POLIS

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O projeto nasce com foco no comportamento político nas sociedades contemporâneas e nos efeitos dos movimentos sociais e políticos atuais sobre as liberdades e processos emancipatórios, bem como seus impedimentos em escala local, nacional e global. Tem por objetivos o desenvolvimento de um campo interdisciplinar de reflexão e prática investigativa e divulgadora, reunindo debates em torno de questões como: preconceito, racismo, sexismo, xenofobia, movimentos sociais, violência coletiva social, relações de poder, movimentos emancipatórios de povos e nações, valores democráticos e autoritarismos, laicidade, análises de discursos e ideologias, de universos simbólicos e práticas institucionais. Nessa perspectiva, o Polis atua desde sua criação formal em 2013, como projeto de extensão e em 2015 como Blog para divulgação e atualização.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

"Bharat bandh": A maior greve geral do mundo para a Índia!




                                            Foto: Site Uol - Manifestantes em greve na índia


Em novembro de 2020 ocorreu na Índia o que pode ser considerado um dos maiores protestos da história da humanidade, quando milhares de trabalhadores da terra marcharam até a capital para protestar contra a proposta de nova legislação do governo central. Mais de 250 milhões de pessoas em todo o subcontinente participaram de uma greve geral que uniu diferentes categorias de trabalhadores e estudantes por cerca de 24 horas. O movimento popular de massa que teve repercussão em todo o mundo obrigou o governo a ouvir dos representantes dos manifestantes o que reivindicavam, em vez do procedimento habitual de reprimi-los e hostiliza-los.

Em pleno ano pandêmico, a greve planejada por três meses culminou com adesão quase total dos trabalhadores e com a paralisação e fechamento de cerca de 15 cidades, com participação massiva em todo o país. Bancos, transportes, comércio, serviços públicos, construção e indústria em muitas partes do país fecharam suas portas. Os trabalhadores bloquearam rodovias e trilhos de trem, com seus corpos, fizeram barricadas e queimaram pneus. Carros de polícia e prédios do governo foram atacados em alguns lugares. (Martha Grevatt)1. Os primeiros protestos ocorreram após se tomar conhecimento da mudança na legislação mesmo antes de ser aprovada. A revolta se consolidou quando houve a aprovação da controversa legislação pelo parlamento, levando à  convocação de um “Bharat bandh”, que em hindi significa o chamamento para uma greve geral e quer dizer, literalmente, “Fechar a Índia”. Dos estados de Punjab, Haryana e outras localidades os protestos foram levados à capital Nova Delhi.

A fúria dos trabalhadores do campo começou a ser acirrada pelo Primeiro-Ministro, Narendra Modi bem como por conta do seu programa de 12 pontos, considerado abertamente anti-trabalhador. Outras reivindicações foram incluídas na agenda grevista e tratavam de problemas que atingiam a população em geral e não apenas os agricultores como as altas taxas de desemprego, inflação, baixos salários e pensões em um país em que dois terços da população vivem com menos de US $ 2 por dia; cerca da metade desses são considerados “extremamente pobres”, sobrevivendo com US $ 1,25 por dia ou menos. (Martha Grevatt)2. Os grevistas apoiam também outras causas, como por exemplo aquelas que dizem respeito à nomeada Lei de Cidadania, com a qual o Primeiro-Ministro quer que seja negada a cidadania a muçulmanos.

Mais da metade da força de trabalho do país está ligada a atividades na agricultura, que na Índia ainda mantém suas tradições e é também a maior fonte de sustento da população. Isso ocorre por meio de pequenas fazendas locais. Os mesmos agricultores que alimentam a grande nação se encontram em situação precária, uma herança da colonização britânica predatória, da atual política governamental burocrática e opressora somadas à exploração desses agricultores pelos proprietários de terra, além dos efeitos visíveis das mudanças climáticas. A Índia é o terceiro maior emissor mundial de gases de efeito estufa e sofre as consequências, principalmente na agricultura, desse título. A pandemia se somou a essa vasta lista de problemas precipitando a população do campo para o abismo das dívidas e perdas que os incapacitam e os empobrecem cada vez mais.

O governo de Modi e suas medidas de “apoio" aos agricultores e fazendeiros vendidas como uma contribuição para o avanço e a desburocratização para o setor eram na verdade um "presente de Odisseu". Foram, portanto, rejeitadas porque de fato aumentariam em momento posterior a situação de penúria em que vivem. A aparente oferta de uma saída que permitiria vender os produtos do campo diretamente e para mais compradores tiraria o pouco apoio que ainda lhes é concedido e abriria uma porta para que fossem explorados por grandes empresas e corporações do agronegócio. Com essas proteções sendo descartadas, incluindo a garantia de mercados com base no governo e em estruturas que estabeleçam preços mínimos para os produtos, pouco restaria para impedir as grandes empresas agrícolas da Índia de terem o controle do mercado, tornando-os completamente submissos e dependentes. (Nitish Pahwa)3.

A massa de pobres de um lado e, do outro, os enormes lucros das empresas, especialmente as multinacionais estadunidenses por meio da exploração sem precedentes de uma mão de obra quase escravizada é o quadro atual da economia indiana. Os Estados Unidos são o quarto maior investidor na Índia. Não por menos a proximidade que sempre teve o bilionário presidente Trump dos EUA com Modi, que sempre elogiou abertamente a política do correligionário norte-americano e seu discurso de querer fazer uma América “grande novamente” independente do que isso significasse de mal para o mundo. Em resposta a seus elogios e alinhamento, Trump cultivou um discurso anti-muçulmano e enalteceu o trabalho de Modi. "Uma coisa deve ficar clara para os trabalhadores e oprimidos aqui no ventre da besta: na Índia, como aqui, há uma batalha entre duas forças de classe antagônicas. Nossa luta é ao lado dos 250 milhões de trabalhadores, camponeses e estudantes que fecharam seu país em 8 de janeiro.”(Martha Grevatt)4. 

250 milhões de pessoas protestando e em greve é um número gigante que não pode ser ignorado, nem mesmo na superpovoada Índia. A sua mega dimensão pode ser medida ao se comparar com protestos que tiveram repercussão mundial e reuniram grandes contingentes em diferentes países, a exemplo da manifestação contra o presidente americano George W. Bush de invadir o Iraque em 2003 que reuniu de 10 a 15 milhões de pessoas em mais de 600 cidades em todo o mundo e dos protestos gerados pela brutalidade policial contra os negros nos EUA que tiveram a participação de até 26 milhões de pessoas somente naquele país, culminando com o movimento contra a discriminação “Black Lives Matter - Vidas Negras Importam”. (Nitish Pahwa)5.

O movimento grevista na Índia continua e resiste aos ataques do governo. Em 3 de fevereiro, os agricultores prometeram fortalecer o protesto, se necessário, até conseguir derrubar o atual governo, caso as leis agrícolas não sejam revogadas, mesmo já tendo sido, temporariamente, suspensa a sua implementação. Apesar de ser um governo chefiado por um Primeiro-Ministro que vem se provando cada vez mais truculento, sem se utilizar de diplomacia ou demonstrar qualquer respeito com os movimentos populares, ao contrário do que se espera para aquela que é considerada a maior democracia do mundo, não significa que o povo indiano abra facilmente mão de suas lutas em defesa do pouco que lhes resta em soberania agrária e direitos trabalhistas. 


Antonio Caubi Ribeiro Tupinambá

Fortaleza, 10 de fevereiro de 2021.


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1) Disponível em: <https://www.workers.org/2020/01/45470/>. Acesso em fevereiro de 2021.

2) idem

3) Disponível em: < https://slate.com/news-and-politics/2020/12/india-farmer-protests-modi.html>. Acesso em fevereiro de 2021.

4) Disponível em: <https://www.workers.org/2020/01/45470/>. Acesso em fevereiro de 2021.

5) Disponível em: < https://slate.com/news-and-politics/2020/12/india-farmer-protests-modi.html>. Acesso em fevereiro de 2021.

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