenofobia, movimentos sociais, violência coletiva social, relações de poder, movimentos emancipatórios de povos e nações, valores democráticos e autoritarismos, laicidade, análises de discursos e ideologias, de universos simbólicos e práticas institucionais. Nessa perspectiva, o Polis atua desde sua criação formal em 2013, como projeto de extensão e em 2015 como Blog para divulgação e atualização.

sexta-feira, 28 de novembro de 2025

Timor Leste: 50 anos de luta por soberania


Mapa político do Timor Leste 

 

Timor Leste é a “terra sândalo”, a “terra do sol nascente”, como evocado por Luís de Camões (1572): “Timor, aqui lenho manda, sândalo salutífero e cheiroso, onde vê o sol nascendo”.(1)

 

Em 28 de novembro de 1975, há exatos 50 anos, o povo do Timor Leste conquistava sua independência, que foi imediatamente contestada e combatida pelo país vizinho, a Indonésia. Hoje comemoramos essa data histórica, que apesar de inviabilizada por meio de uma invasão militar estrangeira, marcou o início da luta do povo maubere, o povo original do Timor Leste, por sua emancipação e autodeterminação. 


Ex-presidente da Indonésia, Abdurrahman Wahid (à esquerda), conversa com o diplomata brasileiro Sérgio Vieira de Mello, responsável da ONU pela administração transitória em Timor Leste.


A pequena nação do sudeste asiático vivenciou, após um período sob a Administração Transitória das Nações Unidas em Timor Leste (UNTAET) liderada pelo diplomata brasileiro Sérgio Vieira de Mello, sua primeira eleição presidencial desde a independência, em 14 de abril de 2002. Nessa ocasião, o ex-guerrilheiro Xanana Gusmão foi eleito presidente. O Timor Leste se tornava a primeira nação soberana e reconhecida internacionalmente do século XXI. 


Presidenta Dilma Rousseff cumprimenta o primeiro-ministro do Timor Leste, Xanana Gusmão, durante visita oficial ao Brasil (Brasília, DF, 03/03/2011)


A história do Timor Leste remonta à ocupação portuguesa da parte oriental da ilha de Timor a partir de 1512, mantendo-a como sua colônia até 1975, quando abandonaram a região, abrindo espaço para o grito de independência que não se consumou por conta da reação sangrenta do país vizinho. A anexação do Timor Leste pela Indonésia nunca foi reconhecida pela ONU e tampouco aceita pelos timorenses. 24 anos depois, em 1999, a quase totalidade da população votante decidia novamente, desta feita por meio de um plebiscito, pela independência. José Ramos Horta participou juntamente com o bispo Carlos Ximenes Belo da luta pela libertação do Timor, tendo, por esse trabalho, recebido o Prêmio Nobel da Paz. 


José Ramos Horta e o bispo Carlos Ximenes Belo recebendo o Prêmio Nobel da Paz


Juntamente com Xanana Gusmão outro companheiro de luta, formam um trio de líderes nacionais inquestionáveis até os dias atuais. O país com vastas reservas de gás em alto mar mas ainda com 41%  do seu 1,2 milhão de habitantes vivendo abaixo da linha da pobreza continua com problemas sociais e econômicos de grandes proporções e aposta na melhoria de vida  da população com a riqueza natural que vem sendo explorada em seu litoral. Há sete anos, o então presidente timorense, Francisco Guterres Lu-Olo, afirmava na abertura da 1.ª Conferência Internacional sobre os Assuntos do Mar que decorreu em Dili, a capital timorense, que Timor-Leste deveria apostar no mar e na sua exploração enquanto “importante recurso econômico do país”, desenvolvendo uma política que assumisse esse “desígnio estratégico nacional”:


“É tempo de apostar no Mar e na sua exploração, enquanto importante recurso económico do país, como um desígnio estratégico para Timor Leste para que possa dar frutos nas próximas décadas”. 


O sonho de reconstrução do país e da melhoria do padrão de vida do seu povo é renovado a cada eleição nacional que ocorre quinquenalmente. Em Díli, a capital do país, o atual presidente Ramos Horta compartilha com seu homólogo brasileiro, o presidente Lula, ideais e sonhos semelhantes: o combate à fome e à pobreza da população por meio de investimentos significativos em saúde e educação com programas de distribuição de renda e de inclusão da maioria desfavorecida do povo timorense no orçamento. 



Ramos Horta e Xanana Gusmão na solenidade de adesão do Timor Leste à ASEAN em 26 de outubro de 2025


No dia 26 de outubro de 2025 foi formalizada a adesão de Timor Leste ao seleto grupo de países que integram a Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN, na sigla em inglês). O Primeiro-Ministro Xanana Gusmão assinou a Declaração de Admissão prometendo aos compatriotas lutar pela melhoria das condições de vida dos mais desfavorecidos e liderar uma transformação no jovem país insular.





Localização do Timor Leste no Sudeste asiático


Fortaleza, 28 de novembro de 2025

Antonio C. R. Tupinambá

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(1) Brito, R. p. de; Paulino, V.; Corte-Real, B. de A. e. Timor-Leste em foco: estudos sobre língua, literatura e cultura. Veredas: Revista da Associação Internacional de Lusitanistas, n. 40, p. 5-9, jul./dez. 2023.  

segunda-feira, 3 de novembro de 2025

O dinheiro e o preconceito contra Zohran Mamdani




Poderosos dão sua última cartada (com milhões de US$) no jogo eleitoral para a prefeitura de Nova Iorque.

Ataques do perverso que ocupa a Casa Branca, o presidente Donald Trump, multiplicam-se e se tornam cada vez mais ameaçadores. Nessa segunda-feira (3/11) ameaçou restringir os fundos federais para a cidade de Nova York caso o candidato democrata Zohran Mamdani vença as eleições para prefeito, que ocorrerão na terça-feira (4/11). Milionários jogam somas nunca antes vistas na conta da campanha de Andrew Cuomo. Last but not least, doações de pagadores “por fora”, apoiadores independentes, alcançam um montante sete vezes maior para a campanha de Cuomo comparado com aquelas para a campanha de Mamdani. Calcula-se que só desses “independentes” Cuomo já recebeu US$ 36 milhões. Somas bilionárias vêm de apoiadores como o antigo prefeito Michael Bloomber; Ronald Lauder, o antigo chefão do conglomerado Estee Lauder; Joe Gibbia, o co-fundador da Airbnb, além de Bill Aman, somente este empresário, apoiador de Trump e conhecido apoiador de Israel, já doou US$ 2 milhões para se opor à campanha de Mandani.

Zohran Mamdani, que nasceu em Uganda e se tornou um New Yorker, também se provou um fantástico candidato no seu modo de fazer campanha; com naturalidade para enfrentar as armadilhas do democrata Cuomo, que se tornou o queridinho de Trump e dos zilionários, financiadores imodestos com avalanches de dólares. As políticas pragmáticas de Mandani visando o bem do povo de Nova Iorque são apenas detalhes para despertar o ódio nos grandes nomes estabelecidos na política local. Eles jamais esperavam encontrar no carisma, empatia, honestidade e na capacidade de comunicação de um “estranho estrangeiro” a muralha política a ser bombardeada. A luta para proteger seus interesses financeiros está recheada de outras mensagens que ficam mais claras com os terríveis ataques articulados pela turma anti-Mandani; ataques esses carregados de xenofobia, islamofobia, racismo, aporofobia e vários outros preconceitos e receios, muitas vezes infundados mas que preenchem o imaginário de parte do povo de Nova Iorque. Um povo que vê, pela primeira vez, a possibilidade de dar um passo além do establishment, ao levar a ocupar a cadeira de prefeito de Nova Iorque alguém com um outro modelo de administração, uma figura que nunca se pensou poder ali chegar. Na maior metrópole do país, a mais importante em várias perspectivas, inclusive financeira, um homem que se declara socialista, um "não-americano" que, para os padrões políticos do país, pertence a um grupo de “pessoas estranhas” está a um passo de acabar com a carreira de figurões da política antipovo. 

Mamdani nasceu em Uganda, filho de uma indiana, Mira Nair, cineasta e diretora indicada ao Oscar, conhecida por dirigir filmes como The Namesake, Salaam Bombay! e Monsoon Wedding e de um intelectual que, ao chegar nos Estados Unidos, engajou-se na luta pelos Direitos Humanos. Mahmood Mamdani (o pai), é um renomado professor de relações internacionais e antropologia da Universidade Columbia. Ele é ex-aluno de Harvard. 

Mamdani é um jovem, sobretudo, muito simples, autêntico e solidário para que os tubarões da política estadunidense o vejam, pelo menos, como um elemento que tenha o direito de com eles competir. Isso faz suas intenções de se tornar prefeito de Nova Iorque tremer até a cadeira do mandatário egocêntrico na Casa Branca. 

Como muitas outras, mais uma cena imperdível ocorreu nesta manhã de terça-feira: Mandani voltando de sua inusitada campanha com, dentre outras coisas, a visita a vários clubes noturnos, inclusive um clube gay, com sua grande faixa na qual se lia OUR TIME IS NOW.

Além de manter, para padrão estadunidense, um inigualável e sincero sorriso no rosto, como todo alguém que exala energia positiva, ainda consegue se comunicar igualmente com vários grupos populacionais novaiorquinos em suas línguas de origem, seja ela o inglês, o hindi, o árabe ou o espanhol. Por tudo isso, Zohran Mamdani certamente provoca muitas reações distintas, muitas delas negativas.

Mamdani e Cuomo, o “papagaio do Trump” (Trump’s parrot) 


A campanha ininterrupta anti-Mamdani tem o apoio escancarado da grande mídia como, por exemplo, do Wall Street Journal. “Ele não é quem você pensa que ele é”, dizia um anúncio de TV com imagens sombrias do deputado estadual de 34 anos, que se mantém como o favorito para a prefeitura da cidade de Nova York. O anúncio não deixa claro exatamente qual é a suposta desconexão, mas o slogan claramente visa fazer os eleitores refletirem e duvidarem de suas intenções e do seu caráter." "Há algo que você desconhece por trás daquilo que ele quer mostrar. [Insinua o tal repórter sem mostrar qualquer evidência para justificar o comentário maldoso]." (fonte: The Guardian).

Há sempre a mesma acusação de quem diz ter grande experiência administrativa, ainda que tenha se provado incompetente, tenha sido acusado de corrupção e até mesmo de vários crimes sexuais, como é o caso do seu oponente Andrew Cuomo. Chegam ao extremo de associá-lo a um potencial terrorista pelo simples fato de ser muçulmano. 

No penúltimo dia de votação, teve-se o maior número de votantes (votos antecipados em uma situação de não obrigatoriedade) que compareceram às urnas para uma eleição não majoritária. Momdani é este homem que mobilizou, em uma campanha sem doações milionárias, cerca de 100 mil voluntários que saíram pelas ruas dos diferentes bairros de Nova Iorque, bateram em portas de casas desconhecidas e falaram com quem encontravam nas calçadas, nos mais diferentes locais e até no transporte público para dar a conhecer este nome antes estranho, hoje sinônimo de ousadia e determinação. Para os estadunidenses um nome que soa estranho; acostumados que estão a, no máximo, pronunciar um sobrenome italiano com sotaque de um candidato ítalo-americano, por exemplo Cuomo ou de um ex-cubano de extrema-direita que odeia Cuba, ao modo de Rubio.

Que se faça realidade aquilo que diz ao final de cada uma das incansáveis falas nos diferentes subúrbios de Nova Iorque e em Manhattan: “Escolhemos o futuro porque, para todos aqueles que dizem que nossa hora está chegando, meus amigos, nossa hora é agora.

Que assim seja, Zohran Mamdani! Que você vença para trazer um sopro de democracia em Nova Iorque, nesse pedaço tão diverso dos Estados Unidos que também pariu Donald Trump, a abominável criatura que, unilateralmente, lhe transformou em seu arquirrival e, em seus delírios totalitários, quer impedir os novaiorquinos de lhe escolher para ser o prefeito da cidade que nunca dorme. Nós e todos os que também preservam o humanismo dentro de si torcemos por você! Que venha a vitória!

Antonio C. R. Tupinambá

Fortaleza, 3 de novembro de 2025.


sábado, 1 de novembro de 2025

"—119 narcoterroristas", disseram. / "—119 narcoterrorists," they said.

Erica Mara Pompeu*


Isso não é uma poesia 

Não é uma crônica

Não é uma denúncia das práticas de Estado

Tampouco, um protesto


119 é o resultado da soma de cinco números primos 

consecutivos:

17+ 19 + 23 + 29 + 31


119 é apenas um número 

Nada evoca


Minhas palavras se esvaziaram

Não há nenhum sentido

Não há nenhuma intenção

Não quero dizer nada


A insuficiência do dizer

A incapacidade do sentir

Tudo é perda

E a perda,

tudo.


Atordoados, tenho os sentidos

Aturdida, a reflexão 

Como um vaso que caiu ao chão e de novo

De novo caiu

E caiu

119 vezes


Hoje, disseram:

"—119 narcoterroristas morreram"

E o que era um número

Fez-se símbolo


Não escrevo versos

Porque versos celebram

Cantam

Co-movem


Poesia tenta dizer algo

O inefável


"—119 narcoterroristas", disseram. 


Onde está o indizível? 

119 corpos estendidos

E um nó na garganta


Sobre a "Operação Contenção" no Rio de Janeiro- 28/10/2025)


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This is not a poem

It is not a chronicle

It is no denunciation of state practice.

Nor is it a protest


119 is the result of the sum of five consecutive prime numbers:


17 + 19 + 23 + 29 + 31


119 is just a number

It evokes nothing


My words have been emptied

There is no meaning

There is no intention

I want to say nothing


The insufficiency of speech

The inability to feel

Everything is loss

And loss is

all.


Aghast, my senses are

Dazed, my reflection

Like a vase that fell to the ground and again

Again fell

And fell

119 times


Today, they said:

"—119 narcoterrorists died"

And what was a number

Became a symbol


I do not write verses

Because verses celebrate

Sing

Co-move


Poetry tries to say something

The ineffable


"—119 narcoterrorists," they said.


Where is the unspeakable?


119 bodies laid out

And a lump in my the throat


(Regarding " Operação Contenção/ Operation Containment"- in Rio de Janeiro / Brazil- 10/28/2025)



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*Erica Mara Pompeu 

Possui graduação em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará (2003) e graduação em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Ceará (2002). Possui experiência na área de Filosofia: foi professora da disciplina Filosofia, Sociologia e Ética na Faculdade Integrada da Grande Fortaleza (FGF). Pesquisadora independente do filósofo Emanunuel Levinas. No que tange à Teologia, suas pesquisas são focadas em Cristologia, máxime, a Cristologia do querigma primitivo.