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Assim como a Crimeia, Donezk e Luhansk também tiveram seus dias de República. O destino das províncias ucranianas separatistas que se declaram Repúblicas Populares Donezk e Luhansk, sem reconhecimento internacional, pode ser bem diferente do esperado por seus líderes e apoiadores russos. Na fronteira, entre Ucrânia e Russia, Donbass é uma região que faz parte da Ucrânia e vem sendo controlada por grupos separatistas pró-Moscou que reivindicam independência desde 2014. Donetzk, com uma população de cerca de dois milhões de habitantes, que já foi conhecida por Stalino na era soviética é atualmente a principal cidade na área de mineração de Donbass e um dos principais centros metalúrgicos da Ucrânia. Lugansk, cidade industrial da região com cerca de 1,5 milhão de habitantes, já foi chamada de Voroshilvograd sob o mando soviético. As administrações russas separatistas que ocupam as duas cidades "ordenaram usar e promover os nomes das cidades da era Stalin – Voroshilovgrad e Stalino – nos eventos relacionados à Segunda Guerra Mundial. O que pode parecer uma decisão ridícula à primeira vista, é parte da grande campanha de propaganda que já vem desde 2014 para separar mentalmente os moradores da região do resto da Ucrânia e mantê-los leais à Rússia.(1)
Em 2015, líderes mundiais se reuniram na capital da Bielorússia, Minsk, para discutir um acordo e buscar possíveis saídas para a crise; visando por fim ao conflito que já durava quase um ano na área leste da Ucrânia. Russos, ucranianos, alemães e franceses buscavam negociar a paz para uma Ucrânia combalida e vítima de inúmeros conflitos internos. Áreas da região de Donbass conhecidas como República Popular de Luhansk (LPR) e a República Popular de Donetsk (DPR) deveriam, segundo a Ucrânia, permanecer sob seu controle e dentro de sua fronteira internacional. Em 2016, as duas “repúblicas" realizaram eleições primárias destinadas à prévia seleção de possíveis candidatos para as eleições locais, o que violaria o Acordo de Minsk. "De acordo com a Fundação Internacional para Sistemas Eleitorais (IFES), essas primárias são 'um pouco inúteis em um momento em que as futuras modalidades eleitorais ainda estão em negociação e ainda não está claro que tipo de entidades e candidatos políticos eleitorais irão defender'. A IFES avalia 'essas primárias amplamente como uma provocação política ou protesto em relação ao processo de paz’”.(2)
Os dois proto-países se encaminham para um cenário de terra arrasada caso continuem com seus projetos separatistas. A Ucrânia ameaça uma ofensiva militar na região que compreende o território das duas repúblicas o que na prática significa recuperar os territórios com o uso da força militar. A Rússia sempre apoiou as forças separatistas e cogitou reconhecer oficialmente a independência da região. No entanto, para salvaguardar os cidadãos locais que se identificam muito mais como russos do que como ucranianos, a província russa de Rostov seria uma espécie de "porto seguro" à população sob ameaça dos ataques ordenados desde Kiev, a qualquer momento, segundo informações do representante de Donetsk, Denis Pushilin, e do chefe de Lugansk, Leonid Pasechnik. Para evitar uma tragédia maior, se estabeleceu um acordo com as autoridades russas, visando destinar um espaço no território do país vizinho para as populações das cidades separatistas. "Mulheres, crianças e idosos são os primeiros a serem evacuados, de acordo com Pushilin… 'Os evacuados receberão tudo o que precisam', disse, acrescentando que "todas as condições foram criadas para uma transição rápida nas passagens de fronteira”.(4)
Em 2014, a península da Crimeia, até então sob domínio ucraniano, terminou por ser anexada à Rússia à revelia e sob protestos da Ucrânia. Politicamente dividida, a grande maioria de russos que habita a província sustentava uma aproximação do que considerava sua pátria-mãe em oposição à minoria de tártaros da Crimeia (cerca de 16% da população), que claramente se posicionou favorável a uma aproximação da Ucrânia com a União Europeia. Ao contrário dos russos, eles aderiram à “Euromaiden”, onda de manifestações e de agitação civil na Ucrânia, iniciada em 21 de novembro de 2013 com protestos multitudinários exigindo maior integração com a Europa. "Isso não surpreende: essa minoria foi acusada de colaborar com a Alemanha nazista durante a Segunda Guerra Mundial e por isso deportada para a Ásia Central por ordem do líder soviético Stalin. Cerca de metade dos tártaros morreu. Somente após o colapso da União Soviética foram autorizados a retornar à sua antiga pátria”.(5)
O famoso ucraniano, Nikita Chruschtschow, foi o responsável pela anexação da península a seu país de origem. A Ucrânia era anteriormente uma das quinze repúblicas da União Soviética e tornou-se um estado independente após sua dissolução. Até 2014 a Crimeia ainda era uma república autônoma no leste da Ucrânia, com 60% de sua população russa fortemente ligada a Moscou. Quando o então presidente ucraniano, Yanukovych, foi deposto após os protestos da população em 2014 formou-se um governo de transição que não evitou a emergência de vários problemas na região leste da Ucrânia e na península da Crimeia.
A luta pela independência da Crimeia passou por períodos que antecederam e sucederam a proclamação da independência da Ucrânia. "Ativistas pró-Rússia criaram iniciativas, associações e partidos para se separar da Ucrânia, realizaram manifestações e coletaram assinaturas… O parlamento da Crimeia não teve muita escolha: em 5 de maio de 1992, anunciou efetivamente a soberania da república e queria que ela fosse confirmada pelos cidadãos no referendo de 2 de agosto de 1992… O pânico eclodiu em Kiev. Os deputados da Crimeia foram ameaçados de processo por separatismo. Em 13 de maio de 1992, o Kiev Verkhovna Rada [Conselho Supremo da Ucrânia] declarou a decisão dos colegas da Crimeia inconstitucional e indicou que a separação nunca seria pacífica e significaria guerra. Em 21 de maio, os deputados de Simferopol [Capital da República Autônoma da Crimeia] se curvaram e cancelaram o referendo. A Rússia também se envolveu nos assuntos da Crimeia… em 21 de maio de 1992, o parlamento russo declarou inconstitucional o Ukas de 1954 de Khrushchev sobre a entrega da Crimeia à Ucrânia…"(6)
A Crimeia sofreu frequentes mudanças de status político ao longo de sua história e hoje tem grande parte da sua população formada por russos e descendentes, falantes da sua língua e por ucranianos e tártaros, também com suas respectivas línguas: ucraniano e tártaro da Crimeia. A região é também diversa quanto à religião: ”A Crimeia é na verdade uma encruzilhada de religiões, [islamismo, judaísmo, catolicismo romano e cristianismo ortodoxo oriental], como resultado do número de nacionalidades que se cruzaram e coexistiram ao longo dos séculos".(7)
O novo milênio não trouxe conciliação interna na Ucrânia; os conflitos na península e a leste do país continuaram, o que viabilizou a ingerência russa, culminando com a separação compulsória da Crimeia e sua anexação à Rússia. A separação do que era antes território ucraniano, bem como sua anexação à Rússia, foram resultantes de um referendo popular realizado coercitivamente sob o mando russo. Os resultados do referendo que advieram desse ato coercitivo não foi reconhecido por Kiev e muito criticado pelas nações ocidentais. "Em um referendo em 16 de março de 2014, o povo da Crimeia votou a favor da adesão à Rússia. O presidente da Rússia, Putin, detinha as rédeas deste procedimento aparentemente democrático”.(8) A incorporação da Crimeia à Rússia foi considerada ilegal; "a Assembleia Geral da ONU também declarou o referendo inválido. A Ucrânia vê a Crimeia como parte de seu território, mas a Rússia está no controle desde então”.(9) Conflitos na Ucrânia não são assuntos domésticos. O país tem localização geográfica estratégica, uma passagem entre a Rússia e Europa (União Europeia), "inclusive como país de trânsito para o abastecimento de gás”.(10)
Apoiadores da "República Popular" de Donetsk em um comício em março de 2016. Em breve haverá eleições na região disputada?
(© picture-alliance/dpa)
A anexação, efetivada em poucos dias, contrasta com o que se passa atualmente na região de Donbass. Na Crimeia, a cautelosa, quase silenciosa invasão da península culminou com a realização, sob armas e controle de Moscou, de um plebiscito com resultados pró-Rússia . Já em Donbass, no leste da Ucrânia, a guerra caminha para quase uma década e se acirra com a proximidade das tropas russas, com a infiltração do serviço de inteligência militar russo GRU e a iminência de uma invasão militar. "As negociações até agora não foram bem sucedidas. A Rússia está exigindo que a OTAN se comprometa a não aceitar mais estados orientais. A OTAN exige que a Rússia retire suas tropas da fronteira”.(11) Não deve causar espanto se o esperto Puttin aproveitar-se do crescimento deliberado da violência na região em litígio como justificativa conveniente de uma escalada bélica e eventual invasão. Enquanto isso a população sofre isolada em um cotidiano de miséria e ausência de perspectivas. Movimentar-se para fora das regiões ocupadas é uma arriscada aventura, ou como descreve Denis Trubetskoy, a vida cotidiana nas Repúblicas Populares permanecerá, por enquanto, uma pista de obstáculos."A crise do Corona tornou ainda mais difícil a já complicada viagem para partes da Ucrânia controladas por Kiev. Existem apenas sete postos de controle na linha de confronto onde você pode entrar no território do governo. No entanto, eles geralmente estão abertos apenas durante o dia. A viagem de volta é ainda mais difícil: enquanto a Ucrânia mantém todos os postos de controle abertos, as Repúblicas Populares só permitem que os viajantes passem em um ponto na região de Luhansk. Atualmente, os moradores da República Popular de Luhansk só podem cruzar a fronteira improvisada uma vez por mês. Viajar para o resto da Ucrânia é muito complicado para muitos moradores das Repúblicas Populares…”(12) Continuarão escassas as informações confiáveis sobre a real situação da população nas duas regiões independentistas no leste ucraniano que se encontram no centro da crise política entre a Rússia e o Ocidente. Gás, Otan, domínio territorial na região e outros condicionantes criados pelos senhores da guerra importam mais do que a vida dos milhões de cidadãos russos e ucranianos sitiados e sem direitos.
Um dos três? Um cidadão da autoproclamada República Popular de Donetsk mostra seu passaporte.
(Direitos de imagem: dpa)
(7) Smith, L. Hauptreligionen in Krim. https://outdoorukraine.com/de/a/72/
(8) Wie die Krim vor 8 Jahren russisch wurde. https://www.mdr.de/nachrichten/welt/osteuropa/politik/krimkrise-chronologie-ukraine-100.html
(9) Naminova, L. Seit Jahrhunderten umstritten. https://taz.de/Historischer-Konflikt-um-die-Krim/!5047443/
(10) Stadler, J. Worum geht es eigentlich im Ukraine-Konflikt?https://www.augsburger-allgemeine.de/politik/ukraine-konflikt-worum-geht-es-eigentlich-im-ukraine-konflikt-id61536226.html
(11) idem.
(12) Trubetskoy, D. Donbass: Drei Pässe und ein mieses Lebenhttps://www.mdr.de/nachrichten/welt/osteuropa/land-leute/ukraine-donbass-alltag-100.html
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