Na verdade, o mapa político do mundo é uma ficção. Ele nunca foi organizado, e continua não sendo.
Fiona McConnel
Em 1999, a Assembleia Geral da ONU aprovou uma resolução criando a Semana de Solidariedade com os Povos dos Territórios Não-Autônomos. Em maio de 2021 a Semana de Solidariedade buscou, dentre outras coisas, destacar “‘a necessidade de erradicação do colonialismo, bem como discriminação racial e violações básicas de direitos humanos’".(1)
Lembrar desse povo que ainda não conquistou seu autogoverno e cujos territórios continuam fora dos mapas que conhecemos e são estudados nas escolas é essencial para viabilizar sua autodeterminação ou protege-los de eventuais desmandos colonialistas.
A ONU define como não-antônimo aquele território “cujo povo ainda não atingiu uma medida completa de autogoverno”. Geralmente esses Territórios Não-Autônomos (Non-Self-Governing Territories - NSGT) são administrados por outros países com assento na ONU que, portanto, deveriam reconhecer os interesses dos seus habitantes e ter por obrigação promover o bem-estar de toda a população que faz parte desses territórios. "A Declaração insta os poderes responsáveis a tomar medidas para salvaguardar e garantir os direitos inalienáveis dos povos desses territórios a seus recursos naturais e manter o controle sobre o desenvolvimento futuro desses recursos".(2)
Para que se possa considerar um país, uma região precisa ter um território definido, ser habitado com algum grau de permanência, ter instituições políticas e governo próprio, ter a independência reconhecida por outros Estados soberanos e interagir diplomaticamente com outros países”.(3)
Até 2002, 54 territórios alcançaram a independência ou governo próprio. Em 2021 ainda se conta um total de 17 NSGT. Há, contudo, outros territórios/países que não estão submetidos a um governo externo e tampouco possuem assento em órgãos internacionais como a ONU. Esses países que existem de fato mas não são reconhecidos por outros, quase nunca ocupam a agenda de discussões na cena internacional. Os denominados "países que não existem”, têm menores chances de reconhecimento internacional de sua existência e autonomia, se encontram em vários continentes dentro das próprias fronteiras de países dos quais se originaram e buscam sua independência. "Em comum, eles têm o fato de terem sido formados após conflitos e crises políticas — e, apesar disso, são autônomos e relativamente estáveis”.(4) Países com governos que permitem seu funcionamento normal, inclusive com suas próprias instituições, forte identidade nacional e com aspiração de terem sua independência reconhecida. "[…] A ausência de reconhecimento oficial desses lugares é comumente compensada por uma rica produção de símbolos de Estado”.(5)
Diferentemente dos territórios não-autônomos esses países não são oficialmente dependentes de outros governos nacionais mas não preenchem todos os critérios que são exigidos para que uma determinada região seja considerada um país de fato e de direito. Ainda que tenham pouco ou nenhum apoio externo, eles declararam sua independência e conseguem funcionar como outros países que conhecemos e se encontram na lista da ONU; tudo isso apesar de continuarem sem reconhecimento da sua soberania. Às vezes esse reconhecimento se dá de forma muito limitada, por exemplo, por países que têm interesse político e estratégico na região e se tornam espécies de protetores ou pelos pares que como eles não têm reconhecimento na comunidade internacional. Levando-se em conta o princípio de autodeterminação "que confere aos povos o direito de autogoverno e de decidirem livremente a sua situação política, bem como aos Estados o direito de defender a sua existência e condição de independente”(6) os países que não existem e os Territórios Não-Autônomos têm o direito de lutar por sua emancipação política e autonomia, se essa for a vontade de seu povo.
Como trouxemos no texto de Fiona McConnel em epígrafe, "o mapa político do mundo é uma ficção,” e seu desenho é feito não apenas respeitando princípios de convivência e autodeterminação estabelecidos e reconhecidos por órgãos internacionais. Fosse esse o fundamento das decisões sobre a emancipação de povos e países, já seriam inerentes a essas populações de Territórios Não-Autônomos e países que não existem oficialmente as condições de emancipação e, consequentemente, a aceitação da vontade de seu povo por autonomia. O princípio nomeado que foi utilizado pela ONU no processo de descolonização e reconhecido como norma de Direito Internacional poderia ser estendido a muitas causas de lutas por independência e autonomia nos dias atuais. "Até a Declaração de 1970, prevalecia o entendimento de que a autodeterminação era exclusiva dos povos colonizados e aos que sofreram querelas na II Guerra Mundial, aceitando parte dos juristas, com a referida Declaração, a sua aplicabilidade a todos os povos".(7) Sabe-se que, apesar do significado que o principio de autodeterminação possa ter para justificar os pleitos de diferentes povos por autonomia, o que mais tem contado é a vontade política, o poder de nações protagonistas no cenário internacional e seus interesses para se decidir sobre o formato que devem tomar as fronteiras internacionais.
Antonio C. R. Tupinambá
Fortaleza, 6 de julho de 2021.
_____________________________
(1) ONU marca Semana de Solidariedade com Territórios Não-Autônomos. Disponível em: <https://news.un.org/pt/story/2021/05/1751612>. Acesso em: jul. 2021.
(2) idem.
(3) Costa, C. Quantos países existem – e por que é tão difícil responder a essa pergunta?. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/internacional-48207606>. Acesso em jul. 2021.
(4) A estranha normalidade da vida em um país que não existe oficialmente. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/internacional-46880167>. Acesso em: jul. 2021
(5) idem.
(6) Hepp, C. O princípio da autodeterminação dos povos e sua aplicação aos palestinos. Disponível em: <https://acervodigital.ufpr.br/handle/1884/40400>. Acesso em: jul. 2021.
(7) idem.
Nenhum comentário:
Postar um comentário