POLIS

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O projeto nasce com foco no comportamento político nas sociedades contemporâneas e nos efeitos dos movimentos sociais e políticos atuais sobre as liberdades e processos emancipatórios, bem como seus impedimentos em escala local, nacional e global. Tem por objetivos o desenvolvimento de um campo interdisciplinar de reflexão e prática investigativa e divulgadora, reunindo debates em torno de questões como: preconceito, racismo, sexismo, xenofobia, movimentos sociais, violência coletiva social, relações de poder, movimentos emancipatórios de povos e nações, valores democráticos e autoritarismos, laicidade, análises de discursos e ideologias, de universos simbólicos e práticas institucionais. Nessa perspectiva, o Polis atua desde sua criação formal em 2013, como projeto de extensão e em 2015 como Blog para divulgação e atualização.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

A DEMOCRACIA AGONIZA EM HONG KONG




                                            
 Um banner com Joshua Wong, cujo partido pró-democracia se desfez na terça-feira 
  [28.01.2020] 

              (Chan Long Hei/Bloomberg News)






3,5 milhões de presos… “não é o fim da luta. À nossa frente está outro campo de batalha desafiador. Agora estamos nos juntando à batalha na prisão com muitos manifestantes corajosos, menos visíveis, mas essenciais na luta pela democracia e liberdade para HK. 

Joshua Wong(1)




No período pós-1997 acirraram-se os ânimos da população de Hong Kong e dos ditadores na China em função da luta da sociedade civil na ex-colônia britânica por mais democracia. Tendo do lado oposto o governo da Região Administrativa Especial (RAE) de Hong Kong e grandes empresários da região em um movimento pró-Pequim, os jovens e aguerridos estudantes se veem frente a um grande complô catalisado pela máquina de opressão chinesa. “…Desde a reunificação já se contabilizam diversos conflitos locais entre a sociedade civil e o governo da RAE de Hong Kong. Em todos os casos, seja em 2003, com as mobilizações contrárias à Lei de Segurança Nacional; em 2014, com o Occupy Central e o Umbrella Movement;(2) ou em 2019, com as revoltas contra a Lei de Extradição, a questão da democratização da região esteve em pauta e a rivalidade entre ambos os campos foi determinante para a condução do impasse.”(3) Em 2003, considerado por muitos o ano do segundo grande marco para o movimento pró-democracia de Hong Kong, diversos outros problemas que afligiam a região, além da questão da democracia em si, "impulsionavam a insatisfação popular e a luta por mudanças. Neste aspecto, as manifestações seguiram em um movimento amplo, englobando diversos indivíduos e grupos sociais com perspectivas e objetivos difusos, indo '[...] desde a legislação do salário mínimo até os direitos dos homossexuais'”.(4)

    Uma história em que a população permaneça alheia e distante dos centros de decisão em Hong Kong remonta ao período colonial. Não havia, por parte dos colonizadores britânicos, qualquer interesse de promover canais de participação popular para as tomadas de decisão sobre temas vitais de governabilidade, e isso foi aprofundado com a retomada do controle da região por Pequim. Nos treze anos do período de transição da soberania sobre Hong Kong se queria, principalmente, ajustar uma agenda de mudanças na estrutura de liderança política com a elaboração de uma espécie de miniconstituição local (Basic Law) promovendo o que se denominava “Um país, dois sistemas”. "Contudo, o período transicional foi marcado por diversas turbulências em Hong Kong, assim como pelo surgimento e crescimento do movimento pró-democracia, que implicou diretamente na mudança do cenário político da ilha. Desta forma, as décadas de 1980 e 1990 foram responsáveis por profundas mudanças políticas e sociais em Hong Kong, mudanças estas que determinariam o seu rumo futuro enquanto uma RAE.”(5)


Em entrevista à DW, o exilado de Hong Kong Nathan Law discutiu as prisões de seus colegas ativistas pró-democracia. Ele disse que enquanto as prisões sinalizam o fim de "um país, dois sistemas", a luta pela liberdade de expressão continuará. (DW, 23.11.2020)


Os ativistas mascarados pré-pandemia nas ruas de Hong Kong ecoando palavras de ordem e e confrontando,  em prol da democracia, as tropas policiais armadas foram substituídos pelos milhões de presos vítimas da draconiana Lei de Segurança Nacional, criada para suprimir o Estado de Direito no território. A imprensa e os políticos que ainda ousavam desafiar as investidas e os ataques impiedosos a mando da máquina totalitária chinesa sobre Hong Kong se perdiam em meio à excrescência do poderio desigual do continente para massacrar qualquer um que gritasse por liberdade ou invocasse o respeito às leis locais. A máquina liderada pelo presidente Xi Jinping com a ambivalência e o cinismo político impermeável à crítica ou aos observadores externos, agiu com a truculência característica do regime como o comprovam as ações em outras regiões, nomeadamente o Tibete, região autônoma de Xinjiang, no noroeste da China dos uigures e onde quer que seja questionado seu desejo de poder absoluto. Com igual poder deveriam ser calados e retirados das ruas os estudantes e seu protesto, bem como poderiam escrever as leis à sua maneira mesmo que para isso precisassem manobrar os governantes locais, substitui-los e aniquilar a oposição.


                                         


                    Hong Kong inicia 2020 com novos protestos (BBC-News, 1.01.2020)




Acusados de "crimes" absurdos, manifestantes foram presos aos milhares com a aplicação da famigerada Lei de Segurança Nacional, imposta em 2020. A mão de ferro de Pequim recai sobre Hong Kong e esmaga qualquer expressão de discordância do poder central a despeito da ilegalidade que isso possa significar. A nenhum político ou administrador público é permitido divergir e toda a escolha de nomes depende da garantia de fidelidade inquestionável e cega lealdade ao Governo Popular Central. Some-se a esse controle político um completo controle da mídia independente, reprimida ad extremum com prisões e o fechamento de suas sedes e consequente retirada do ar de suas transmissões. O temor de retaliações, inclusive com punições físicas e encarceramento, intimida quem ainda queira trazer alguma informação não censurada sobre os desmandos dos ditadores chineses e seus representantes em Hong Kong. "Eles estavam entre as últimas vozes independentes restantes na cidade. O bloqueio ocorreu após o fechamento em junho do tablóide independente Apple Daily, de propriedade do magnata do vestuário Jimmy Lai, que agora está na prisão”.(6) 

    A chefe do Executivo da região, Carrie Lam, passa de líder da Região Administrativa Especial de Hong Kong semi-autônoma e representante do povo de Hong Kong a simples implementadora de ordens do Conselho de Estado. Pode-se contar com sua obediência cega para transformar Hong Kong em apenas mais um rincão na China sem democracia e sob o mando de carrascos cumprindo ordens vindas do continente. Em curso uma transformação legislativa para equiparar Hong Kong aos demais estados e regiões continentais chineses controlados e manipulados pelo grande chefe. Uma agenda legislativa manipulada pode conter propostas para restringir a liberdade de imprensa e a liberdade de expressão com a previsível "desculpa" de salvaguarda da segurança da nação. Nas propostas legislativas, provavelmente a inclusão de estratégias de  programas educacionais para "uma compreensão correta da história e da cultura” chinesas. Isso pode significar mais um programa de modificação cultural compulsiva e lavagem cerebral a exemplo do que se conhece de outras regiões da China. Espera-se que a população de Hong Kong consiga dificultar ou até mesmo impedir esses planos ditatoriais e surpreender o mundo com uma vitória sobre seus algozes a despeito de um sistema de vigilância e perseguição  que se institucionaliza a partir de Pequim visando a destruição de qualquer vestígio democrático já existente no "tigre asiático". 

    Joshua Wong, símbolo da resistência jovem em Hong Kong, foi detido por participar de atos pró-democracia. Joshua, como muitos outros de sua geração, faz a diferença na luta por liberdade e justiça em sua cidade natal. Sem perder o otimismo continua afirmando que mesmo não vencendo essa batalha, a guerra será vencida. Com semelhante otimismo é que queremos nos juntar a Joshua Wong e a todos os que lutam pela democracia em Hong Kong, expressando nossa solidariedade. Em Pequim devem ecoar as vozes de protesto e de apoio a essa luta por democracia, por autonomia (no modelo de "um país e dois sistemas" já consolidado) e pela recuperação da liberdade. 

 



        Um manifestante agita uma bandeira preta de Hong Kong em uma rua do lado de fora do Complexo        do Conselho Legislativo em 1º de julho de 2019, em Hong Kong. 

      (Anthony Kwan/Getty Images)


                                                                       战斗直到胜利


                Os EUA não são amigos dos manifestantes de Hong Kong: vão abandoná-los, 

                como os curdos, assim que for conveniente.

                              Tom Grimmer


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(1) Joshua Wong é um jovem ativista pró democracia que se destacou quando ainda era estudante durante os protestos de rua de 2014 exigindo  sufrágio universal em Hong Kong.

(2) Movimento pró-democracia de 2014. Os protestos que foram denominados movimento Umbrella também ficaram conhecidos como Occupy Central with Love and Peace. Tornou-se conhecido como o movimento Umbrella depois que ativistas usaram guarda-chuvas para se proteger de gás lacrimogêneo e spray de pimenta.

(3) FONSECA, L. P. O Papel do movimento pró-democracia honconguês na relação China-Hong Kong. TCC. UFPB/CCSA. João Pessoa, 15 de julho de 2021. Disponível em: <https://repositorio.ufpb.br/jspui/bitstream/123456789/20716/1/LPF12082021.pdf>. Acesso em fev. 2022.

(4) idem.

(5) idem.

(6) Goldberg, N. Coluna: A democracia está morrendo em Hong Kong. Mas por que o resto de nós deveria se importar? <https://www.latimes.com/opinion/story/2022-01-10/hong-kong-democracy-china>. 



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