Em 26 de março de 2021
Naqueles anos 40, o mundo estava sendo sacudido, os velhos impérios se desmoronando, novos polos de poder emergindo, novos impérios se esboçando, mas para nós prevalecia a estrutura de costume: o centro do mundo era a Europa (Paris o seu umbigo), o Brasil era parte da periferia, devendo ter os olhos submissos sempre voltados para a matriz. Matriz ao mesmo tempo única e polivalente, qualquer coisa assim beirando uma entidade atemporal, com nada antes, nem depois.
Raduan Nassar
A atual política brasileira de enfraquecimento das relações internacionais relegando o papel do país ao de mero coadjuvante estadunidense parece ir se definindo na cauda dos acontecimentos políticos de 2016, quando foi deposta por um golpe jurídico-político-midiático a presidente democraticamente eleita Dilma Roussef. Com a presença de Aloysio Nunes no Ministério das Relações Exteriores nada mais se esperava dessa política, senão o fim do antes almejado e crescente papel de protagonismo internacional que vinha se consolidando. Em um movimento contrário, o governo ilegítimo do golpista presidente tampão Michel Temer enfraquecia o bloco econômico do Mercosul juntamente com os sócios Paraguai e Argentina dos igualmente corruptos Horacio Cartes, que segundo o Ministério Público Federal do Rio, pagou US$ 500 mil para ajudar na fuga de Darío Messer, o "doleiro dos doleiros" e Mauricio Macri mencionado no Panama Papers, arquivos vazados do escritório de advocacia Mossack Fonseca, listado como diretor de uma empresa offshore nas Bahamas.
A indicação de Ernesto Araújo pelo anti-presidente Bolsonaro para ocupar o mais alto posto na diplomacia brasileira desonrou o Itamarati e transformou o Brasil em piada internacional, indigno de respeito pelas nações e povos do mundo. A opinião sobre a incompetência de Araújo e contra sua gestão vem se tornando unânime. O descontentamento crescente de setores do Itamaraty com a gestão do ministro veio a público por meio de uma carta de um grupo de 300 diplomatas que pede pela saída do ministro. Na carta afirmam que a política externa brasileira historicamente se caracterizou por pragmatismo e profissionalismo e "o corpo diplomático sempre investiu no diálogo respeitoso e construtivo, com interlocutores internos e internacionais, com a imprensa e o Parlamento”. O ministro é acusado de envolvimento em atritos com a China além de afirmar que se a política externa “faz de nós um pária internacional, então que sejamos esse pária”. A gestão do chanceler é apresentada como um dos motivos pelas dificuldades para obter vacinas contra o novo coronavírus.
"Esperamos, com essas reflexões, oferecer mais elementos para que as necessárias e urgentes mudanças na condução da política externa ganhem maior apoio na sociedade, contribuindo, assim, para os esforços de superação das crises sanitária, econômica, social e política que enfrentadas pelo Brasil […] Nos últimos 2 anos, avolumaram-se exemplos de condutas incompatíveis com os princípios constitucionais e até mesmo os códigos mais elementares da prática diplomática,” dizem os diplomatas na carta mencionada.
Em curso, a queda livre do Brasil para o inferno diplomático, isolamento mundial e destruição do seu patrimônio diplomático intangível, já representado por nomes como José Bonifácio de Andrada e Silva, Rui Barbosa, Oswaldo Aranha, João Cabral de Melo Neto e tantos outros. O desmonte em curso representa um elevado custo civilizatório e provoca retrocessos em todas as frentes políticas que importariam para manter o crescimento e continuar com os esforços de emancipação na America Latina. Como dito, isto começou a ser orquestrado em conluio com os interesses espúrios na sede do poder em Washington, sendo seus executores locais o trio de presidentes, todos de reputação maculada pela corrupção e desprezo por suas respectivas nações: Temer, Macri e Cartes. O fortalecimento do Mercosul e, paralelamente, no caso brasileiro, a consolidação de um outro bloco econômico, o BRICS, significariam melhores alternativas de mercado e de relações políticas e econômicas para os países membros. Isso não interessaria aos Estados Unidos e, portanto, na política de alinhamento cego a Washington, o governo do Brasil proclama seu status de capacho da grande potência. Isso é muito conveniente para o triunvirato de colonizados formado pelos membros do Mercosul: Brasil, Argentina e Paraguai, governos aliados e entreguistas, além de incoerentes com as regras do jogo tradicionalmente estabelecidas pelo grupo econômico. Agem em uma espécie de vale tudo, desde que possam alcançar seus objetivos de limitar a participação dos demais membros do grupo em decisões vitais para o bloco. As ilegalidades patrocinadas pelo trio fragiliza o posicionamento geopolítico de cada um dos membros do Mercosul no contexto mundial. Ações que dificultem estratégias de dominação e controle externo pelas grandes potências na região desagradam, principalmente, aos Estados Unidos e inviabilizam a expansão da integração regional, a exemplo da Unasul (União das Nações Sul-Americanas), da Celac (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos) e outras articulações que fortaleçam e capilarizem o intercâmbio e os investimentos nas Américas. Há um boicote às alternativas em curso nos governos anteriores dos três países do Cone Sul. Brasil, Argentina e Paraguai se unem para que a região volte a ser simples peão no viciado jogo de xadrez geopolítico mundial controlado e manipulado pelos Estados Unidos da América. Trata-se do fim de tratados econômicos e políticos que permitam o crescimento e melhoria dos empregos, da renda e de direitos sociais que, de outra maneira seriam monopolizados pelo vizinho poderoso do Norte.
O que desde então vem acontecendo ao bloco econômico que traçava um caminho de consolidação e forte presença internacional, o BRICS, é um dos sintomas mais reveladores do que ora se colhe: o fruto amargo como resultado da praga do golpe. O que era o BRICS na era Lula/Dilma e o que se tornou nos anos pós-golpe, Temer/Bolsonaro? A vocação dos poderes hegemônicos de países como os Estados Unidos é a de inibir qualquer processo emancipatório em sua periferia. Nesse bojo se coloca a resistência à configuração e fortalecimento do BRICS, o grupo econômico formado por cinco economias emergentes: Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. No complexo mosaico da globalização, isso significa maior poder de negociação do grupo frente aos ditames das economias fortes e seus clusters econômicos consolidados. Juntos em 2014, os países do BRICS correspondiam a 19% do PIB do mundo e cerca de 42% da população mundial, foram responsáveis por 55% do crescimento global nos últimos três anos (levando-se em conta a data da informação pelo The Economist em 2014). A solidez do grupo e seu caráter de potência emergente vem de encontro ao lugar reservado a países como o Brasil, conforme relata Raduan Nasser, quando nos traz o cenário de 1940. O Brasil sempre foi o membro que mais timidez e fragilidade apresentou mas, juntamente com os outros membros do bloco, vinha conseguindo aumentar seu protagonismo no cenário internacional com os esforços dos presidentes que incentivaram a sua criação e se importavam com seu fortalecimento. O que ocorreu no governo Temer com o BRICS foi um aprofundamento da subalternidade do Brasil, por conta dos novos ares soprados pela fraca presença internacional de um governo sem reconhecimento interno ou externo e um Ministério do Exterior desacreditado com ações diplomáticas pífias. A rota que permitiria o país a se posicionar na vanguarda do clube BRICS foi reorientada e parece levar sua participação a um lugar de desimportância dentro de um projeto enfraquecido. Há quinze anos, quando surgiu o grupo, uma espécie de elite entre países emergentes formado pelo Brasil, Rússia, Índia e China passou a ser chamado inicialmente de “BRIC”. A seguir, com a adesão da África do Sul, o bloco cresceu e viu ser acrescentado um “s” a sua sigla. A primeira visita oficial da presidente Dilma Rousseff à Índia, onde participou da IV Cúpula do BRICS, teve importância simbólica e política. Na pauta daquela visita: assuntos vitais para os países integrantes do bloco que remontavam ao ano de 2012, como a crise mundial, seu impacto no comércio e a criação de um banco de desenvolvimento constituído com capital dos cinco países, que financiaria projetos nos próprios integrantes do BRICS e em outras nações em desenvolvimento. O BRICS voltou a se reunir em um novo cenário sócio-econômico, desta feita, em Fortaleza (CE), momento em que o mundo se voltava para a iminente reunião estratégia entre Estados Unidos da América e China, com impacto internacional relevante para várias questões de então, como a situação na Ucrânia e no Oriente Médio, o que, internacionalmente, relativizou a importância atribuída a esse encontro, mas não diminuiu o seu significado para o futuro do bloco. Algumas demandas circunstanciais e específicas dos governantes reunidos em Fortaleza deram um colorido especial ao encontro: Putin isolado por seus problemas domésticos; Zuma à frente de uma África do Sul em descrédito e com alta corrupção; Nerendra Modi, que enfrentava uma Índia com inflação e insegurança civil, e Dilma Rousseff, candidata à reeleição.
A cúpula que reúne os líderes das, ainda consideradas principais economias emergentes do mundo, pretendia se reinventar, por exemplo, incluindo outros países da América do Sul nessa relação, o que não ocorreu por conta da política doméstica cada vez mais direitista e com vocação golpista em seus países e o crescente isolamento da Venezuela. Para se perceber a importância do BRICS no cenário econômico mundial, basta observar o grau de sua participação na expansão da economia global desde 2012. Um tópico do grupo que seria vital para a sua independência e autodeterminação, a consolidação de um banco de desenvolvimento refletia essa importância sem, necessariamente, planejar comprometer a participação dos países integrantes em organismos multilaterais, aos quais essas economias emergentes ainda reivindicavam uma maior presença e poder de voto nas grandes decisões. Com isso, o BRICS pretendia ratificar a tese da mudança do centro de gravidade do poder e da economia mundiais, que sempre lhes foi negado. Demografia, potencial de mercado entre outros fatores justificam o tratamento especial ao grupo. Trata-se de um mercado que soma uma população de mais de 800 milhões de novos consumidores e um potencial para se somar aos demais grupos econômicos. O encontro de Fortaleza também apontou novos significados nos acordos estabelecidos, para além de temas eminentemente econômicos, o reconhecimento da necessidade de se incluir a discussão de assuntos de interesse multilaterais nas áreas científicas, tecnológicas, educacionais, de direitos humanos e de cooperação.
Certamente o fortalecimento do BRICS, solapado pelos governos brasileiros do pós-golpe de 2016 só piora no governo entreguista e fascista de Bolsonaro. O pior momento para se ter um governo que descarta a ciência como estratégia no combate a uma pandemia que assola o mundo e, contribui, macabra e deliberadamente desde seu inicio, para o culto da morte, até o momento de mais de 300 mil vidas ceifadas; uma verdadeira dizimação do povo brasileiro. Abre mão do internacionalismo para o combate da nova praga do século, para reduzir o Brasil ao papel de pária do mundo, isolando-o com estratégias e objetivos medievais e genocidas. O Brasil precisa se livrar de Bolsonaro e sua corja de destruidores da pátria, para poder sobreviver.
Rússia, China e Índia lideram a descoberta e fabricação de vacinas anti-covid-19 e deverão ter o papel de protagonistas geopolíticos com a vacinação de sua população, enquanto países ricos tentam adquirir suas vacinas para que possam reativar a economia. Em vez de promover a cooperação no âmbito do BRICS para o enfrentamento da pandemia e o desenvolvimento e aplicação de vacinas, o governo fascista brasileiro, capacho dos Estados Unidos, ignorou os parceiros, e se submeteu a ordens do grande chefe em Washington, esnobando as vacinas russa e chinesa se abstendo de qualquer cooperação com os países do bloco, agora à frente em todos os setores de combate ao novo coronavírus. O Brasil com reconhecido expertise na produção e aplicação de vacinas, modelo mundial no combate a pandemias, foi jogado na vala comum dos países onde há o maior numero de pessoas mortas por um vírus que já tem vacina para combate-lo. O país que tem o presidente apontado como o mais incapaz no mundo no combate à pandemia é acompanhado por um Ministro das Relações Exteriores que se orgulha nos fóruns internacionais de ter tornado o Brasil um pária no mundo, o que impossibilitou, junto com a família Bolsonaro, acordos internacionais para a obtenção da vacina e preferiram, todos do governo medieval brasileiro, apostar na anti-ciência com a propagação de vermífugos e químicas, espécies de unguentos e fármacos desacreditados no meio médico, sem comprovação científica, seja na prevenção ou tratamento da doença resultante do covid-19.
Infelizmente, desde que ocorreu o encontro BRICS em Fortaleza em 2014, o Brasil passou pela turbulência e efeitos negativos do golpe político e viu serem realinhadas suas prioridades no cenário internacional. É, portanto, decepcionante e iminente o fracasso daí resultante para o projeto brasileiro no BRICS, que no momento atual, com o protagonismo da China, Rússia e Índia no desenvolvimento das vacinas anti covid-19 teria o Brasil como excelente parceiro na área. Certamente estaríamos na linha de frente da ciência com os outros três países e teríamos evitado o caos e a tragédia que se estabelece no país, fruto do negacionismo, incompetência e barbárie de um governo que ri da desgraça de seus cidadãos. A união e o fortalecimento dos países emergentes, assim como qualquer tentativa de afirmação de soberania e independência foram, no bojo do golpe, substituídos por submissão e entreguismo:
É público que as forças responsáveis pelo impeachment tinham e têm como objetivo, além de reduzir a remuneração e as liberdades democráticas da classe trabalhadora, realinhar a política externa do Brasil com os interesses dos Estados Unidos e seus aliados. Ou seja: afastar o país do projeto de integração regional autônoma e dos BRICS.(1)
Os anos 40 de Raduan Nassar voltaram. O Brasil que havia saído da periferia nela foi reinstalado. Voltou ao mapa da fome, a um lugar no pódio com os países líderes em feminicídio, crimes contra as maiorias sociais, trabalho escravo e genocídio de povos indígenas. Este ano o último indígena da tribo Aruká morreu em consequência do covid-19, ou melhor dito, em consequência da política de extermínio dos povos originais no governo Bolsonaro. Não vacinado, tratado com o kit-covid sem eficácia comprovada mas defendido pelo presidente, o último Aruká morreu em um hospital do Amazonas. Mais um que compõe a estatística de mortes evitáveis pela pandemia no país, tornando o Brasil um dos campeões mundiais também no número de pessoas infectadas, em se considerando a relação mortos/infectados/população. Somos o país que mais envergonha e causa espanto à OMS/ONU com suas propostas consideradas absurdas, como por exemplo aquelas sugeridas pela ministra anti-direitos humanos, unindo-se aos país mais retrógrados do mundo nesse quesito, como Arábia Saudita, Paquistão, Iraque, Nigéria...
Jair Bolsonaro e Ernesto Araújo já haviam defendido que fossem retirados dos documentos na ONU/OMS qualquer tipo de referência sobre “educação sexual”. Aprofunda-se o fundamentalismo religioso neopentecostal com seus representantes políticos e institucionais reforçando propostas de premiar o crime de estupro com impedimento da interrupção da gravidez nesses casos, incentivando a violência contra a mulher. Ignoram o racismo e seu necessário combate. Sequestram a laicidade do Estado para transforma-lo em um verdadeiro “Brasiquistão”. O país sofre com o desmonte de áreas vitais como saúde e educação, trazendo de volta doenças antes erradicadas, fazendo crescer o analfabetismo e retroceder em décadas a educação em todos os níveis. O projeto de transformar o Brasil em um país apenas exportador de commodities agrícolas através da destruição do meio-ambiente e uso indiscriminado de pesticidas para abastecer as mesas fartas de países desenvolvidos, que se omitem e se tornam seus cúmplices. Destruir sua indústria, boicotar a ciência e inviabiliza-la ampliando a dependência de países antes próximos e parceiros, com o mesmo nível de diálogo no cenário internacional… O golpe de 2016 contra a presidente Dilma Rousseff, o governo tampão ilegítimo de Michel Temer e a eleição arrematada por estratégias do submundo fascista e fakenews que levou Bolsonaro à presidência, tudo arregimentado pelas forças do submundo da mídia corporativa e da espúria elite brasileira egoísta que se agruparam em bloco na construção do projeto de genocídio em curso contra o povo brasileiro. Esse mal, como todos os outros deverá ter um fim porque é este fim o objeto de luta de todos que prezam a liberdade e desejam o Brasil de volta ao caminho auspicioso que trilhava, trazendo alegria e prosperidade para seu povo. A solução imediata e inadiável é o impeachment do presidente que instalou o caos social e a barbárie no país. O passo seguinte e redentor seria seu julgamento em tribunal internacional para sua condenação por seus crimes contra o povo brasileiro, a floresta e a humanidade.
Antonio C. R. Tupinambá
Escrito em 27 de março de 2021.
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1) Qual importância Temer dá aos BRICS? por Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais
– publicado 27/10/2016. Disponível em:
<https://www.cartacapital.com.br/blogs/blog-do-grri/texto-brics>. Acesso em: 21 mai. 2017.
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