POLIS

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O projeto nasce com foco no comportamento político nas sociedades contemporâneas e nos efeitos dos movimentos sociais e políticos atuais sobre as liberdades e processos emancipatórios, bem como seus impedimentos em escala local, nacional e global. Tem por objetivos o desenvolvimento de um campo interdisciplinar de reflexão e prática investigativa e divulgadora, reunindo debates em torno de questões como: preconceito, racismo, sexismo, xenofobia, movimentos sociais, violência coletiva social, relações de poder, movimentos emancipatórios de povos e nações, valores democráticos e autoritarismos, laicidade, análises de discursos e ideologias, de universos simbólicos e práticas institucionais. Nessa perspectiva, o Polis atua desde sua criação formal em 2013, como projeto de extensão e em 2015 como Blog para divulgação e atualização.

terça-feira, 3 de novembro de 2020

O chocolate que consumimos é fruto da exploração do trabalho infantil (1)

 


                Foto África: As crianças tristes dos cacauais.(2)




Vocês desfrutam de algo que foi feito com o meu sofrimento. 

Trabalhei duro para eles, sem nenhum benefício. 

Estão a comer a minha carne.(3)



O consumo do achocolatado ou chocolate de marcas famosas e desejadas como a Mars, Hershey ou Nestlé está financiando a exploração do trabalho infantil em países africanos. "As 7 marcas de chocolate que utilizam cacau proveniente de trabalho escravo infantil são: 1. Hershey, 2. Mars, 3. Nestlé, 4. ADM Cocoa, 5. Godiva, 6. Fowler’s Chocolate e 7. Kraft.”(4) A Cargill que também está em Ilhéus, na Bahia, é a maior processadora de cacau da América Latina e fornece a matéria prima para marcas como Nestlé, Garoto, Kraft ou Arcar. Não é possível saber ao certo o quanto do chocolate por nós consumido, seja no dia a dia ou nas nossas celebrações de Páscoa, por exemplo, não passou pelas mãos calejadas das crianças africanas. Pequenas e maltratadas mãos que muitas vezes estão feridas e sujas de sangue pelos muitos objetos cortantes que usam para retirar a amêndoa da fruta. Apesar do Brasil produzir cerca de 180 mil toneladas de cacau por ano, isso não chega a ser suficiente para abastecer o mercado interno; em 2017 foi importada cerca de 50 mil toneladas de amêndoas de cacau para dar conta desse mercado.(5)

Original das Américas, onde astecas e maias já o cultivavam e consumiam, o cacau se espalhou pelo mundo e se encontra hoje na África em abundância, em ótimo habitat, altamente rentável, onde se tornou a estrela da economia de alguns países. O cacau representa 40% das exportações da Costa do Marfim e é responsável pelo financiamento dos projetos nacionais em tempo de paz mas também na guerra.

O que ocorre atualmente nos dois grandes países exportadores de cacau da África Ocidental, Costa do Marfim e Gana interessa a todos os grandes consumidores de chocolate no mundo, pois é desse consumo que surge a demanda para o crescente aumento da produção do cacau nessas regiões abandonadas pelo poder público e ignorada por esses países importadores do produto. A produção bruta se dá à sombra da moderna industrialização que joga em larga escala nas prateleiras das lojas, supermercados e nas mesas dos cafés, o “manjar dos deuses”,  como o bem denominou o botânico sueco Carolus Linneus (Theobrona Cacau).  Para manter esse círculo vicioso entre plantação/extração, exportação, industrialização, comercialização e consumo está, na origem, a  mão-de-obra infantil que segue o galope do seu consumo . Uma criança de cinco anos trabalhando já deve ser algo impensado e inadmissível, mas imagine então uma criança dessa idade se submetendo a trabalhos altamente perigosos nessas plantações de cacau!  Segundo a Universidade de Chicago, “mais de dois quintos (ou seja, 43 por cento) de todas as crianças com idade entre os cinco e os 17 anos, nas regiões de cultivo de cacau do Gana e da Costa do Marfim - os maiores produtores de cacau do mundo - estão sujeitas a trabalhos perigosos, como o uso de ferramentas afiadas e cortantes.”(6) Ademais, segundo a mesma jornalista da RTP, Inês Santos(7), aumentou em 13% o número de crianças que se envolvem  na realização de trabalho infantil perigoso na produção de cacau na Costa do Marfim e nas regiões de cultivo de cacau do Gana num período de 10 anos, entre 2008 e 2018. As iniciativas das gigantes do cacau (indústrias alimentícias) para contribuir com a erradicação do trabalho infantil juntamente com os governos locais são pífias e ineficazes, pois as estatísticas mostram que as taxas de trabalho infantil e trabalho infantil perigoso nesse setor não apresentam queda, principalmente nos dois países, Gana e Costa do Marfim, que são responsáveis pela exportação de 65% do cacau consumido em todo o mundo. "Segundo um relatório do ano passado, o nível de exploração do trabalho infantil nos dois países da África Ocidental está aumentando constantemente e hoje envolve 2,1 milhões de crianças.”(8)

A Costa do Marfim divide uma fronteira de 668 km com Gana, onde agricultores de subsistência devem ser os responsáveis pelo cultivo de cerca de 90% das amêndoas de cacau.  Apesar do nível de pobreza dos dois países, há ainda vizinhos mais pobres como Mali e Burkina Faso, de onde são traficadas crianças e adolescentes para trabalho nessas lavouras. 

Algumas poucas experiências de construção de escolas nas comunidades locais, tornam-se os raros exemplos de como as crianças podem se libertar do trabalho infantil por meio da educação. Talvez seja a ganância das grandes corporações e dos governos pouco democráticos dos países produtores de cacau que os façam preferir inundar os lares cristãos durante a páscoa e mesmo o ano todo com seu chocolate produzido pelos jovens e crianças africanas escravizados do que abrir mão de qualquer quantia dos mega-lucros daí advindos. Abrir uma escola significa tirar um grupo de crianças das plantações ou evitar que um novo grupo se engaje em trabalho infantil, tendo que substitui-las por trabalhadores adultos com outras relações de trabalho e mais custos. Em vez de buscar soluções sustentáveis, as grandes marcas buscam driblar a situação em benefício próprio. Preferem dar um jeito para que a origem do cacau não seja facilmente rastreada e assim sustentar o falso discurso de que não sabiam que estavam importando matéria prima misturada com o sangue das crianças africanas. Pior ainda, tratam de criar uma certificação que seja apenas funcional para um mercado mais exigente, o que pode influenciar na consolidação, aumento ou queda de consumidores. Há uma preocupação calculada com esses consumidores cada vez mais conscientes e que querem conhecer a origem do que compram, podendo assim colaborar com a proteção do ambiente e das populações nativas.(9) 


Fortaleza, novembro de 2020.

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1) Baseado no artigo “Chocolate e Trabalho Infantil” publicado originalmente no Caderno Opinião do Jornal O Povo+. Disponível em <https://mais.opovo.com.br/jornal/opiniao/2020/11/03/antonio-caubi-ribeiro-tupinamba--chocolate-e-trabalho-infantil.html>. Acesso em novembro de 2020.


2)Disponível em <https://racismoambiental.net.br/2017/06/15/africa-as-criancas-tristes-dos-cacauais/>. Acesso em outubro de 2020.

3) Diz uma criança liberta do trabalho escravo. Disponível em <http://www.ihu.unisinos.br/noticias/552014-chocolate-pascoa-e-trabalho-infantil-conheca-as-sete-marcas-de-chocolate-que-utilizam-trabalho-escravo-infantil->. Acesso outubro de 2020.

4) Chocolate, páscoa e trabalho infantil: Conheça as sete marcas de chocolate que utilizam trabalho escravo infantil. Disponível em <http://www.ihu.unisinos.br/noticias/552014-chocolate-pascoa-e-trabalho-infantil-conheca-as-sete-marcas-de-chocolate-que-utilizam-trabalho-escravo-infantil->. Acesso em outubro de 2020.

5) Cotrim, M. Crianças africanas trabalham na produção de metade do chocolate consumido no mundo. Disponível em <https://gazetadocerrado.com.br/criancas-africanas-trabalham-na-producao-de-metade-do-chocolate-consumido-no-mundo/>. Acesso em outubro de 2020.

6) Santos, I. M. Trabalho infantil aumentou nas fazendas de cacau na África Ocidental. Disponível em <https://www.rtp.pt/noticias/mundo/trabalho-infantil-aumentou-nas-fazendas-de-cacau-na-africa-ocidental_n1268655>. Acesso em outubro de 2020.

7) Santos, I. M. Trabalho infantil aumentou nas fazendas de cacau na África Ocidental. Disponível em <https://www.rtp.pt/noticias/mundo/trabalho-infantil-aumentou-nas-fazendas-de-cacau-na-africa-ocidental_n1268655>. Acesso em outubro de 2020.

8) A guerra do cacau: Gana e Costa do Marfim aliados dos trabalhadores do campo contra a exploração de trader e grandes marcas (e a falsa sustentabilidade). Disponível em <http://www.ihu.unisinos.br/593498-a-guerra-do-cacau-gana-e-costa-do-marfim-aliados-dos-trabalhadores-do-campo-contra-a-exploracao-de-trader-e-grandes-marcas-e-a-falsa-sustentabilidade>. Acesso em outubro de 2020.

9) "Mas a guerra africana do chocolate não termina aí. Os dois vizinhos também dirigiram suas atenções às certificações que deveriam garantir a sustentabilidade dos produtos. Até hoje, em vez de depender de empresas externas, muitos produtores, como Mars e Nestlé, preferiam exibir marcas de sustentabilidade faça-você-mesmo, adotando programas voluntários que deveriam valorizar a lucratividade das plantações, garantindo benefícios às comunidades locais. Essas autocertificações são preciosas nos mercados ocidentais, cada vez mais atentos ao meio ambiente e à sustentabilidade dos produtos. Mas, de fato, não melhoraram a situação dos pequenos produtores das favas”. 

(A guerra do cacau: Gana e Costa do Marfim aliados dos trabalhadores do campo contra a exploração de trader e grandes marcas (e a falsa sustentabilidade). Disponível em <http://www.ihu.unisinos.br/593498-a-guerra-do-cacau-gana-e-costa-do-marfim-aliados-dos-trabalhadores-do-campo-contra-a-exploracao-de-trader-e-grandes-marcas-e-a-falsa-sustentabilidade>. Acesso em outubro de 2020).

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