Em 2018 mais de uma centena de pessoas ligadas aos Direitos Humanos foram assassinadas na Colômbia, tendência que se manteve em 2019 e no ano seguinte. Este número chega a 115 ativistas de movimentos sociais assassinados, segundo a ONU — Direitos Humanos na Colômbia(1), caso se considere todo o ano de 2018, número que cresceu para 120 em 2019. Já em 2020 se registou o maior número de massacres no país desde 2014, segundo a representante na Colômbia do Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos — ACNUDH.(2) Dados assustadores e que demonstram um grave revés nas esperanças de um tratado de paz e no fim da violência histórica costumeira na sociedade colombiana. Em 2021 o país volta às manchetes mundiais por conta de mais um massacre que se avizinha com a reação desmedida das forças de segurança do governo frente aos protestos de populares contra a reforma tributária em curso. Até segunda-feira, 3 de maio de 2021 "o Comitê Nacional de Greve já contava um total de 27 mortos e 124 feridos pela repressão das forças de segurança entre 28 de abril a 2 de maio. De acordo com o grupo, ao menos 1.089 casos de violência policial foram registrados e, entre os manifestantes assassinados, 12 deles foram mortos em Cali. O indício é que a cifra de mortos e feridos seja ainda maior".(3) Em 2 de maio, o presidente colombiano, Iván Duque anunciou a retirada da polêmica proposta tributária, que favorecia abertamente os ricos e colocava pressão extra sobre as classes trabalhadoras e média. Nessa mesma data o ministro das Finanças, Alberto Carrasquilla, apresentou sua renúncia. Apesar disso, os protestos iniciados em 28 de abril continuaram. Protestos pacíficos tomaram as ruas das grandes cidades do país, com a participação de professores, estudantes universitários, sindicatos, grupos afro-colombianos e indígenas e muitos outros que se posicionam contra as medidas do governo de extrema-direita. Milhares de colombianos ocupam as ruas de grandes cidades, como Bogotá, Medellín e Cali, mas também estão presentes em outras cidades menores por toda a grande nação dos Andes. Confrontos violentos com a polícia foram vistos, principalmente mas não somente, na cidade de Cali, onde um grupo de indígenas derrubou uma estátua do colonizador espanhol fundador da cidade. Sebastián de Belalcázar foi ao chão pela segunda vez em menos de um ano. A estátua do conquistador espanhol foi derrubada, desta feita, por um grupo de indígenas Misak, que se manifestaram na cidade no âmbito da greve nacional convocada por diferentes organizações sociais para rejeitar a reforma tributária do Governo de Iván Duque. "O Movimento de Autoridades Indígenas do Sudoeste defendeu sua ação desta forma: 'Derrubamos Sebastián de Belalcázar em memória de nosso cacique Petecuy, que lutou contra a coroa espanhola, para que hoje, nós, seus netos e netas, continuemos lutando para mudar este sistema de Governo criminoso que não respeita os direitos da mãe terra’".(4) Na capital Bogotá os atos ocorreram de forma pacífica, com bloqueios de ruas e estações, apesar dos pedidos feitos por políticos para que a população evitasse aglomerações neste momento de pandemia. Sob forte chuva, helicópteros da polícia e gás lacrimogêneo lançado pela tropa de choque tentavam dispersar os manifestantes. Durante várias horas, a polícia fez inúmeras tentativas para dispersar as pessoas que protestavam nas ruas.
Quais são as perspectivas futuras no país que desde a assinatura do tratado de paz entre governo e a ex-organização guerrilheira FARC, em novembro de 2016, vê uma nova onda de violência estatal e paraestatal assolar ativistas de movimentos sociais, atingindo principalmente seus sindicatos? "Em agosto de 2017, a polícia matou três pessoas como parte da repressão brutal de uma greve de um mês de mais de 20.000 mineiros no noroeste da Colômbia contra a mineradora canadense Gran Colombia Gold. Algumas semanas depois, unidades militares e policiais realizaram um massacre durante os protestos de pequenos proprietários no sudoeste da Colômbia. A polícia colombiana e unidades militares ainda invadem vilarejos em áreas rurais e matam impunemente. Em 2018, houve uso repetido de força letal pelas forças de segurança do Estado contra grupos populacionais que saiam às ruas protestando contra o governo".(5)
O nomeado acordo de paz entre o governo colombiano e os guerrilheiros das FARC no final de 2016 levou ao fim de uma guerra civil extremamente prolongada e atraiu grande atenção internacional, rendendo ao presidente colombiano Juan Manuel Santos o Prêmio Nobel da Paz, sem contudo resultar em uma nova sociedade nos anos pós conflito. Vários atores violentos que pertencem a grupos paramilitares, cartéis de drogas, a organizações guerrilheiras seguem atuando. Por outro lado, um grande número de causas de conflito continua sem vislumbrar qualquer solução para que sejam superadas e, desse modo, se alcance maior segurança na sociedade. Os desafios centrais dizem respeito a lidar com várias questões de justiça em um período de transição, conseguir uma reconciliação com o passado e, de forma mais geral, criar a estrutura para "uma sociedade pacífica, socialmente justa e sustentável". Na contramão dessas necessidades, as políticas do governo fascistóide do atual presidente Duque acirram o desequilíbrio econômico e social, além dele preferir o confronto a ter que negociar com setores da sociedade civil. "A violência contra os sindicalistas também não termina. Em 2018, a Colômbia ainda apresentava o maior índice de homicídios sindicalistas do mundo. E a impunidade maciça para crimes violentos em geral e crimes violentos contra sindicalistas em particular também não mudou”.(6)
Desde cedo, defensores de direitos humanos viam um panorama de pessimismo com a chegada ao poder do presidente Duque, que de fato foi o responsável pelo agravamento dos problemas de conflito armado no país. Uma decepção para a parte da população que apostava nos acordos estabelecidos durante o governo anterior e neles via uma oportunidade de finalmente se alcançar a paz em um país habituado mas não conformado com a guerra. Duque está a frente de um governo com apenas 33% de aprovação e que mergulha em uma nova crise com a atual onda de protestos contra seu pacote de reformas trabalhistas e providenciarias e com insatisfação da população que se agrava com a forma ineficaz com que é conduzida a pandemia de covid 19. Enquanto permanecem nas ruas, os manifestantes também cobram por vacinação em massa contra a covid-19, renda básica universal e subsídios às pequenas empresas. A população também exige que o governo defenda os empregos e a produção nacional e proíba o envenenamento da lavoura por meio da sua pulverização aérea com agrotóxicos letais. Trata-se de um governo que reprime o direito legítimo de manifestação e protesto e joga grande parte da população na pobreza, enquanto mantém o privilégio de poucos. Os colombianos estão dizendo “basta" e vendo, na iminência de mudança de governo acompanhado por um novo paradigma político nas próximas eleições, a única saída para a atual situação de desmonte do Estado e descaso com a população. Uma tentativa para prorrogar o mandato do atual presidente por mais dois anos foi condenada por uma aliança entre sete partidos e movimentos progressistas, que qualificou essa pretensão como uma maneira de dar um golpe nas instituições e no processo democráticos de eleição popular.
Segundo o senador do Polo Democrático Alternativo Ivan Cepeda há, a partir dos políticos de esquerda, uma proposta de país a ser colocada em pauta e em prática. Trata-se de um modelo que compreende uma reforma agrária para ajudar a resolver "'o problema do narcotráfico, já que estão intrinsecamente unidos; uma reforma tributária, que permita arrecadar fundos para transformar o Estado em um Estado social; e uma reforma energética e climática, para resolver a questão da dependência energética da Colômbia do extrativismo mineiro e do petróleo’. O programa não descarta a convocação de uma Assembleia Constituinte, para desmontar o estado militar. Cepeda também não descarta uma aliança com o partido Comunes, formado por ex-guerrilheiros das Farc'".(7)
Álvaro Uribe, que foi presidente da Colômbia entre 2002 e 2010, continua sendo uma figura proeminente no país e pertence ao mesmo partido do atual presidente Duque, segundo Cepeda, um "inimigo da paz”. Iván Duque também é responsável pela "morte de líderes populares que denunciam violações ao acordo, 'com a cumplicidade de agentes estatais', e se esforça para acabar com o seu progresso, algo que só não conseguiu devido ao apoio da população ao acordo e da forte influência internacional no país em prol da paz”.(8)
Como acontece no Brasil, para se redemocratizar o país é necessário barrar, com a força das urnas, a reeleição do atual presidente. Para impedir a continuação de um governo que destrói o país e os direitos da população e que também tenta criar um Estado antidemocrático, a Colômbia precisa unir as forças políticas de diferentes matizes e pelo voto popular derrotar a herança de Uribe e seus representantes atuais, elegendo um presidente e uma base parlamentar majoritária para garantir a governabilidade do novo mandatário. Para o senador Cepeda, a oportunidade de mudar a realidade cruel de sucessivos governos de direita e extrema direita surge com o atual descontentamento da população. Esse sentimento de descontentamento com o governo, por razões óbvias, nunca foi tão forte e tem se agravado por conta das péssimas e ineficazes estratégias de combate à pandemia. Como sugere o senador, somente com a construção de uma frente única de esquerda pode-se superar o atual governo neo-liberal e antidemocrático e evitar sua volta ao poder no próximo pleito.
Antonio C. R. Tupinambá
Fortaleza, 4 de maio de 2021.
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1) La impactante violencia en Colombia contra los defensores de los derechos humanos causa preocupación. Disponível em: <https://news.un.org/es/story/2020/01/1467912>. Acesso em: 4 mai. 2021.
2) 2020, el año con más masacres en Colombia de los últimos 6. Disponível em: <https://www.semana.com/nacion/articulo/2020-el-ano-con-mas-masacres-en-colombia-de-los-ultimos-6/202100/>. Acesso em: 4. mai. 2021.
3) ‘Colombiano clama por comida, saúde e educação e governo responde a bala’. Disponível em: <https://www.redebrasilatual.com.br/mundo/2021/05/protesto-colombia-governo-ivan-duque/>. Acesso em 4 mai. 2021.
4) Torrado, S. Indígenas derrubam estátua de colonizador espanhol em protestos contra as reformas na Colômbia. Disponível em: <https://brasil.elpais.com/internacional/2021-04-28/indigenas-derrubam-estatua-de-colonizador-espanhol-em-protestos-contra-as-reformas-na-colombia.html>. Acesso em: 4 mai. 2021.
5) Neißl, N. Kolumbien: Kein Ende der Gewalt in Sicht. Disponível em: <https://awblog.at/kolumbien-kein-ende-der-gewalt/>. Acesso em: 4 mai. 2021.
6) Peters, S. Der Friedensprozess in Kolumbien naco den Präsidenschaftswahlen: Bilanz und Perspektivenhttps. Disponível em: <//www.instituto-capaz.org/en/der-friedensprozess-in-kolumbien-nach-den-prasidentschaftswahlen-bilanz-und-perspektiven/>. Acesso em 4 mai. 2021.
7) Alvarenga, C. ‘Existe uma democracia simulada na Colômbia’, diz Ivan Cepeda. Disponível em: <https://operamundi.uol.com.br/20-minutos/69288/existe-uma-democracia-simulada-na-colombia-diz-ivan-cepeda>. Acesso em 4 mai. 2021.
8)idem.
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