Ao
longo dos últimos anos, o continente africano é palco de mudanças
políticas, especialmente nos países que experimentaram o efeito da
primavera árabe. Esse efeito não foi, contudo, democratizante,
resultando muitas vezes na simples troca de ditadores por regimes
temperados pelo fundamentalismo religioso, que jogam seus cidadãos na
vala comum do totalitarismo e da extrema intolerância. Um alto preço a
ser pago pelos que fogem aos seus ditames e prescrições comportamentais,
principalmente, aqueles de natureza religiosa.
Notícias
frequentes no quadro desolador desses muitos países giram em torno da
insegurança com que vivem pessoas de confissão religiosa que se
distancie ou se diferencie do islamismo. Muitos desses Estados que
confundem práticas de governo e práticas religiosas veem em qualquer
outro modo de vida uma razão certa para sua eliminação completa. No
âmbito dessa arbitrariedade se encontram as minorias cristãs, que são
perseguidas e, muitas vezes, vítimas de ataques que resultam na sua
morte ou “recuperação” forçada, caso queiram continuar vivendo. Aos
olhos passivos de governos ocidentais que se sensibilizam,
profundamente, com qualquer gesto terrorista ou extremista religioso
dentro de suas fronteiras, se sucedem e se alastram desmandos e
tragédias por terras africanas. Suas raízes estão nos jogos de poder das
diferentes facções criminosas/terroristas locais de fundamentalistas
religiosos islamitas e de governos déspotas ou falidos.
Especula-se,
por exemplo, que até 100 mil cristãos tenham deixado o Egito desde o
levante de 2011, durante a primavera árabe. A perseguição ao grupo
cristão aumentou em consequência do crescimento da influência de grupos
islâmicos. As eleições parlamentares, que resultaram em uma grande
vitória dos partidos islâmicos, especialmente a Irmandade Muçulmana e a
linha-dura “salafistas Nour”, levaram grupos extremistas a querer
introduzir a lei estrita da Sharia (islâmica) em todo o Egito,
permitindo ataques a cristãos e a membros de outros grupos minoritários.
Mas os cristãos não são a única minoria religiosa perseguida por
fundamentalistas islâmicos ao redor do mundo. Os yezidi do Iraque, são
também uma presa do autoproclamado grupo terrorista “Estado Islâmico”.
Essa minoria conhecida por yezidi é uma comunidade ancestral que vive em
zonas do Iraque, da Síria e da Turquia e tem na sua religião mistura de
traços do zoroastrianismo, do islão e do cristianismo mas é
particularmente odiada pelos islamitas, que os apelidaram de satânicos.
Exemplos iguais
ou piores são vistos aquém e além-fronteiras: cristãos coptas egípcios
têm direitos civis retirados ou limitados pelo “novo governo”; somalis
cristãos, que se refugiaram em outros países, foram posteriormente
sequestrados para decidirem entre sua execução ou sua “reabilitação
muçulmana”; crianças de escolas cristãs da Nigéria foram sequestradas
pelo grupo terrorista Boko Haram, sendo depois entregues em casamentos
forçados com terroristas que integram o próprio grupo extremista.
A matança com
que se banqueteiam os extremistas parece não ter fim. Nesta Páscoa, as
notícias mais tristes de crimes de intolerância religiosa vieram do
Quênia. A fúria jihadista atingiu mais cristãos naquele país, levando o
Papa Francisco a se queixar de um “silêncio cúmplice” das pessoas
perante o ocorrido.
Desta feita, uma tragédia se deu no campus universitário
de Garissa, no Nordeste do Quênia, onde a milícia islamista Al-Shabab
matou cerca de 148 pessoas. O grupo terrorista separou os muçulmanos dos
não muçulmanos, mantendo os primeiros apenas como reféns enquanto
executava os demais.
A mistura entre
Estado e religião, algo comum nesses países, é combustível do
totalitarismo regado a fundamentalismo religioso. Como afirma a jurista
Flávia Piovesan: “confundir Estado com religião implica a adoção oficial
de dogmas incontestáveis, que, ao impor uma moral única, inviabiliza
qualquer projeto de sociedade aberta, pluralista e democrática. A ordem
jurídica em um Estado democrático de direito não pode se converter na
voz exclusiva da moral de qualquer religião” (O Globo).
É exatamente em estados laicos que grupos religiosos têm o direito de
constituir suas identidades em torno de seus princípios e valores, uma
vez serem parte de uma sociedade democrática, sem, contudo, pretenderem
se tornar hegemônicos. Uma lição que parece fazer falta aos países
africanos, que a ferro e fogo querem teocratizar seus governos,
hegemonizar suas culturas, tornando-se, dessa forma, coniventes com
ações extremas de seus membros terroristas travestidos de religiosos.
Originalmente publicado no blog Controvérsia (www.controversia.com.br) em 08 de abril de 2015.
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