Pedro Castillo, vencedor das eleições presidenciais no Peru em 2021.
O fujimorismo, que nasceu com o autogolpe político-militar do ex-presidente peruano Alberto Fujimori insiste em querer se perpetuar no país andino, nosso vizinho. Naquela altura ouviu-se falar de mais de duzentos mil mulheres sendo esterilizadas compulsivamente, além de um acordo escuso com o Fundo Monetário Internacional (FMI), que foi a base de uma ditadura de sustentação a uma elite para dominar o país e permitir a permanência de Fujimori por dez anos no poder. Condenado em 2009 a 25 anos de prisão por massacres sucessivos a membros do grupo guerrilheiro Sendero Luminoso e do Movimento Revolucionário Tupac Amaru; envolvido em escândalos de corrupção e fugitivo da justiça o ex-presidente deve permanecer preso até 2032. Fujimori também foi considerado culpado pelos assassinatos ocorridos em La Cantuta, região serrana próxima a Lima. Ainda entram para sua conta nove estudantes e um professor da Universidade Nacional Enrique Guzmán y Valle que foram sequestrados e mortos. Na sua longa lista de crimes não podem ser esquecidos os sequestros do jornalista Gustavo Gorriti e do empresário Samuel Dyer, mantidos reféns no porão do Serviço de Inteligência do Exército. O grande sonho da filha candidata ao posto mais alto no Peru, Keiko Fujimori, seria indultar o pai condenado. O país se livrou deste destino cruel com a vitória do seu opositor, o esquerdista Pedro Castillo, que venceu as eleições presidenciais com menos de 1% de diferença de votos. A Força Popular, partido liderado por Keiko, também perdeu representatividade no parlamento. Com apenas 7,1% dos votos, o seu partido deve chegar a somente 12 das 130 cadeiras, o que aponta para a perda de influência do fujimorismo no país. Resistências em setores da sociedade com lembranças ruins dos tempos de desrespeito aos direitos humanos e alta corrupção se misturam à simpatia dos que relatam sobre os anos de terrorismo e seu combate pelo pai de Keiko, levando os eleitores a uma grande polarização. A posição de Castillo, professor rural e sindicalista, em favor à renegociação das condições de exploração das empresas de gás e mineração, custaram-lhe falsas acusações de querer implementar o comunismo no Peru. Por essa posição o candidato recebeu os maiores ataques de seus adversários durante a campanha. A comparação mais comum é a de que Castillo vai transformar o Peru em outra Venezuela. Não por menos, o político que faz oposição ao governo naquele país Leopoldo López foi ao Peru para se engajar na campanha em favor de Keiko Fujimori. Essa falsa afirmativa foi amplamente explorada pela imprensa, televisão e viralizada nas redes sociais.
Nascido há 51 anos em uma minúscula aldeia da serra de Cajamarca, nos Andes, Castillo entrou na política depois de protagonizar uma greve sindical de professores que o tornou popular em 2017. Tentou formar seu próprio partido de professores, mas não conseguiu coletar assinaturas, pois o processo coincidiu com o início da pandemia. Acabou aderindo, mais por conveniência do que por convicção, ao Peru Livre, uma formação regional, a primeira que pode chegar à presidência vinda da periferia.(1) O chefe do partido é Vladimir Cerrón, um político de esquerda dogmático e populista. A influência de Cerrón no gabinete de Castillo é outro mistério. O professor negou-o em público várias vezes, sabendo que Cerrón é muito impopular na esquerda mais centrada e urbana. Por aí vieram muitos dos ataques do fujimorismo. Por exemplo, o temor de não respeitar as instituições.(2)
A vitória, mesmo que apertada de Pedro Castilho sobre Keiko Fujimori nessas eleições, estanca o fortalecimento e crescimento do malfadado fujimorismo, apesar de não trazer em seu bojo uma promessa clara de evolução nos temas sociais. Ao contrário, já no início de sua campanha apresentou-se com propostas bastante retrógradas nesse campo. Afirmou abertamente ser afeito a valores cristãos conservadores e que, por exemplo, não apoiaria o casamento gay, apesar de que poderia propo-lo em uma nova constituição.
Revolucionário na economia, mas conservador nos costumes, o candidato tem posições controversas sobre direitos das mulheres e minorias. Contrário ao matrimônio igualitário e à educação com perspectiva de gênero, Castillo é criticado por movimentos sociais progressistas por essa postura. Ao contrário de Keiko Fujimori, ele afirma que não está fechado ao avanço desse debate[…] Mendoza [candidata da esquerda alternativa urbana] afirma que há um caminho para o diálogo nesses temas. Essa foi a principal cobrança dela quando saiu o resultado do primeiro turno e gerou um pacto de 10 pontos em que o professor se compromete a aprofundar a democracia e a respeitar as minorias, os povos originários e os direitos humanos.(3)
O apoio da esquerda moderada, representada por Verónika Mendoza veio em 5 de maio, após as votações de primeiro turno. Isso levou Castillo a rever suas posturas, declarando que iria refundar o Estado, aprofundando a democracia, garantindo o exercício dos direitos para todos, em plena igualdade e sem nenhum tipo de discriminação. Ainda que não seja um representante autêntico de esquerda e, em alguns aspectos, retrógrado, principalmente em relação a determinadas políticas sociais e morais, é um passo inicial para evitar a escalada da peste fujimorista e para que ocorram as esperadas mudanças no conturbado cenário político do Peru.
Antonio. C. R. Tupinambá
Fortaleza, 15 de maio de 2021.
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(1) Grifo nosso!
(2) Quesada, J. D.; Fowks, J. O Peru que o vencedor das urnas Pedro Castillo tem em mente. Disponível em: <https://brasil.elpais.com/internacional/2021-06-13/o-peru-que-o-vencedor-das-urnas-pedro-castillo-tem-em-mente.html>. Acesso em: jun. 2021.
(3) Rocha, L. Quem é Pedro Castillo, o sindicalista que se aproxima da vitória no Peru. Disponível em: <https://revistaforum.com.br/global/quem-e-pedro-castillo-o-sindicalista-que-se-aproxima-da-vitoria-no-peru/>. Acesso em: jun. 2021.
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