POLIS

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O projeto nasce com foco no comportamento político nas sociedades contemporâneas e nos efeitos dos movimentos sociais e políticos atuais sobre as liberdades e processos emancipatórios, bem como seus impedimentos em escala local, nacional e global. Tem por objetivos o desenvolvimento de um campo interdisciplinar de reflexão e prática investigativa e divulgadora, reunindo debates em torno de questões como: preconceito, racismo, sexismo, xenofobia, movimentos sociais, violência coletiva social, relações de poder, movimentos emancipatórios de povos e nações, valores democráticos e autoritarismos, laicidade, análises de discursos e ideologias, de universos simbólicos e práticas institucionais. Nessa perspectiva, o Polis atua desde sua criação formal em 2013, como projeto de extensão e em 2015 como Blog para divulgação e atualização.

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

O ANTI-CRISTIANISMO NA ÁFRICA





Ao longo dos últimos anos, o continente africano é palco de mudanças políticas, especialmente nos países que experimentaram o efeito da primavera árabe. Esse efeito não foi, contudo, democratizante, resultando muitas vezes na simples troca de ditadores por regimes temperados pelo fundamentalismo religioso, que jogam seus cidadãos na vala comum do totalitarismo e da extrema intolerância. Um alto preço a ser pago pelos que fogem aos seus ditames e prescrições comportamentais, principalmente, aqueles de natureza religiosa.
Notícias frequentes no quadro desolador desses muitos países giram em torno da insegurança com que vivem pessoas de confissão religiosa que se distancie ou se diferencie do islamismo. Muitos desses Estados que confundem práticas de governo e práticas religiosas veem em qualquer outro modo de vida uma razão certa para sua eliminação completa. No âmbito dessa arbitrariedade se encontram as minorias cristãs, que são perseguidas e, muitas vezes, vítimas de ataques que resultam na sua morte ou “recuperação” forçada, caso queiram continuar vivendo. Aos olhos passivos de governos ocidentais que se sensibilizam, profundamente, com qualquer gesto terrorista ou extremista religioso dentro de suas fronteiras, se sucedem e se alastram desmandos e tragédias por terras africanas. Suas raízes estão nos jogos de poder das diferentes facções criminosas/terroristas locais de fundamentalistas religiosos islamitas e de governos déspotas ou falidos.
Especula-se, por exemplo, que até 100 mil cristãos tenham deixado o Egito desde o levante de 2011, durante a primavera árabe. A perseguição ao grupo cristão aumentou em consequência do crescimento da influência de grupos islâmicos. As eleições parlamentares, que resultaram em uma grande vitória dos partidos islâmicos, especialmente a Irmandade Muçulmana e a linha-dura “salafistas Nour”, levaram grupos extremistas a querer introduzir a lei estrita da Sharia (islâmica) em todo o Egito, permitindo ataques a cristãos e a membros de outros grupos minoritários. Mas os cristãos não são a única minoria religiosa perseguida por fundamentalistas islâmicos ao redor do mundo. Os yezidi do Iraque, são também uma presa do autoproclamado grupo terrorista “Estado Islâmico”. Essa minoria conhecida por yezidi é uma comunidade ancestral que vive em zonas do Iraque, da Síria e da Turquia e tem na sua religião mistura de traços do zoroastrianismo, do islão e do cristianismo mas é particularmente odiada pelos islamitas, que os apelidaram de satânicos.
Exemplos iguais ou piores são vistos aquém e além-fronteiras: cristãos coptas egípcios têm direitos civis retirados ou limitados pelo “novo governo”; somalis cristãos, que se refugiaram em outros países, foram posteriormente sequestrados para decidirem entre sua execução ou sua “reabilitação muçulmana”; crianças de escolas cristãs da Nigéria foram sequestradas pelo grupo terrorista Boko Haram, sendo depois entregues em casamentos forçados com terroristas que integram o próprio grupo extremista.
A matança com que se banqueteiam os extremistas parece não ter fim. Nesta Páscoa, as notícias mais tristes de crimes de intolerância religiosa vieram do Quênia. A fúria jihadista atingiu mais cristãos naquele país, levando o Papa Francisco a se queixar de um “silêncio cúmplice” das pessoas perante o ocorrido.
Desta feita, uma tragédia se deu no campus universitário de Garissa, no Nordeste do Quênia, onde a milícia islamista Al-Shabab matou cerca de 148 pessoas. O grupo terrorista separou os muçulmanos dos não muçulmanos, mantendo os primeiros apenas como reféns enquanto executava os demais.

A mistura entre Estado e religião, algo comum nesses países, é combustível do totalitarismo regado a fundamentalismo religioso. Como afirma a jurista Flávia Piovesan: “confundir Estado com religião implica a adoção oficial de dogmas incontestáveis, que, ao impor uma moral única, inviabiliza qualquer projeto de sociedade aberta, pluralista e democrática. A ordem jurídica em um Estado democrático de direito não pode se converter na voz exclusiva da moral de qualquer religião” (O Globo). É exatamente em estados laicos que grupos religiosos têm o direito de constituir suas identidades em torno de seus princípios e valores, uma vez serem parte de uma sociedade democrática, sem, contudo, pretenderem se tornar hegemônicos. Uma lição que parece fazer falta aos países africanos, que a ferro e fogo querem teocratizar seus governos, hegemonizar suas culturas, tornando-se, dessa forma, coniventes com ações extremas de seus membros terroristas travestidos de religiosos.

Originalmente publicado no blog Controvérsia (www.controversia.com.br) em 08 de abril de 2015. 

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