POLIS

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O projeto nasce com foco no comportamento político nas sociedades contemporâneas e nos efeitos dos movimentos sociais e políticos atuais sobre as liberdades e processos emancipatórios, bem como seus impedimentos em escala local, nacional e global. Tem por objetivos o desenvolvimento de um campo interdisciplinar de reflexão e prática investigativa e divulgadora, reunindo debates em torno de questões como: preconceito, racismo, sexismo, xenofobia, movimentos sociais, violência coletiva social, relações de poder, movimentos emancipatórios de povos e nações, valores democráticos e autoritarismos, laicidade, análises de discursos e ideologias, de universos simbólicos e práticas institucionais. Nessa perspectiva, o Polis atua desde sua criação formal em 2013, como projeto de extensão e em 2015 como Blog para divulgação e atualização.

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Cultura e violência


 Jantar - Imagem de Stock (br.depositphotos.com)

Ao dizer à agente que era juiz e essa retrucar com a frase "juiz mas não Deus", recebeu voz de prisão notícia 


A agente de trânsito carioca Luciana Tamburini abordou, profissionalmente em uma blitz, um juiz que dirigia sem habilitação. O carro do magistrado não tinha placas e tampouco a exigida documentação, o que lhe custou o seu reboque. Ao dizer à agente que era juiz e essa retrucar com a frase “juiz mas não Deus”, recebeu voz de prisão. Julgado, o caso resultou em punição com multa para a agente. Esse poderia ser um exemplo emblemático para o psicólogo holandês Gert Hofstede, que estudou as “dimensões culturais” e os diversos aspectos de inúmeras culturas nacionais. Talvez não tenha nos seus manuais sobre o tema, melhor ilustração para o que descreve como uma de suas principais dimensões culturais, ou seja, a “distância de poder”. Distância de poder define o quanto as pessoas integrantes de uma determinada cultura aceitam que outros possam exercer sobre elas a força, seja com legitimidade ou não. Tais experiências, como a relatada, se avolumam em vários extratos sociais, comprovando que nessa dimensão o Brasil pontua bem mais, quando comparado a outras nações mais desenvolvidas. Isso significa termos uma população que reconhece e aceita uma grande desigualdade de poder entre as pessoas. Não nos enganemos achando que isso ocorre apenas nesses casos de “desigualdade padrão”, no qual se identifica uma clara diferença hierárquica ou econômica entre os envolvidos. Constataram-se essas tendências, em aceitar desigualdades de poder, também em situações cotidianas comuns, reforçando os achados típicos em países socialmente atrasados como o nosso. Quando alguém contrata uma empregada doméstica, por exemplo, verifica-se que essa pessoa tende a imprimir características de poder desproporcional na relação de trabalho, porque culturalmente isso é aceito e até desejado. A dificuldade em aceitar mudanças na legislação que coíbe esses abusos pode ser também explicada pela prevalência dessa dimensão cultural. Em sociedades como a nossa há, segundo estudos nessa área, uma tendência a aceitar mais o racismo e a opressão, caso partam de quem tem alguma forma de maior poder percebido. A burocracia, nesses países, também funciona para ratificar esses desníveis culturais. Há pessoas que dela lançam mão para justificar e viabilizar suas pretensões de domínio e poder. No caso de sociedades como a nossa, com maior “distância de poder”, atos de violência e exercício desigual de poder são justificados e até mesmo incentivados, caso seus agentes estejam em posição hierárquica superior ou em condição social “melhor” do que suas vítimas. Não por menos, testemunhamos em nosso país o apego desmedido a objetos ou símbolos de poder para cultivar distância, demonstrar superioridade, e, portanto, poder agir arbitrariamente, muitas vezes à margem da própria lei e com aceitação tácita dos pares.

Originalmente publicado no Caderno OPINIÃO do Jornal O POVO em 01/12/2014.

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