POLIS

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O projeto nasce com foco no comportamento político nas sociedades contemporâneas e nos efeitos dos movimentos sociais e políticos atuais sobre as liberdades e processos emancipatórios, bem como seus impedimentos em escala local, nacional e global. Tem por objetivos o desenvolvimento de um campo interdisciplinar de reflexão e prática investigativa e divulgadora, reunindo debates em torno de questões como: preconceito, racismo, sexismo, xenofobia, movimentos sociais, violência coletiva social, relações de poder, movimentos emancipatórios de povos e nações, valores democráticos e autoritarismos, laicidade, análises de discursos e ideologias, de universos simbólicos e práticas institucionais. Nessa perspectiva, o Polis atua desde sua criação formal em 2013, como projeto de extensão e em 2015 como Blog para divulgação e atualização.

quinta-feira, 22 de outubro de 2020

O levante na Nigéria

 

                                    Anistia Internacional pede investigação sobre violência policial após onda de protestos denunciando o Sars -  Amnesty International (Brasil de Fato).





Protestos unem os povos da Nigéria como nunca visto, quando todos os grupos e classes sociais se sentem afetados pela violência e arbitrariedade do Estado. Em um país no qual protestos em massa não são tão comuns, nos dias atuais se testemunha um verdadeiro levante contra as arbitrariedades policiais e governamentais que têm posto em risco a segurança e até a sobrevivência da população. Apesar da insatisfação da maioria com a situação econômica, desmandos governamentais e truculência das ações policiais, falamos de um país complexo de cerca de 200 milhões de habitantes, que partilham de uma vida e uma cultura fragmentadas. Diferentes religiões e etnias, frágil identidade nacional comum se juntam nesse mosaico gigantesco e complexo chamado Nigéria. Apesar dessas características que parecem contribuir para a inviabilidade de uma unidade nacional em suas reivindicações por problemas ainda que sejam comuns a sua maioria, a Nigéria teve, nos últimos tempos, vários movimentos reivindicatórios bem sucedidos. Isso parece se repetir no movimento atual, a despeito da contra-violência orquestra em acordo ao Estado nada democrático.


Uma greve geral na Nigéria foi bem-sucedida pela última vez em janeiro de 2012, quando o preço da gasolina subiu de 65 (cerca de 34 centavos de euro) para 141 nairas na virada do ano. Após duas semanas de protestos, foi fixado em 97 nairas. Também houve vigílias em várias cidades em 2014, depois que o grupo terrorista islâmico Boko Haram sequestrou 276 estudantes do vilarejo de Chibok, no estado de Borno. Em 2018, o movimento jovem #NotTooYoungToRun também alcançou certo êxito nacional: com comícios, conseguiu reduzir a idade para votar e obteve também uma atenção internacional.1


A luta da população que ocupa as ruas das grandes cidades foi deflagrada também em nome da defesa da sua integridade física que vem sendo ameaçada pela violência policial. Há no crescente dessa luta a inclusão de pautas mais amplas anti-governo, o que tem desencadeado uma reação desproporcional por parte das autoridades governamentais e policiais fazendo a população refém de uma repressão brutal sem precedentes. Apesar desse desequilíbrio de forças, essas lutas crescem e seus atores se multiplicam, se espalham pelas cidades e parecem não se intimidar frente à macabra reação dos órgãos repressores. Tortura, prisões arbitrarias, execuções e extorsão estão entre as muitas práticas e atributos do SARS e deverão continuar sendo daqueles que eventualmente venham lhe substituir. “'É alarmante saber que diversas pessoas foram mortas e feridas nos protestos contra o Esquadrão Especial Antirroubo na Nigéria. É fundamental que os responsáveis pela violência sejam levados à Justiça', afirmou o chefe de Política Externa da União Europeia, Josep Borrell."2 

Na sua origem estavam as demonstrações contra o tal Esquadrão Especial Anti-Roubo (SARS), acusado de prisões ilegais, tortura e execuções extrajudiciais. Jovens se mobilizam pelas redes sociais e saem às ruas contra esses grupos que, teoricamente, foram criados para combater os criminosos locais mas se transformaram em agentes de banditismo escancarado, apavorando a população.

No país mais populoso da África, a SARS, essa unidade especial da polícia criada para combate ao crescente número de casos de crimes violentos, se volta, portanto, contra a população em geral, causando uma onda de revolta e provocando protestos que já repercutem pelo mundo. 

Os manifestantes que são atacados pelos agentes desses órgãos de repressão e da polícia mesmo com seus protestos pacíficos recebem apoio de organizações de direitos humanos que mantém a comunidade informada por meio da publicação de dados sobre a unidade especial SARS. O apoio vem também de outros lados, como de representantes da igreja, parte das instituições poderosas na Nigéria, criticando a violência policial. "A oposição política, como Atiku Abubakar, candidato à presidência derrotado no ano passado, também reapareceu e no fim de semana fez um apelo às pessoas para homenagear aqueles que foram 'assassinados pelo sistema injusto’.”3

Apesar de ter sido dissolvida pelo governo após os protestos, a SARS foi recriada com outro nome (SWAT), o que deixou os manifestantes insatisfeitos e os fez continuar nas ruas para que sua demanda de dissolução do grupo com feitio de milícia seja definitivamente atendida. Esse levante que iniciou com um alvo específico, terminou por expressar outras demandas da população insatisfeita também com a enorme injustiça social, pobreza extrema e taxas crescentes de desemprego que são frutos de uma corrupção galopante no país com uma das maiores economias da África, fruto da grande riqueza advinda do abundante petróleo em seu território.4

O anúncio do fim da SARS feito pelo presidente Muhammadu Buhari e consequente criação do Swat (equipe para armas e táticas especiais), não foi suficiente para apaziguar os manifestantes, acirrando ainda mais seus ânimos e aumentando seu ceticismo sobre a vontade do governo de atender seus pleitos.

Na maior cidade do país, Lagos, com seus mais de 20 milhões de habitantes, manifestantes bloquearam várias rodovias além de transformarem um cortejo fúnebre simbólico em mais um ato de protesto contra o presidente, enquanto, paralelamente, delegacias de polícia eram atacadas no estado de Edo.

Apesar da reação ostensiva dos militares no país, que ameaçam continuar a agir com hostilidade e força bélica contra os grupos da população que saiam às ruas para protestar, a Hashtag #EndSARS foi levantada, com sucesso, em várias cidades ao redor do mundo, como Londres, Berlim, Nova York e Toronto5, o que sem dúvida ajuda no engajamento internacional de apoio na luta dos irmãos nigerianos oprimidos pelo poder ilegítimo de um Estado corrupto e arbitrário.


Fortaleza, 22 de outubro de 2020.


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1) Ein ganzes Land in Aufruhr. Disponível em <https://taz.de/Proteste-in-Nigeria/!5721237/>. Acesso em outubro de 2020.

2) Nigéria vive segunda semana consecutiva de protestos contra violência policial. Disponível em <https://www.brasildefato.com.br/2020/10/22/nigeria-vive-segunda-semana-consecutiva-de-protestos-contra-violencia-policial>. Acesso em outubro de 2020.

3) Ein ganzes Land in Aufruhr. Disponível em <https://taz.de/Proteste-in-Nigeria/!5721237/>. Acesso em outubro de 2020.

4) Compare SARS: Why are tens of thousands of Nigerians protesting? Disponível em <https://www.aljazeera.com/news/2020/10/21/endsars-protests-why-are-nigerians-protesting)>. Acesso em outubro de 2020.

5) SARS: Why are tens of thousands of Nigerians protesting? Disponível em <https://www.aljazeera.com/news/2020/10/21/endsars-protests-why-are-nigerians-protesting)>. Acesso em outubro de 2020.

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