POLIS

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O projeto nasce com foco no comportamento político nas sociedades contemporâneas e nos efeitos dos movimentos sociais e políticos atuais sobre as liberdades e processos emancipatórios, bem como seus impedimentos em escala local, nacional e global. Tem por objetivos o desenvolvimento de um campo interdisciplinar de reflexão e prática investigativa e divulgadora, reunindo debates em torno de questões como: preconceito, racismo, sexismo, xenofobia, movimentos sociais, violência coletiva social, relações de poder, movimentos emancipatórios de povos e nações, valores democráticos e autoritarismos, laicidade, análises de discursos e ideologias, de universos simbólicos e práticas institucionais. Nessa perspectiva, o Polis atua desde sua criação formal em 2013, como projeto de extensão e em 2015 como Blog para divulgação e atualização.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

O voo solitário do guerreiro Aruká

 


Aruká (Foto: Odair Leal/Amazônia Real-2014)



Aruká era um símbolo de resistência a todo esse massacre — por arma de fogo, mas também por doenças que são levadas pelo não indígena para dentro das aldeias, que é uma forma de genocídio e etnocídio cultural

(Ivaneide Bandeira, indigenista)



Os Juma são parte dos povos da família linguística Tupi-Guarani denominados Kagwahiva. Já somaram mais de 15 mil no século XVIII  mas após sucessivos massacres e a expansão das frentes invasoras extrativistas foram reduzidos a poucas dezenas na década de 1960. Em 2002 sobreviveram apenas cinco índios Juma aos sucessivos massacres e ao descaso governamental. Em uma aldeia a mais de mil quilômetros de Manaus vivia o último sobrevivente da etnia Juma, povo da família linguística Tupi-Guarani, que sofreu, nos anos 1960, vários massacres em resposta à heróica defesa de seus territórios das constantes invasões de seringalistas e exploradores de castanha. Com ele, o pequeno grupo de sua etnia chegou ao Século XXI, vulnerável e desassistido. Os Juma formavam uma etnia numerosa que foi atacada também por garimpeiros em busca de ouro e diamantes provocando sua dispersão territorial. Após sucessivos massacres perpetrados pelos invasores, somados ao descaso governamental, uma população de milhares de Juma se viu reduzida a apenas 100. A situação piorou no período da Ditadura Militar, quando ocorreu o maior massacre aos Juma, que levou à efetiva extinção da etnia. Seringalistas e comerciantes/extrativistas de castanha invadiram suas terras e assassinaram mais de 60 dos remanescentes Juma: “Crianças, mulheres e homens foram mortos a tiros na defesa dos territórios”.(1) O líder indígena Aruká, naquela altura com cerca de 15 anos, sobreviveu a esse massacre a seu povo mas hoje, nos seus 80 anos não conseguiu venceu a batalha contra a Covid-19. Com insuficiência respiratória, morreu em um hospital de Rondônia em consequência do vírus que também vem causando perdas irreparáveis a outros indígenas de diferentes etnias, principalmente na região amazônica. Mortes causadas também pelo descaso dos governos em seus diferentes níveis, mas principalmente no nível federal, que tem se mostrado inepto para tomar as medidas necessárias à proteção dos povos indígenas da pandemia e suas consequências. Aruká recebeu o tratamento “placebo" preventivo em um hospital do Amazonas, com o emprego de medicamentos anti-covid defendidos pelo presidente Bolsonaro e seu Ministro da Saúde: 

Na terça-feira (16), a agência Amazônia Real recebeu informações de uma profissional da Casai Humaitá, pelo Whatsapp, descrevendo que o guerreiro Aruká Juma recebeu medicamentos não indicados para o tratamento de Covid-19 no Hospital Sentinela, de Humaitá. Segundo a profissional, na lista de medicamentos prescritos no tratamento constavam azitromicina, ivermectina, nitazoxanida e sulfato de zinco. "Esse remédios fazem parte do coquetel do 'tratamento precoce promovido pelo governo do presidente Jair Bolsonaro e que não são reconhecidos para paciente de Covid-19 pela OMS, pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI). Procurado pela reportagem, o assessor do Conselho Distrital Indígena (Condisi), do Ministério da Saúde, Aurélio Tenharim, disse que quando esteve doente de Covid-19 foi medicado com o “tratamento precoce”, confirmando a administração dos remédios sem eficácia, inclusive no ancião Juma. “O mesmo medicamento que eu tomei, ele [Aruká Juma] tomou também. O médico prescreve aquilo lá [tratamento precoce]”, afirmou Aurélio. As filhas de Aruká Juma, Borehá, Maitá e Mandeí afirmam que não foram informadas sobre o tratamento com medicamento não eficaz para a Covid-19 na assistência ao pai pelo Hospital Sentinela. (2)


Trata-se de povos indígenas de contato recente que já se encontram em extremo risco de contrair doenças, o que se agravou com a pandemia de Covid-19. As Organizações Indígenas(3) já haviam denunciado a ausência de políticas para a proteção dos povos indígenas e em dura nota aberta expuseram sua posição face à morte de Aruká: 


É desoladora a morte por complicações de Covid-19 do último homem do povo Juma, o guerreiro Amoim Aruká. O povo Juma sofreu inúmeros massacres ao longo de sua história. De 15 mil pessoas no início do século XX, foi reduzido a cinco pessoas em 2002. Um genocídio comprovado, mas nunca punido, que levou seu povo quase ao completo extermínio. O último massacre ocorreu em 1964 no rio Assuã, na bacia do rio Purus, perpetrado por comerciantes de Tapauá interessados pela sorva e castanha existente no território Juma. No massacre foram assassinadas mais de 60 pessoas, apenas sete sobreviveram. Integrantes do grupo de extermínio contratados pelos comerciantes relataram atirar nos Juma como se atirassem em macacos. Os corpos indígenas foram vistos por ribeirinhos da região, após o massacre, servindo de comida para porcos do mato, inúmeras cabeças decapitadas espalhadas pelo chão da floresta. O mandante do crime, ciente do ocorrido, se vangloriou por ter sido o responsável de livrar “Tapauá dessas bestas ferozes”. Essa história jamais deve ser esquecida. Aruká, um dos sobreviventes, continuou sua luta de resistência, vendo seu povo beirar o desaparecimento. Lutou pela demarcação do território Juma, que foi homologado apenas em 2004, a Terra Indígena (TI) Juma. Os sobreviventes Juma, apesar do risco de desaparecimento, viram seu povo crescer novamente na década de 2000, por meio de casamentos com indígenas Uru Eu Wau Wau, povo indígena também de língua Tupi-Kagwahiva. Por estarem sujeitos a uma imensa vulnerabilidade e risco de desaparecimento, o povo Juma é considerado de recente contato e consta entre os povos a serem protegidos por Barreiras Sanitárias, cuja instalação foi determinada pelo Supremo Tribunal Federal a pedido dos povos indígenas, de representantes da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), por meio da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n° 709 (ADPF 709). O pedido foi feito em julho de 2020 e o Ministro Luís Roberto Barroso deferiu. Porém, diante das dificuldades alegadas pelo Governo Bolsonaro, o ministro deu o prazo de até setembro de 2020 para que as Barreiras na TI Juma fossem instaladas. Em agosto de 2020 o Governo Bolsonaro disse que iria fazer a Barreira no rio Assuã, na REBIO Tufari, fora da TI Juma, seria uma Barreira Sanitária composta pela Polícia Militar e DSEI-Humaitá. No entanto, em dezembro do mesmo ano, afirmou que faria apenas um posto de controle de acesso na BR 230 - Rodovia Transamazônica, mas não comprovou o seu efetivo funcionamento. Se o posto de acesso funcionou ou não, como vinha representantes da COIAB e APIB cobrando há meses nas Salas de Situação com o Governo Bolsonaro, já não importa mais para Aruká. O que se sabe, comprovadamente, é que ele agora está morto. É tristemente com seus mortos que os povos indígenas comprovam seus apelos. A COIAB e APIB avisaram que os povos indígenas de recente contato estavam em extremo risco. O último homem sobrevivente do povo Juma está morto. Novamente, o governo brasileiro se mostrou criminosamente omisso e incompetente. O governo assassinou Aruká. Assim como assassinou seus antepassados, é uma perda indígena devastadora e irreparável. 


Os últimos descendentes do guerreiro se casaram com indígenas da etnia  uru-eu-wau-wau. Isso significa que os descendentes de Aruká carregam no sangue as duas etnias e, segundo o sistema patrilinear, são Uru-eu-wau-wau, e não Juma. "É por isso que Aruká era considerado o último guerreiro de seu povo”.(4)



Antonio Caubi Ribeiro Tupinambá

Fortaleza, 18 de fevereiro de 2021.


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1) Brasil, K. Índios Juma, uma história de abandono e sobrevivência na Amazônia. Disponível em: <https://amazoniareal.com.br/indios-juma-uma-historia-de-abandono-e-sobrevivencia-na-amazonia/>. Acesso em 18 fev. 2021.

2) Kaxinawá, L. Morre de covid-19 o guerreiro Aruká, o último homem do povo Juma. Disponível em: <https://www.brasildefato.com.br/2021/02/18/morre-de-covid-19-o-guerreiro-aruka-o-ultimo-homem-do-povo-juma.>. Acesso em 18 fev. 2021.

3)A devastadora e irreparável morte de Aruká Juma. https://coiab.org.br/conteudo/a-devastadora-e-irreparável-morte-de-aruká-juma>. Acesso em 18 fev. 2021.

4) Gragnani, J. 'Governo não cuidou, e agora temos que manter legado', diz neto de último indígena Juma morto por covid-19. Disponível em: https://www.bol.uol.com.br/noticias/2021/02/21/governo-nao-cuidou-e-agora-temos-que-manter-legado-diz-neto-de-ultimo-indigena-juma-morto-por-covid-19.htm. Acesso em 18 fev. 2021.


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