"Sarita e Arkht" nossos protagonistas do seriado netflix "Taj Mahal 1989" (1). Um casal inter-religioso, ela hindu e ele muçulmano.
“Não achamos o amor onde procuramos”
Tudo o que pode se amar e se odiar no país, para mim, mais fascinante daquela região asiática se encontra, figurativamente, nessa short story dividida em pequenos e poucos capítulos, que podem ser vistos de uma ou duas vezes.
A riqueza das especiarias que ainda hoje estão por aqui levaram os portugueses a navegar por "milhas e milhas a qualquer lugar”, conquistar o mundo, com sua rota pioneira à Ásia, como os primeiros europeus a chegar a países no Oriente.
A beleza autêntica das vestimentas que se somam às ainda mais belas formas de pratos e menus e, no filme, aos arroubos filosóficos existenciais em uma mescla de pensamento ocidental e oriental só resultam em fascínio.
Taj Mahal - Agra (Índia)
As paisagens vão desde os templos e palácios imponentes, aos vilarejos com suas choupanas, ou à sarjeta das grandes cidades com seu lúmpen em abundância, parte inseparável dessa paisagem. Pauperização e servidão humana se misturam a ricos filigranas que enfeitam objetos, tornam singelos os movimentos e belos os diálogos. Enfim, um complexo emaranhado que revela a dimensão da nação indiana, a resistência de sua cultura mesmo depois da devastação dos colonizadores britânicos, cuja presença se faz sentir em certas "impurezas" que restaram na língua.
Costumes e religião permeiam os diálogos, os muitos gestos e rituais, sejam eles sacros ou profanos. O machismo sustentado pela cultura milenar, exacerbado pela presença colonial continua a definir as relações sociais com forte segregação e submissão feminina. No entanto há também, nesse mosaico cultural, a esperança e o respeito das relações inter-religiosas pouco vistas nesse mundo acostumado ao sectarismo.
Misturam-se, portanto, a singeleza de gestos e hábitos cultivados, a preocupação em manter o belo acima da decadência urbana e muitas vezes humana, ainda que em cenários reveladores de empobrecimento, desigualdade; pouco caso aos desvalidos e aceitação da miséria para muitos e poder para alguns como um fato, um destino.
Não se perde o fascínio nessas adversidades e desequilíbrio social.
Diálogos embebidos em poesias, filosofia e pragmatismo; a vida acadêmica sempre presente, amizades e romances à indiana se sobressaem na história às vezes entremeada por pequenos lances de narrativas, dando-lhe um toque bollywoodiano.
Cores, paladares, odores, sentidos que afloram nesse enredo; fotografias realistas, em movimento, passando pela arquitetura, riqueza e miséria, ruas, casas, vielas, jardins e palácios que enchem os olhos.
Viaja-se com os personagens por diferentes cidades indianas com registro da vida como ela é, distante da vida como o turista vê.
Um professor de filosofia com uma pena que também cria a poesia e está casado com uma professora de física que apenas repete cálculos enfadonhos para alunos desinteressados, tem a missão de reavivar um casamento falido. Um outro filósofo “medalhista de ouro”, que pelo desemprego vira alfaiate, vive com uma ex-prostituta e traz na sua história a esperança da superação que contradiz seu destino. A menina comunista que vence a acirrada corrida pela presidência do grêmio universitário e o vence para um machista irremediável e egocêntrico que tinha o apoio da máfia local.
Exemplares e exemplos de uma Índia dos anos 1980, seu ritmo e seus rituais de sobrevivência.
Diferentemente da ideia que a medíocre imprensa nacional brasileira e os fascistas fazem romantizando a volta do fogão à lenha, nessa short story o chá que se oferece às visitas é aquecido na brasa e significa autenticidade, tradição e necessidade.
A riqueza da cozinha indiana penetra os mais remotos rincões e, quando há o que fazer, o que há se transforma, magicamente, em imagens gastronômicas que enchem os olhos e aguçam o paladar.
Há, na opressão introjetada, os contrastes fortes, muitas vezes extremos entre singeleza e arrogância, consideração e desprezo, amor e ódio que se intercalam e emergem nos diversos temas presentes e tratados no filme.
A venda de meninas para o mercado de prostituição, o machismo impregnado que leva à mutilação e à morte, a falta de perspectivas de vida e de futuro desenham um mundo para muitos apenas selado em um destino imutável e inexorável. Tudo se opondo ao aroma e à beleza da gastronomia milenar, à magnitude da arquitetura, à arte deslumbrante, aos recantos sagrados de deusas e deuses, à leveza gestual, ao doce idioma que sempre remete a nomes e gosto de frutas, à forma e ao cheiro de flores; à estética da beleza transcendente, à sutileza no amor, às vezes tímido, outras platônico.
Para quem espera linearidade, cronicidade e “ocidentalização”, desaconselho. A Índia não é para iniciantes. Ainda assim, para esses, espero que assistam e consigam perceber que o mundo, nesse caso não é, ao contrário do que se diz, “un pañuelo”. O belo vai além do que se limitou como tal entre Roma e Atenas, ou do que é visto por olhos ocidentais viciados e prepotentes.
Como disse nosso professor Sudakha Mishar em sua primeira aula na universidade de Lucknow, onde se passa a maior parte da história: “A compreensão é binária, 0 ou 1. Compreende-se ou não”. Isso também pode valer para quem quer compreender a Índia.
Antonio C. R. Tupinambá
Fortaleza, 2.05.2021.
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(1) Taj Mahal 1989 é uma série indiana de comédia e romance na web, dirigida e escrita por Pushpendra Nath Misra. A série é estrelada por Neeraj Kabi, Geetanjali Kulkarni, Sheeba Chaddha e Danish Husain
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