Menina yanomami da comunidade Hutukara. No último dia 10, um adolescente da mesma etnia morreu de coronavírus.FIONA WATSON / SURVIVAL INTERNATIONAL[1]
[1] Foto retirada em 4 de maio
de 2020 de
https://brasil.elpais.com/opiniao/2020-04-19/os-povos-indigenas-isolados-tambem-estao-em-isolamento-voluntario.html.
A pandemia de Covid-19 e os povos da Amazônia
Se os
governos não protegerem os territórios
indígenas e instaurarem o isolamento social, o coronavírus poderá concluir o
genocídio dos povos isolados da Amazônia, que começou há 500
anos[1]
Antonio
Caubi Ribeiro Tupinambá
O mundo lança os olhos sobre a região amazônica
temendo o que possa ocorrer com os povos indígenas em decorrência do aumento de
casos de Covid-19 entre eles. Há indícios que o período de quarentena decretado
pelos governos de estados e municípios da região, em vez de funcionar como um
anteparo, uma proteção e freio das ameaças para a já vulnerável população
original, tenha impulsionado invasões de terras desprotegidas por garimpeiros,
madeireiros ilegais e outros grupos à margem
da lei, o que pode culminar com práticas genocidas sem dimensão contra a população
indígena.
A Coordenação de Organizações Indígenas da Bacia Amazônica (Coica), que reúne representantes
dos autóctones de nove países da América do Sul já fez sua alerta para a
necessidade de proteção máxima dos povos indígenas, dada sua alta
vulnerabilidade em face da pandemia do novo corona vírus (covid-19). Os Estados
que têm parte da região amazônica em seus territórios devem se sentir obrigados
a proteger seus indígenas e evitar o início de um genocídio anunciado, tendo em
vista o comportamento predador de vários grupos locais interessados no domínio
de terras indígenas com proteção ambiental para exploração comercial e para
outros fins escusos.
Gregorio Mirabal[2], afirma
que para a Coica, é indispensável que “os governos da região, que
controlam as Forças Armadas e ministérios da Saúde,
não permitam que pessoas não indígenas
entrem nos territórios onde
os povos indígenas estão em isolamento voluntário,
porque são os mais vulneráveis.” Para Mirabal, que também é coordenador
da organização, “o Estado precisa implementar uma política para não permitir a
entrada nas comunidades onde há acesso por via terrestre ou fluvial, além de impedir o turismo e organizações religiosas que desejam
agir nas comunidades", pois, como registra, raramente há infraestrutura de
atendimento médico próximo dessas comunidades. Continua: “…A
ameaça representada pela Covid-19 ressalta um problema mais amplo, ligado às deficiências das
políticas dos Estados, que permitem a exploração sem controle das terras indígenas
em países como Brasil, Colômbia ou Equador. Sem esquecer o proselitismo
religioso, o tráfico de drogas e a perseguição
de líderes sociais, que tornam qualquer trabalho de prevenção
mais difícil".
Marta Azevedo, demógrafa, indigenista, ex-presidente da Fundação
Nacional do Índio (Funai) explica que “Os indígenas estão entre as populações
com mais risco para a Covid-19 devido à própria vulnerabilidade social e histórica
a que esses povos estão submetidos.[3]” Azevedo complementa
dizendo que “Todos os indicadores demográficos de saúde são piores entre os indígenas.
A taxa de mortalidade materna, mesmo controlando o nível socioeconômico.” Sofia
Mendonça, médica sanitarista, diz, categoricamente: “É preciso interromper o
acesso a essas comunidades, mas mantendo a comunicação e a criação de estratégias
junto com os indígenas.”
Para evitar uma tragédia maior, os governos dos países que
dividem a Amazônia devem se responsabilizar pelos povos e nacionalidades indígenas,
altamente vulneráveis à pandemia. A omissão pode significar cumplicidade nesse
desastre humanitário iminente. Isso já foi devidamente exigido pela Coica em
comunicado publicado em 31 de março de 2020[4]:
"Na mensagem, a entidade aponta uma situação de emergência em todos os países abrangidos pela Amazônia: Brasil, Bolívia, Peru, Equador, Colômbia,
Venezuela, Guiana, Suriname e Guiana Francesa. Os povos originários destes países enfrentam agora um duplo
problema: primeiro, a sua falta de imunidade diante deste novo vírus. O segundo
é menos
midiático, mas evidente para quem o sofre: a intensificação da
atividade ilegal de garimpeiros e madeireiros aproveitando que as atenções estão completamente voltadas
para a pandemia”.
A morte tem cara de anjo, pois organizações religiosas podem
ser tão ou mais perigosas do que exploradores de riquezas materiais em terras
indígenas. Muitos desses grupos "concorrentes" se dedicam à evangelização
de comunidades indígenas e visam à promoção de invasões a territórios intocados
para interferir de modo criminoso no equilíbrio cultural dos povos isolados. Há,
por exemplo, registros de que em 1987, missionários estabeleceram contato com a
etnia isolada dos “zo’é", o que resultou na dizimação de um terço de sua
população através de contágio por doenças como gripe ou malária, o que forçou a
expulsão daquela área, pela Funai, desses ditos missionários em 1991. Esse é um
exemplo apontado por organizações que prezam e trabalham pela integridade dos
povos indígenas do poder letal que tem a
evangelização nessas
comunidades, em especial ao incursionar em terras remotas para alcançar povos
isolados. Há o exemplo da tragédia já relatada que remonta ao ano 1987 e mais
atualmente do massacre a indígenas isolados na Amazônia denunciado no dia 21
de setembro de 2017 por órgãos da ONU e da OEA[5]. Na época
dessas tragédias evidenciou-se, concomitantemente, um aumento da violência
contra esses povos na região. Embora o Ministério Público
tenha aberto uma investigação sobre o primeiro feito macabro, o processo acabou
arquivado sem demonstrar a responsabilidade direta dos missionários[6]. Atualmente, além do
perigo de missões que levam esses malefícios às aldeias há outros: garimpeiros
que se aproveitam do confinamento e intensificam as atividades mineradoras,
madeireiros que derrubam árvores protegidas, para exportação e venda ilegal de
madeira e pecuaristas que provocam expulsões de indígenas de seus habitats com
incêndios criminosos visando a expansão de rebanhos. Há, portanto, além do vírus,
outros atores maléficos a combater: hordas de invasores com interesses de
encurralar e até mesmo dizimar os povos originais para se apossar de sua terra
e riquezas, sendo muitas vezes ajudados, direta ou indiretamente por missionários
mal intencionados, terminando por contribuir para a destruição de culturas
ancestrais, o aumento da poluição e comprometendo eco-sistemas: "Muitos
destes povos indígenas vivem em estruturas comunitárias, com várias famílias em
uma mesma oca e a necessidade vital de sair para pescar e assim garantir sua
alimentação”, diz Claudette Labonté, indígena da etnia palikur[7].
Para que as invasões bárbaras “modernas" não tragam os
mesmos riscos das que historicamente vem destruindo os povos indígenas há séculos,
necessário seria a imediata retirada de todos os invasores da região, sejam
eles missionários, grileiros, garimpeiros, madeireiros etc. pois só assim
poderia se combater, de fato, a vinda de vetores de transmissão da covil-19 em
terras indígenas. Não queiramos que, em pleno século 21 testemunhemos,
impotentes, o aniquilamento dos povos indígenas remanescentes por conta não só de
um vírus, mas principalmente pela omissão de governos e a intromissão de
perversos predadores “brancos”. Se assim prosseguirem, senhores governantes,
essa conta, sim, cairá sobre seus colos!
[1] Retirado em 3 de maio de
2020 de
https://brasil.elpais.com/opiniao/2020-04-19/os-povos-indigenas-isolados-tambem-estao-em-isolamento-voluntario.html.
[2] (Em reportagem de Alejo Schapire e Raphael Morán para a RFI; http://www.rfi.fr/br/américas/20200402-covid-19-pode-provocar-um-novo-genoc%C3%ADdio-na-amazônia-alertam-representantes-ind%C3%ADgenas ).
23 de abril
de 2020 | por Anna Beatriz Anjos e Bruno Fonseca. Consultado em 3 de
maio de 2020 em https://apublica.org/2020/04/ineditomais-de-200-terras-indigenas-na-amazonia-tem-alto-risco-para-covid-19/
[4] Vide:
[5]Consultado em 27 de setembro de 2017 em
https://www.brasil247.com/brasil/orgaos-da-oea-e-onu-denunciam-massacre-de-indios-isolados-no-amazonas.
[6] . Essa informação consta da matéria “A dupla ameaça para a Amazônia”
de Luna Gámez para o Jornal “El País”em 24 de abril de 2020.
[7] Reportagem de Luna Gámez
para o El País:
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