POLIS

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O projeto nasce com foco no comportamento político nas sociedades contemporâneas e nos efeitos dos movimentos sociais e políticos atuais sobre as liberdades e processos emancipatórios, bem como seus impedimentos em escala local, nacional e global. Tem por objetivos o desenvolvimento de um campo interdisciplinar de reflexão e prática investigativa e divulgadora, reunindo debates em torno de questões como: preconceito, racismo, sexismo, xenofobia, movimentos sociais, violência coletiva social, relações de poder, movimentos emancipatórios de povos e nações, valores democráticos e autoritarismos, laicidade, análises de discursos e ideologias, de universos simbólicos e práticas institucionais. Nessa perspectiva, o Polis atua desde sua criação formal em 2013, como projeto de extensão e em 2015 como Blog para divulgação e atualização.

sábado, 10 de julho de 2021

Em dez anos de independência há muito pouco a se comemorar no Sudão do Sul

                                             BZ Bildische Zeitung


    A mais nova nação do planeta se separou do Sudão predominantemente muçulmano em 9 de julho de 2011 e se constituiu como um país  soberano e majoritariamente cristão. A tão sonhada independência veio após a realização de um plebiscito com resultados esmagadores a seu favor: de um universo de 3.793.572 votantes, 3.734.280 votaram pela independência, 44.830 pela permanência no Sudão unido, além de 6.194 votos em branco e 8.268 nulos. Após proclamada sua independência, o Sudão do Sul vai cada vez mais mergulhando em uma interminável guerra civil que já lhe custou mais de 400.000 vidas. Guerra e fome ameaçam a grande maioria da população da jovem e antes, esperançosa nação. Logo depois de ratificada a independência se iniciam os confrontos entre o exército nacional e as milícias levando os sul-sudaneses à situação de penúria atual. Essa guerra de milícias está nas mãos de vários grupos étnicos e obriga as pessoas a fugir aos confrontos. Para tentar se salvar da violência e do caos, milhares atravessam as fronteiras para países vizinhos ou se deslocam internamente.

        Há também a incapacidade governamental de proteger a população, o que muitas vezes leva algumas milícias a ocupar esse espaço de defesa. Foi o que ocorreu na cidade de Yambio, ao sul do país, cujos moradores se organizaram em forma de milícia para se defender de um grupo religioso evangélico armado que atacou a cidade e sua população em nome de um fanatismo religioso importado de além fronteira. 


Em 2005, o Exército de Resistência do Senhor (ERS) –uma violentíssima milícia cristã vinda da República Centro-Africana– cruzou a fronteira e atacou os moradores.[…] "Foi terrível. Eles queimaram as casas. Estupraram as mulheres e obrigaram as crianças a matar seus pais. Muita gente teve a boca e as orelhas cortadas […] Eles levaram muita gente, crianças e mulheres, que nunca mais voltamos a ver desde aquele ano.” (1) 


        A cidade quase foi extinta pela guerra. De 8.000 habitantes que lá viviam restaram menos de 2.000. A milícia que conseguiu expulsar o ERS da região se integrou ao exército e protege a cidade para onde, aos poucos, parte da população sobrevivente retorna. Como resultado dessa guerra tribal e genocida ainda restaram muitas crianças soldados. “'Aqui temos uma geração inteira de crianças soldado'. É outra característica dessa cidade. 'Quando você cruza com uma criança na rua, é bem provável que tenha sido soldado até recentemente.' Cerca de 60% das crianças que vivem nesta localidade do Sudão do Sul participaram da luta armada".(2)

        Na guerra entre o exército sudanês e diferentes milícias quem mais perde são as crianças. Como uma praga que se espalha por diferentes regiões e tira a paz dos sul-sudaneses, cresce a ação dessas gangues/milícias que disseminam a prática de transformar crianças em idade escolar em soldados. Geralmente são recrutadas e até mesmo sequestradas de suas famílias para integrar as milícias locais e assim ajudar esses mercenários nos combates, principalmente contra as tropas do governo. 

        A cidade de Wau Shilluk fica na região norte do estado do Alto Nilo e tem parte significativa da população formada por pessoas que se deslocaram internamente fugindo de conflitos. Soldados armados cercaram a comunidade de Wau Shilluk e indo de casa em casa  removeram à força todos os meninos com mais de 12 anos para integrar seus exércitos milicianos.(3) Em Yambio, que foi o centro de confrontos armados e deslocamentos generalizados em 2016 não é muito diferente. Muitos menores continuam sendo forçados a lutar com o grupo armado Movimento de Libertação Nacional. No entanto não se trata de algo particular dessas cidades ou região, este é um cenário muito comum pelo país. Meninos, meninas e até mesmo famílias inteiras (quando não são mortas para deixarem as crianças sozinhas) são recrutados ou sequestrados. "Em muitas ocasiões as crianças aderem voluntariamente à guerrilha. 'Embora essa palavra, voluntariamente, deva ser colocada entre aspas', diz o funcionário do Unicef [Fundo das Nações Unidas para a Infância]. 'As crianças que aderem o fazem como uma saída, em busca de um futuro. Elas ficaram sozinhas ou não têm meios para comer e são obrigadas a ser soldados para uma milícia.'”(4)

        A luta para libertar essas crianças das milícias e reintegra-las na sociedade é lenta e complicada. Recentemente mais de uma centena delas foram libertadas com apoio do Unicef. Desde o início do conflito foi registrado o desligamento de mais de três mil menores de grupos armados. A libertação é apenas o primeiro passo e apesar de fundamental para essas crianças soldado, elas ainda terão que passar por muitos desafios até conseguir superar o passado sombrio e se recuperar dos traumas que viveram na guerra. Algumas, ainda com apenas 10 anos, enfrentarão muitos desafios ao tentar voltar a uma vida comum em cidades destruídas e sem ter mais suas famílias. Muitos estigmas que as pessoas constroem e fazem questão de manter sobre quem elas são por conta do seu passado junto às milícias, além de muitas vezes continuarem dependentes dos seus antigos comandantes, mesmo depois de se desligarem das milícias, são algumas das batalhas a serem vencidas para esse retorno à vida que toda criança merece ter. 


Antonio C. R. Tupinambá

Fortaleza, 10 de julho de 2021.

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(1) Carretero, N. “Eu sou uma criança soldado”. Disponível em: <https://brasil.elpais.com/brasil/2018/08/10/internacional/1533901618_963321.html>. Acesso em 10 jul. 2020.

(2) idem.

(3) Hunderte Kinder im Südsudan gekidnappt. Disponível em: <https://www.dw.com/de/hunderte-kinder-im-s%C3%BCdsudan-gekidnappt/a-18287833>. Acesso em 10 jul. 2021.

(4) Carretero, N. “Eu sou uma criança soldado”. Disponível em: <https://brasil.elpais.com/brasil/2018/08/10/internacional/1533901618_963321.html>. Acesso em 10 jul. 2020.

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