POLIS

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O projeto nasce com foco no comportamento político nas sociedades contemporâneas e nos efeitos dos movimentos sociais e políticos atuais sobre as liberdades e processos emancipatórios, bem como seus impedimentos em escala local, nacional e global. Tem por objetivos o desenvolvimento de um campo interdisciplinar de reflexão e prática investigativa e divulgadora, reunindo debates em torno de questões como: preconceito, racismo, sexismo, xenofobia, movimentos sociais, violência coletiva social, relações de poder, movimentos emancipatórios de povos e nações, valores democráticos e autoritarismos, laicidade, análises de discursos e ideologias, de universos simbólicos e práticas institucionais. Nessa perspectiva, o Polis atua desde sua criação formal em 2013, como projeto de extensão e em 2015 como Blog para divulgação e atualização.

segunda-feira, 9 de novembro de 2020

A revolta de São Tomé contra o mal universal

 

                                 Cena de protestos da população são-tomense em frente à sede da IURD em São tomé. (foto Telanon).





A empresa/igreja do bispo Macedo enfrentou em 2019 a ira do povo de São Tomé e Príncipe, onde mantém seus negócios e segue sua atuação de empresa de manipulação da fé no país insular, como já o faz em outras pátrias africanas. Seus templos em São Tomé têm testemunhado vários protestos da população indignada com os métodos e ações medievais da empresa/igreja ultimamente revelados. A Constituição da pequena democracia à costa do continente africano assegura a liberdade religiosa, podendo seus cidadãos exercer esse direito abertamente e sem problemas. É o catolicismo uma herança da colonização portuguesa, sendo essa religião majoritária no país, entretanto crenças tradicionais e o sincretismo resistem na cultura de São Tomé e Príncipe. A pequena nação, com apenas 200 mil habitantes, é formada por duas ilhas principais situadas no Golfo da Guiné a uma distância de cerca de 300 quilômetros da costa ocidental africana continental. São Tomé e Príncipe é uma ex-colônia de Portugal, que além de suas duas ilhas principais tem vários outros ilhéus menores que compõem o seu território. É, portanto, o segundo menor país africano em território e o menor país de língua portuguesa. Apesar da língua oficial ser o português, dialetos crioulos como forro, angolar e principense são amplamente utilizados por seu povo; outro forte indício de resistência ao tempo de dominação colonial. Nos últimos tempos o país viu sua relativa tranquilidade ser abalada quando um pastor da Igreja Universal delatou, via redes sociais, as artimanhas criminosas de seus colegas de culto que se caracterizariam, segundo ele, como atitudes racistas, escravagistas, de apropriação de dinheiro oriundo de dízimos.... Discriminação de clérigos africanos, impedimento de casamentos ou obrigação de se submeter a vasectomia para que não tivessem filhos e dessa forma pudessem se dedicar totalmente ao empreendimento de uma suposta "teologia da prosperidade" são mencionados pelo pastor; naquela altura vivendo  na Costa do Marfim. Segundo a fala do pastor dissidente os bispos e pastores brasileiros da Universal se apropriariam de dízimos recebidos pela empresa religiosa, além de praticar atos humilhantes, insultos, e até mesmo “escravizar os pastores africanos”.  Denunciado por calúnias o pastor são-tomense foi preso, seria o estopim para que manifestantes saíssem às ruas de São Tomé exigindo sua soltura e retorno ao país natal. 


O sentido empresarial da igreja tem sido a razão do seu grande êxito na África. Atua como um “Balcão de orientação empreendedora e de negócios" ultraconservador, que visa a convencer a população a fazer parte da empresa/igreja para que possam prosperar na vida e ser "melhor que aquele seu vizinho sem fé", o que em contrapartida retornará a favor da empresa/igreja e fará o negócio da fé também prosperar. A devoção é então capturada por esse modelo pragmático de negócios, que pode ser uma perigosa somatória de estratégias administrativo-econômicas semelhantes àquelas desenvolvidas em instituições de apoio ao empreendedorismo, sendo, neste caso, ardilosamente dissolvidas no caldo de uma religião. Semelhante ao que Camila Sampaio, professora da Universidade Federal do Maranhão, denomina “pedagogia do empreendedorismo”, como estratégia de êxito da empresa/igreja em países africanos.

 

 

Autora de vários artigos sobre a presença internacional da Iurd, a cientista social Camila Sampaio, professora da Universidade Federal do Maranhão, diz que a igreja teve êxito em países africanos ao pregar uma "pedagogia do empreendedorismo".

Nessas nações, diz ela, muitas famílias egressas do meio rural encontraram na Iurd ensinamentos práticos sobre como se portar no "novo universo urbano".

"A igreja diz 'vou te ensinar como ser uma mulher moderna, trabalhar fora e cuidar do marido', ou 'vou fazer você prosperar, vou te ensinar a abrir um negócio e ser melhor que o do vizinho'. As pessoas se sentem contempladas nesse discurso", afirma.

Sampaio afirma que a igreja também soube se articular com figuras importantes dos países onde atua. Em Angola, por exemplo, a igreja tem entre seus fiéis altos dirigentes do MPLA, partido que governa o país desde 1975.

Segundo a professora, a expansão da Universal pela África atende a dois objetivos da igreja: ampliar o número de fiéis e ocupar um espaço simbolicamente importante para os seguidores brasileiros.

"Eles se orgulham de dizer que estão em vários países africanos, e os fiéis brasileiros gostam de ver a igreja fazendo obra na 'terra da feitiçaria,'" diz Sampaio.(1)

 

A Universal já foi suspensa em outros  países onde também atua. Portanto, não é a primeira vez que a empresa/igreja Iurd se vê envolvida em problemas na África.  Em 2005, foi acusada de “prática de satanismo” na Zâmbia e chegou a ter atividades banidas, o que depois seria revertida.  Um ano antes, um pastor foi condenado em um tribunal de Madagascar sob acusação de “queimar bíblias” e outros objetos religiosos durante um culto em que o tema da pregação era a “idolatria”. Em 2013, a igreja foi temporariamente suspensa em Angola após 16 pessoas morrerem pisoteadas num culto superlotado da igreja, propagandeado com “venha dar um fim a todos os problemas que estão na sua vida; doença, miséria, desemprego, feitiçaria, inveja, problemas na família, separação, dívidas etc. Traga toda a sua família”.(2)

Muito grave em todo esse imbroglio é a ida de um parlamentar brasileiro em viagem oficial defender os interesses da empresa/igreja universal em São Tomé. Questiona-se quem pagou as despesas para o bispo da Universal e deputado federal Márcio Marinho (Republicanos-BA) viajar a São Tomé para se reunir com autoridades locais e tratar assuntos de interesse da empresa/igreja Universal?!! Em consequência dessa revolta da população contra a igreja/empresa, o Parlamento de São Tomé e Príncipe passou a discutir a expulsão da Universal no país.(3) Talvez seja essa uma fresta de luz neste túnel e em busca de uma resposta da nação para que se impeça o alastramento tentacular desse  empreendimento que se nutre da manipulação e dos usos simbólicos da religião para o aprovisionamento cada vez maior de seus cofres,  também no além-mar.

 


Fortaleza, 9 de novembro de 2020.


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1)Revolta contra Igreja Universal gera morte e crise diplomática em país africano. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/brasil-50270551>. Acesso em 2019.

2)Agressões racistas causam revolta popular contra igreja Universal em São Tomé e Príncipe. Disponível em: <https://horadopovo.com.br/agressoes-racistas-causam-revolta-popular-contra-igreja-universal-em-sao-tome-e-principe/>. Acesso em 2019.

3)Revolta contra Igreja Universal gera morte e crise diplomática em país africano. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/brasil-50270551>. Acesso em 2019.



Um comentário:

  1. Texto, do ponto de vista investigativo, lúcido e esclarecedor de abusos nas relações de poder.

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