POLIS

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O projeto nasce com foco no comportamento político nas sociedades contemporâneas e nos efeitos dos movimentos sociais e políticos atuais sobre as liberdades e processos emancipatórios, bem como seus impedimentos em escala local, nacional e global. Tem por objetivos o desenvolvimento de um campo interdisciplinar de reflexão e prática investigativa e divulgadora, reunindo debates em torno de questões como: preconceito, racismo, sexismo, xenofobia, movimentos sociais, violência coletiva social, relações de poder, movimentos emancipatórios de povos e nações, valores democráticos e autoritarismos, laicidade, análises de discursos e ideologias, de universos simbólicos e práticas institucionais. Nessa perspectiva, o Polis atua desde sua criação formal em 2013, como projeto de extensão e em 2015 como Blog para divulgação e atualização.

domingo, 26 de julho de 2020

A partilha produz vida, cria laços fraternos, transforma a sociedade











Todos nós devíamos estar na lista dos antifascistas. Que todos sejamos uma multidão de irmãos, um irmão não deixa outro faminto. Que sejamos uma multidão de irmãos não armados, mas AMADOS. 
(Pe. Julio Lancellotti, 26 de julho de 2020)


             Na  missa celebrada hoje (26 de julho de 2020) na Igreja de São Miguel Arcanjo em São Paulo, na Homilia padre Julio Lancelotti nos informou da carta de agradecimento do Papa Francisco aos militantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST, pela distribuição de toneladas de alimento para as pessoas pobres vítimas da Covid-19 no Brasil.
        Enquanto o agronegócio, um modelo de produção agrícola que tem como base a monocultura, "no grande latifúndio e no uso ostensivo de agrotóxicos, consome cerca de 70% dos recursos de terra e água do planeta, mas produz apenas 30% do alimento mundial”1 além de gerar 40% das emissões de gases de efeito estufa, a agricultura familiar e camponesa é responsável por 70% dos alimentos que são produzidos no Brasil, utilizando apenas 30% dos mesmos recursos. Assim como o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), outras organizações que integram a Frente Brasil Popular e a Frente Povo Sem Medo têm sido exemplos de amor ao próximo nesses difíceis tempos de pandemia com sua efetiva participação na luta pelo direito à alimentação nesse cenário de carência e desolação, por meio da doação de alimentos, roupas e outros materiais imprescindíveis a esse povo pobre, vulnerável e excluído das políticas públicas.
        O Estado mais tem prejudicado do que ajudado com sua política de benefício seletivo aos grandes produtores, ao mesmo tempo em que pune os pequenos, além de ter em sua política a explícita conivência de desmandos no campo reforçando ataques aos pequenos produtores da agricultura familiar e camponesa. Em um discurso pró-armamento e beligerância no campo, os latifundiários se sentem à vontade para cometer seus atos de barbárie em uma atitude deliberada para a grilagem de terras e enfraquecer pequenos agricultores sem se importar quem são suas vítimas e a dimensão dos prejuízos que causam. Afinal de contas, a ordem oficial é desmatar e passar a boiada.2 No Paraná, o acampamento Valdair Toque que planta hortaliças para doar a famílias pobres durante a pandemia foi vítima de um ataque perpetrado a mando das usinas de açúcar e etanol Sabarálcool.3 A lavoura plantada por cinquenta famílias organizadas no MST e prestes a ser colhida foi destruída por esses jagunços encapuzados com requintes de barbárie.
        Apesar dessa relação de beneficio, na qual a agricultura familiar se faz presente como responsável por 70% dos alimentos que são produzidos; é o agronegócio, com todas as suas mazelas e nenhuma participação no amparo à população mais pobre do país em tempos tão difíceis, o grande beneficiário da atenção e tratamento especial do governo genocida e destruidor dos recursos naturais do país. O agronegócio segue, portanto, mesmo em meio à pandemia, sendo privilegiado pelo governo brasileiro em detrimento da agricultura familiar e camponesa. De acordo com Larissa Pacer, advogada especialista em Direito Ambiental e integrante da organização não-governamental Grain América Latina "enquanto a produção de commodities é  considerada uma atividade essencial e funciona a todo vapor, a agricultura familiar enfrenta uma série de limitações assim como os cidadãos que trabalham para o próprio agronegócio, que seguem pegando o transporte público e circulando em meio ao isolamento social.” E continua a advogada: “Com os contratos de exportação de carne e soja para fora, o setor continua a ter exportações recordes sem nenhum tipo de obstrução ou limites de medidas sanitárias para isso. Por outro lado, o Estado vem praticando medidas de restrições nas feiras e nos espaços onde os trabalhadores rurais colocam seus produtos.”4  Segundo reportagem do Jornal Brasil de Fato o setor foi agraciado, em meio à crise, com a renovação de R$ 6 bilhões em insenção para agrotóxicos em determinados estados brasileiros.
        Ao contrário da propaganda veiculada insistentemente com a participação e conivência da rede Globo para convencer sobre as virtudes do agronegócio -" é tech é pop”, sabemos que se trata de uma falácia, tendo em vista os grupos empresariais atuarem no ramo dos alimentos apenas para controlar o mercado e oferecer o que pode vender com altos lucros a quem pode pagar. Nada é feito realmente para combater a fome, pois se necessário for e em nome do mercado podem se desfazer de seus produtos rapidamente e pouco se preocupando se o desperdiçado poderia saciar a fome de muita gente.
        Há uma exigência de pagamento de royalties às patentes que seriam uma das formas de controle nesse mercado, pois aquelas sementes transgênicas que planta o agricultor estão vinculadas a quem detém a sua propriedade intelectual: "essas grandes tecnologias de sementes estão muito ligadas a alimentos que não se come, como a soja, que é a base em alguns lugares do mundo, mas ela não é a base da população da grande maioria dos países.”5
        Apesar de quase não haver divulgação na imprensa corporativa  é cada vez mais difícil  ignorar as ações de solidariedade do MST ao povo pobre e desassistido socialmente durante a pandemia de covid-19. Como nos disse o Padre Julio em sua missa, o reconhecimento a essas ações veio também do Vaticano. No dia 25 de julho de 2020, o Papa Francisco e o Cardeal Michael Czerny enviaram uma mensagem pelo dia do trabalhador rural em apoio às ações de solidariedade de distribuição de alimentos pelo MST em muitos lugares do país:
 Roma, 25 de julho de 2020  

Queridos irmãos e irmãs!

Em nome do Papa Francisco e também em meu, queremos manifestar a nossa alegria pelo gesto bonito de distribuição de alimentos que as famílias da Reforma Agrária no Brasil estão realizando nestes tempos da Covid-19. Esta pandemia traz muita dor e sofrimento em todo o mundo, sobretudo às pessoas mais pobres e excluídas. Partilhar os produtos da terra para ajudar as famílias necessitadas das periferias das cidades é um sinal do Reino de Deus que gera solidariedade e comunhão fraterna.

Quando Jesus viu as multidões famintas encheu-se de compaixão e multiplicou os pães para saciar a fome do povo. Todos se alimentaram e ainda houve sobras (Mc 6,34-44). A partilha produz vida, cria laços fraternos, transforma a sociedade. Desejamos que este gesto de vocês se multiplique e anime outras pessoas e grupos a fazerem o mesmo, pois “Deus ama a quem dá com alegria” (2 Cor 9,7).

Pedimos a Deus Pai que derrame sua bênção sobre os produtos que vocês estão partilhando e que Ele abençoe também a todas as famílias que doaram e aquelas que vão receber os alimentos. E que o Espírito Santo vos proteja do vírus da Covid-19, vos dê coragem e esperança neste tempo de isolamento social! E neste dia dos agricultores, que o nosso Bom Deus proteja e abençoe todas as famílias que trabalham na terra e lutam pela partilha da terra e pelo cuidado de nossa casa comum!

 Cardeal Michael Czerny S.J.

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1) Emilly Dulce. O 'agro' é sujo: veneno, mortes e destruição da natureza definem agronegócio. 18 de julho de 2018.. Disponível em: <https://www.brasildefato.com.br/2018/07/18/o-agro-e-sujo-veneno-mortes-e-destruicao-da-natureza-definem-agronegocio>. Acesso em: 26 de julho de 2020.
2) O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, convocou outros ministros para “ir passando a boiada, ir mudando todo o regramento”, enquanto a imprensa estava ocupada tratando do impacto do novo coronavírus no Brasil, no diaem que o Brasil acumulava 45 mil casos e quase três mil mortos, vítimas de covid-19.
3) Kotscho, R. Empresa destrói lavoura do MST destinada a doação de alimentos na pandemia. 4 de julho de 2020 <https://noticias.uol.com.br/colunas/balaio-do-kotscho/2020/07/04/fazendeiro-destroi-lavoura-do-mst-destinada-a-doacao-de-alimentos.htm?cmpid=copiaecola>. Acesso em: 26 de julho de 2020.
4) Sodré, L. Sem apoio, agricultores perdem produtos enquanto populações vulneráveis passam fome. 28 de abril de 2020. Disponível em: <https://www.brasildefato.com.br/2020/04/28/sem-apoio-agricultores-perdem-produtos-enquanto-populacoes-vulneraveis-passam-fome>. Acesso em 26 de julho de 2020. 
5) Maureen Santos apud Emilly Dulce. O 'agro' é sujo: veneno, mortes e destruição da natureza definem agronegócio. 18 de julho de 2018.. Disponível em: <https://www.brasildefato.com.br/2018/07/18/o-agro-e-sujo-veneno-mortes-e-destruicao-da-natureza-definem-agronegocio>. Acesso em: 26 de julho de 2020.

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