Na África, a última monarquia absolutista se chama Reino de eSwatini. No pequeno Estado que se localiza na fronteira entre Moçambique e África do Sul e que até há poucos anos tinha o nome de Suazilândia raramente se viam protestos nas dimensões dos que ocorrem atualmente. Em eSwatini não são permitidos partidos políticos, "a dissidência política e o ativismo cívico e trabalhista estão sujeitos a punições severas sob a lei de sedição e outras. Mais problemas relacionados aos direitos humanos incluem impunidade para as forças de segurança e discriminação contra mulheres e pessoas LGBT +".(1)
Todo esse cerco não evitou a organização de protestos nas últimas semanas que têm se tornado cada vez mais violentos, principalmente nos dois principais centros urbanos do país, Mbabane (a capital) e Manzini (a maior cidade), com cerca de 76 mil e 110 mil habitantes, respectivamente. Em consequência dos protestos, as duas cidades se encontram sob controle militar e com acesso restrito à internet.
Nessa última monarquia absoluta da África também reina a intolerância. As manifestações que iniciaram em maio após a morte de um estudante de direito de 25 anos por membros da força de segurança nacional sinalizam um futuro sombrio para os cerca de 1,3 milhão de habitantes de um reinado coroado de corrupção e desmandos patrocinados pela corte. A enorme família real de Mswati (15 esposas, 23 filhos e cerca de 200 irmãos) enriquece às custas da corrupção e dos “métodos inescrupulosos da monarquia”. No poder desde 1986, Mswati não consegue evitar as críticas que vêm de todos os lados por conta do seu punho de ferro e por seu estilo de vida luxuoso num país em que dois terços da população vivem abaixo do limiar de pobreza. Um pedido reforçado pela ONU para promover e proteger os direitos humanos, "incluindo a garantia do direito às liberdades de expressão, reunião e associação pacíficas e participação na condução dos assuntos públicos”(2) soa para o déspota como algo inaceitável. Os confrontos que se alastram pelo reino já causaram várias mortes e dezenas de feridos, segundo relatos de ativistas pró-democracia. "Oito manifestantes foram mortos a tiro em Manzini, a cerca de 40 quilómetros da capital, Mbabane, disse o porta-voz da Rede de Solidariedade da Suazilânia, Lukcy Lukhele, citado pela agência France-Presse, acrescentando que 28 manifestantes foram atingidos por tiros".(3)
O monarca não quer ver seu poder absoluto sendo questionado. Para mante-lo, se utiliza de força desproporcional, com a liberação de soldados e policiais armados atacando civis desarmados; lança mão de toda sorte de assédio e intimidação por meio das forças de segurança, garantindo a repressão a protestos que reivindicam mudanças no reino e no Estado. A meta da realeza é manter privilégios a qualquer custo: enquanto seus súditos amargam salários de fome "'o monarca aproveita a receita do Estado como se fosse seus benefícios pessoais' como explica Mario Masuku, presidente do Movimento Democrático do Povo Unido (Pudemo), que, como todos os partidos políticos do país, está proibido desde 1973”.(4) Criar as condições necessárias para dificultar a vida dos manifestantes e da população e manter o status quo estão como principais pautas da agenda do rei e seus asseclas.
Uma das últimas monarquias absolutistas no mundo e a última na África, eSwatini enfrenta essa acentuada disparidade de riqueza entre autoridades do governo (incluindo o rei Mswati III) e o povo.
Cinquenta anos atrás, em 6 de setembro de 1968, o ex-protetorado britânico da Suazilândia conquistou sua independência. As comemorações foram antecipadas para 19 de abril, aniversário de 50 anos de Mwsati. Estima-se que 8,8 milhões de dólares foram gastos no festival (o produto interno bruto de 2016 foi de 3,3 bilhões de dólares). Taiwan fez uma doação de US $ 1,3 milhão (a Suazilândia é o último país africano a ter relações diplomáticas com a nação insular). O grande restante vem dos fundos públicos e dos fundos de pensão dos súditos.(5)
Os gastos astronômicos com o Jubileu de Ouro só expôs as diferenças que existem entre a exploração do nacionalismo e da cultura local, motivo de orgulho da população e sua grande frustração com um governo que oprime e rouba as chances de futuro de uma população majoritariamente jovem.
"Há um imenso orgulho da cultura suazi e as pessoas pareciam ansiosas em compartilhá-lo [no Jubileu de Ouro]" […] "Mas elas também estavam ávidas para compartilhar sua fúria com um governo que prioriza gastos e enriquecimento pessoal em detrimento da prosperidade do país". O país proíbe a criação de partidos políticos de oposição, e os cidadãos podem ser punidos por criticar o governo ou o rei.(6)
Enquanto a família real ostenta e uma porção de empresários se beneficia de mão-de-obra barata e facilidades econômicas para os negócios no país, o escasso acesso a empregos formais e a falta de oportunidades econômicas empurram a população para uma pobreza da qual dificilmente sairá. Trabalho forçado, inclusive de crianças é parte do dia a dia do reino, sem descartar a sua vasta presença em atividades diversas nas comunidades ou nos campos que pertencem à realeza.
“Ele tira o dinheiro do povo. Ao mesmo tempo, as nossas ruas estão em ruínas, as crianças não vão à escola, os aposentados recebem uns poucos 35 euros cada três meses - quem pode viver com isso? Precisamos de hospitais. Nossas clínicas não possuem nenhum medicamento. Se você for lá, você não pega nenhum remédio. Mas o rei quer construir um novo prédio do parlamento. Não precisamos de edifícios grandiosos - precisamos de infraestrutura para as pessoas,” afirma Meluleki Simelane, um comerciante local.(7)
Espera-se que a descontrolada violência de Estado, que arranca das ruas e de suas casas principalmente pessoas jovens, levando-as muitas vezes à morte ou a prisões arbitrárias, receba o repúdio internacional, e seja combatida também pelo governo sul-africano, maior parceiro comercial de eSwatini, que também desempenha grande poder político e econômico no país com o qual divide amplas fronteiras. É urgente o apoio a projetos como a "Rede de Solidariedade na Suazilândia” comandada por Lucky Lukhele, que faz campanha pela democracia e corajosamente age no país avesso a organizações políticas, inimigo dos direitos humanos e que se encontra há tempos sitiado pela arrogância de uma família real predadora. Somente com essas várias frentes de ação nacional e internacional pode-se evitar que uma solução para a crise de governabilidade não seja artificial e brutalmente alcançada com métodos autocráticos; pela mão de ferro da realeza e do governo corruptos.
Tanzen für den König. (Foto: Siphiwe Sibeko/ap)
Antonio C. R. Tupinambá
Fortaleza, 7 de julho de 2021.
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(1) Freedom in the world 2020. Eswatini. Disponível em: <https://freedomhouse.org/country/eswatini/freedom-world/2020>. Acesso em: 7 jul. 2021.
(2) Violência em Eswatini é “profundamente preocupante”, diz escritório da ONU. Disponível em: <https://news.un.org/pt/story/2021/07/1755772>. Acesso em 7 jul. 2021.
(3) Protestos no Reino de eSwatini deixam vários mortos e feridos, dizem ativistas. Disponível em: <https://www.dw.com/pt-002/protestos-no-reino-de-eswatini-deixam-v%C3%A1rios-mortos-e-feridos-dizem-ativistas/a-58112936>. Acesso em: 7 jul. 2021.
(4) Vicky, A. Absolutismus in Swasiland Mswati III. feiert, seine Untertanen leiden. Disponível em: <https://monde-diplomatique.de/artikel/!5521720>. Acesso em: 7 jul. 2021.
(5) idem.
(6) Galloway, L. O país que ganhou um novo (porém antigo) nome. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/vert-tra-47273303>. Acesso em: 7 jul. 2021.
(7) Genth, J. Wut auf Eswatinis König wächst. Disponível em: <https://www.tagesschau.de/ausland/proteste-eswatini-101.html>. Acesso em: 7 jul. 2021.
O descaso com a população no Reino de eSwatini é semelhante ao que nosso país vem sofrendo com o governo genocida e sua necropolítica. A diferença é que a força da democracia no nosso país que prevalece, por meio das manifestações e o grito contra esse desgoverno absurdo.
ResponderExcluirO descaso com a população no Reino de eSwatini é semelhante ao que nosso país vem sofrendo com o governo genocida e sua política de morte. A diferença é que a força da democracia no nosso país que prevalece, por meio das manifestações e o grito contra esse desgoverno absurdo.
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