POLIS

POLIS
O projeto nasce com foco no comportamento político nas sociedades contemporâneas e nos efeitos dos movimentos sociais e políticos atuais sobre as liberdades e processos emancipatórios, bem como seus impedimentos em escala local, nacional e global. Tem por objetivos o desenvolvimento de um campo interdisciplinar de reflexão e prática investigativa e divulgadora, reunindo debates em torno de questões como: preconceito, racismo, sexismo, xenofobia, movimentos sociais, violência coletiva social, relações de poder, movimentos emancipatórios de povos e nações, valores democráticos e autoritarismos, laicidade, análises de discursos e ideologias, de universos simbólicos e práticas institucionais. Nessa perspectiva, o Polis atua desde sua criação formal em 2013, como projeto de extensão e em 2015 como Blog para divulgação e atualização.

segunda-feira, 10 de maio de 2021

A quem pertence Jerusalém?

 


    A "Cidade Santa” é cenário de um antigo conflito que se atualiza com as intermináveis disputas por sua posse. Jerusalém é dos judeus ou dos árabes? A cidade localizada em um planalto nas montanhas da Judeia entre o mar Mediterrâneo e o mar Morto, uma das mais antigas do mundo, capital de facto e metrópole israelense, é acima de tudo o lar de dois povos que lutam para ter seu domínio e controle. No entanto, sabe-se que somente com um verdadeiro e aberto diálogo entre israelenses e palestinos se superaria a história de ódio dos dois povos e se retomaria a esperança de reconciliação. O controle que hoje exerce Israel sobre Jerusalém não impede que a cidade também siga sendo reivindicada por muçulmanos, que sonham em transformá-la na capital de um Estado palestino livre e soberano. O status legal da cidade é internacionalmente confuso; Jerusalém deveria ser administrada pelas Nações Unidas, conforme decidido em 1947 pela Assembleia Geral da ONU. A Resolução 181 da ONU é clara sobre a divisão da Palestina em dois Estados, um judeu e outro árabe, e também previa sua manutenção sob tutela da ONU, desmilitarizada, sob controle internacional e servindo de capital aos dois novos Estados. O projeto sempre foi objeto de discórdia dos dois lados, o que incitou muita violência entre os dois grupos envolvidos no pretenso acordo, nomeadamente judeu e árabe. "Após a declaração de independência de Israel em 14 de maio de 1948, os exércitos da Jordânia, Egito, Síria, Iraque e Líbano atacaram o Estado recém-proclamado. Como resultado da guerra, Jerusalém foi dividida em uma parte oriental controlada pela Jordânia e uma parte ocidental controlada por Israel”,(1) que na Guerra dos Seis Dias, em 1967, capturou da Jordânia a parte oriental. Em 1980, o parlamento israelense, o Knesset, declarou que toda a área da cidade era a capital inseparável de Israel. O Conselho de Segurança da ONU considerou essa anexação nula e sem efeito na Resolução 478 e desde então vem confirmando a decisão. 


A Organização para a Libertação da Palestina, OLP, proclamou o Estado da Palestina em 1988 e declarou Jerusalém sua capital. A Jordânia já havia desistido de sua reivindicação de Jerusalém Oriental e dos territórios palestinos mais amplos. No decorrer da reaproximação entre israelenses e palestinos, a questão do status final de Jerusalém foi deixada de lado. O tratado de paz de Oslo de 1993 estipulou que deveria haver um tratado separado sobre isso mais tarde. 136 de 193 membros da ONU reconheceram um Estado da Palestina com Jerusalém como sua capital.(2)


No governo Trump, a definição do status de capital para ambos os Estados ficou ainda mais distante de ser conseguida, pois o nomeado presidente aprovou a transferência da Embaixada estadunidense para Jerusalém, o que indiretamente significou o reconhecimento da cidade como legítima capital de Israel. Um acordo israelita-palestino sobre Jerusalem continua sendo  fundamental para a solução da criação de dois Estados soberanos e para tentar resolver o conflito no Oriente Médio. No entanto, com a decisão unilateral do governo estadunidense de reconhecer Jerusalém como a capital de Israel, cidade que está na alma e no coração dos dois povos, os ânimos se acirraram e foi reacendida a disputa pela cidade, trazendo desesperança sobre a possibilidade de uma reconciliação internacionalmente almejada e contribuindo para o acirramento dos conflitos locais com a escalada da violência que torna a vida da população ainda mais dura.

Em 10 de maio de 2021, registraram-se distúrbios violentos em Jerusalém. Trata-se de um confronto no Monte do Templo, que para Israel é o Har Habayt (Monte do Templo) e para os árabes é a Esplanada das Mesquitas (Haram esh-Sharif). A organização governante da Faixa de Gaza retaliou o que chamou de agressão aos árabes de Jerusalém disparando foguetes em direção à Cidade Santa, que logo foram reivindicados pelo Hamas como uma reação ao "crime e agressão" israelenses. Os confrontos entre palestinos e forças de segurança israelenses desde a manhã dessa segunda-feira já causaram ferimentos em mais de 300 pessoas, segundo a organização humanitária Crescente Vermelho Palestino. Mais de 200 pessoas foram levadas ao hospital. De acordo com a polícia israelense, 21 policiais ficaram feridos nos confrontos.

A escalada da violência já vem ocorrendo há semanas. Além dos feridos, há registo de várias mortes em ataques. No foco do conflito também a disputa por terras no distrito de Sheikh Jarrah em Jerusalém Oriental. Para muitos, essa disputa simboliza uma expulsão contínua dos árabes da cidade. O Monte do Templo abriga a Cúpula da Rocha, a Mesquita de Al-Aqsa e o Muro das Lamentações e desempenha importância central no islã e no judaísmo. Para Israel, os ataques feitos pela Hamas a partir da Faixa de Gaza se configuram como uma  justificativa para sua reação com ataques aéreos contra posições do grupo militante palestino. “De acordo com as autoridades na Faixa de Gaza, nove pessoas foram mortas durante os ataques de retaliação israelenses, entre eles, um comandante de alto escalão do Hamas e seus três filhos. Grandes incêndios no Monte do Templo em Jerusalém foram relatados anteriormente ao ataque, o que se diz ter ocorrido durante novos confrontos entre as forças de segurança israelenses e combatentes palestinos.”(3)

Tudo isso ocorre no mês de jejum do Ramadã, quando dezenas de milhares de muçulmanos se reúnem no Monte do Templo para orar. Na manhã de segunda-feira dia 10 de maio, de acordo com a polícia israelense, alguns ativistas atiraram pedras do Monte do Templo em direção a uma rua; ao mesmo tempo uma posição policial também foi atacada, o que levou as forças de segurança a invadir a área imediatamente após esses eventos. “Muitos muçulmanos em todo o mundo mostram solidariedade com o lado palestino. Muitas fotos e vídeos são espalhados nas redes sociais sob a hashtag al-Quds tantafid, que significa ‘Intifada de Jerusalém’. Vários governos estão alimentando ativamente o conflito, especialmente a Turquia: ‘Israel deve parar de atacar os palestinos em Jerusalém’, disse um porta-voz do governo na segunda-feira”.(4)

Uma marcha de milhares de israelenses de direita por ocasião do Dia de Jerusalém de Israel, no qual se festeja a captura de Jerusalém Oriental em 1967, para a tarde de segunda-feira foi   cancelada no último minuto. Vale lembrar que tudo isso ocorre no momento em que a oposição israelense está tentando formar um novo governo e que, caso consiga, levará o partido Likud do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu para a oposição.   

Diferentemente de seu antecessor, Donald Trump, o presidente Joe Biden, mais crítico da direita israelense com seus laços estreitos com o movimento dos colonos, vem expressando “sérias preocupações sobre os possíveis despejos de famílias palestinas de suas casas no distrito de Sheikh Jarrah”.

O mundo volta suas atenções para o que ocorre em Jerusalém. Além das preocupações expostas pelo presidente Biden, outros governantes se mobilizam e reagem aos acontecimentos na cidade pomo da discórdia entre judeus e árabes. Por razão do conflito atual que assola as ruas da cidade, o Ministério das Relações Exteriores da Jordânia convocou o encarregado de negócios de Israel no país. O secretário-geral da ONU, António Guterres exortou Israel a exercer “o máximo de contenção”. Segundo reportagem do jornal Times of Israel, o Conselho de Segurança da ONU tratará da situação em Jerusalém. Em Berlim, o porta-voz do governo de Angela Merkel, Steffen Seibert, afirma que o governo alemão também convocou todos os envolvidos a exercer o senso de proporção e moderação. Em sua típica postura de interventor, o chefe do Estado turco, Recep Tayyip Erdogan, descreveu Israel como um "Estado terrorista cruel”, afirmando que as ações de Israel são um ataque a todos os muçulmanos, contudo sem apresentar qualquer recurso ou desejo de negociação, apenas justificando e apelando para a retaliação muçulmana.

“Estou com raiva e triste”, diz um jovem palestino. “Este é o meu bairro. Não o deles. E agora eles vêm e querem tomar nossas casas.”(5) Judeus e muçulmanos vivem no bairro árabe de Sheikh Jarrah, em Jerusalém Oriental, a que se refere o jovem palestino. A rua Othman-Ben-Afan é um exemplo dessa convivência nada pacífica. Nela veem-se casas de famílias palestinas às vezes intercaladas por outras de famílias judias. De um lado da rua, palestinos que se postam em frente a uma casa prestes a ser despejada, do outro lado colonos nacionalistas de direita em frente a outra, onde antes viviam palestinos e agora está ocupada por israelenses.  Ambos reivindicam o bairro para si e se dizem prontos a lutar por ele. Há precedentes para despertar a cobiça dos judeus de um lado e o ódio palestino do outro, uma vez que o tribunal distrital de Jerusalém havia decidido que as casas das famílias palestinas pertencem legitimamente a famílias judias. “De acordo com a lei israelense, os judeus israelenses podem reivindicar a propriedade de casas em Jerusalém Oriental no tribunal se seus ancestrais possuíssem terras lá antes da Guerra Árabe-Israelense (1948-49).”(6) Uma afronta aos palestinos, que também perderam suas propriedades como resultado da guerra e para quem não há nenhuma lei semelhante ou correspondente. As Nações Unidas também questionam essa legislação ao afirmar que os despejos não se justificam e devem ser cancelados. 

Toda a revolta que se registra nesse mês do Ramadã eclode a apenas um quilômetro de Sheikh Jarrah, na cidade velha de Jerusalém. Sheikh  Jarrah não é qualquer bairro, é para muitos um símbolo da expulsão dos muçulmanos de Jerusalém. Palestinos são expulsos de suas casas, onde vivem com suas famílias sob permanente ameaça de despejo.(7) A lei israelense de reivindicação de propriedade é, para grupos de direitos humanos, discriminatória, pois falta aos palestinos que perderam suas propriedades no que hoje corresponde ao território israelense uma legislação que lhes proporcione direitos semelhantes.   


Antonio Caubi Ribeiro Tupinambá

Fortaleza, 10 de maio de 2021


____________________________

(1) Wem gehört die Heilige Stadt? Sechs Fragen zum Status Jerusalems. Disonível em: <https://www.dw.com/de/wem-geh%C3%B6rt-die-heilige-stadt-sechs-fragen-zum-status-jerusalems/a-41673866>. Acesso em: 10 mai. 2021.

(2) idem

(3) Schimid, M.: Kathe, S. Mindestens 20 Tote bei Vergeltungsschlag – Israel tötet drei Aktivisten der Hamas. Disponível em: <https://www.fr.de/politik/konflikt-israel-palaestina-ost-jerusalem-polizei-blendgaranaten-steine-90529677.html#>. Acesso em: 10 mai. 2021.

(4) Lage in Nahost spitzt sich zu. Disponível em: <https://taz.de/Israel-Palaestina-Konflikt/!5766296/>. Acesso em: 10 mai. 2021.

(5) Hammer, B.  "Das ist meine Nachbarschaft". Disponível em: <https://www.tagesschau.de/ausland/ost-jerusalem-sheikh-jarrah-101.html>. Acesso em 10 mai. 2021.

(6) Unruhen erschüttern Tempelberg in Jerusalem. Disponível em: <https://www.dw.com/de/unruhen-erschüttern-tempelberg-in-jerusalem/a-57468130>. Acesso em: 10 mai. 2021.

(7) Häuserkampf in Jerusalem. Disponível em:  <https://taz.de/Auseinandersetzungen-in-Israel/!5766297/>. Acesso em: 10 mai. 2021.

Um comentário: