POLIS

POLIS
O projeto nasce com foco no comportamento político nas sociedades contemporâneas e nos efeitos dos movimentos sociais e políticos atuais sobre as liberdades e processos emancipatórios, bem como seus impedimentos em escala local, nacional e global. Tem por objetivos o desenvolvimento de um campo interdisciplinar de reflexão e prática investigativa e divulgadora, reunindo debates em torno de questões como: preconceito, racismo, sexismo, xenofobia, movimentos sociais, violência coletiva social, relações de poder, movimentos emancipatórios de povos e nações, valores democráticos e autoritarismos, laicidade, análises de discursos e ideologias, de universos simbólicos e práticas institucionais. Nessa perspectiva, o Polis atua desde sua criação formal em 2013, como projeto de extensão e em 2015 como Blog para divulgação e atualização.

quinta-feira, 13 de agosto de 2020

Moldávia é um país viável?

 




Moldávia, o país com o maior declínio populacional na Europa, luta para sobreviver e se manter como um Estado viável. O país que surgiu como uma nova república emergente do bloco soviético busca se estabelecer política e economicamente em meio ao desassossego e pressões de seus vizinhos hostis e dos desenlaces da sua própria e conturbada história. Mesmo internamente, essa instabilidade continua pois a Oeste, dentro das próprias fronteiras, há outro país, a Transnídia. Embora não reconhecido internacionalmente, declarou sua independência em 1990 e conta com moeda própria, exército, instituições públicas e até mesmo passaportes. De região separatista da Moldávia passando a país autodeclarado formou um Estado não reconhecido por nenhum outro país do mundo. Para a ONU continua sendo uma parte integrante da Moldávia. A Transnídia integra o grupo dos nomeados “países que não existem”1, aqueles que de facto se colocam como independentes mas sem reconhecimento externo. Alguns dos países que integram esse grupo conquistaram soberania, como é o caso do Kosovo, que se proclamou independente em 2008 embora, ainda dez anos após essa declaração, continue sendo reconhecido apenas por parte dos países da comunidade internacional. 

A Moldávia pertenceu ao Império Russo até período posterior à Primeira Guerra Mundial para, a partir daí, integrar a Romênia. Logo a seguir, após a Segunda Guerra Mundial, voltou a ser controlada pela Rússia. Anexada como República Socialista Soviética Autônoma da Moldávia e, posteriormente formando a República Socialista Soviética da Moldávia só veio conhecer autonomia política após o colapso da União Soviética em agosto de 1991 quando declarou sua independência como República da Moldávia (Republica Moldova) e já se tornando, em 1992, um novo membro das Nações Unidas.  República parlamentarista, tem uma área total de 33.846 km², tendo quase o tamanho do estado do Rio de Janeiro ou do território da Suíça, conta com uma população de cerca de 3.600.000 habitantes. Sua capital, Chisnau, tem cerca de 730 mil habitantes.  A língua oficial do país é o romeno, ou moldavo, como localmente denominada. A língua romena da Moldávia era, na época do domínio soviético, escrita em alfabeto cirílico. Voltou a ser escrito em alfabeto latino desde 1989, ainda antes de sua independência. 

Nesse mês de agosto em que comemora o 29. aniversário de sua independência, ainda há muitos desafios que o jovem país tem que enfrentar. Esses desafios decorrem de muitas situações pré-existentes no curso de sua história. Algumas delas podem ser destacas: 


Primeiro, o país procurou estabelecer um estado viável onde nenhuma tradição de autogoverno e soberania existia antes. Em segundo lugar, sem uma tradição política local, era difícil para a Moldávia chegar a acordo sobre uma constituição e encontrar líderes políticos não contaminados pela associação com a União Soviética altamente centralizada e autoritária. Terceiro, a transição de uma economia controlada para uma economia de mercado livre foi difícil. Uma economia amplamente agrícola baseada em fazendas estatais e coletivas foi desenvolvida sob o domínio soviético. Quando muitas dessas fazendas foram desmembradas e entregues a indivíduos após a independência, o resultado foi um deslocamento considerável, perda de produtividade e alegações de corrupção. Finalmente, a transição econômica foi ainda mais impedida pelo fato de que grande parte da indústria da Moldávia estava localizada na região separatista da Transnístria, que havia proclamado sua independência da Moldávia em 1990, resultando em uma breve guerra civil. Embora um cessar-fogo tenha sido declarado em 1992, as relações entre a Moldávia e a Transnístria permaneceram tensas e as tropas russas ainda estão presentes na zona de segurança. A Transnístria também é a fonte de grande parte da eletricidade da Moldávia, que foi cortada várias vezes. Assim, o caminho da Moldávia para a nacionalidade permaneceu acidentado - desde os primeiros esforços de construção da nação até a busca do país por paz e prosperidade no século 21”. 2


O caso Transnístria (ou Transnídia), um dos países que não existem, é muito diferente do Kosovo. A Transnístria se situa dentro de território moldavo, um país soberano. Apesar de ter vencido a guerra com o apoio da Rússia e se tronado de facto uma república independente não obteve reconhecimento de nenhum país membro da ONU, tampouco tem sido alvo de interesse internacional para resolver suas questões remanescentes que implicariam em algum incentivo a sua desejada autonomia.

A Moldávia, mesmo depois de declarar sua independência, continuou, para tentar assegurar a sua manutenção, com esse tema no debate nacional como uma pauta permanente, juntamente com outras de igual importância como a da resolução de conflitos étnicos e territoriais e da heterogeneidade cultural e étnica que fazem parte do país: "Quando se considera a persistência destes debates, em combinação com outros fatos bem conhecidos como, por exemplo, os repetidos e profundos fracassos da transição econômica que valeu à Moldávia o título de nação mais pobre da Europa, uma visão cética sobre as perspectivas de os moldavos desenvolverem uma forte lealdade ao país recém-estabelecido pode parecer justificada”.3

Além de aspectos geopolíticos de peso para retratar o país, há outras características presentes na sociedade e cultura moldavas que são um diferencial no mundo europeu e ao mesmo tempo contribuem para o aprofundamento de seu isolamento e involução. O acentuado declínio demográfico já é considerado o pior da Europa; um sentimento desenvolvido pela população de viver em um país fracassado e de não pertencimento são, simultaneamente, consequências e causas de uma pátria de emigrantes e de uma população de insatisfeitos. O declínio no crescimento populacional e a falta de um orgulho nacional que se sobreponha aos muitos problemas percebidos e vivenciados se somam a outros fatores já listados e podem ser incluídos no rol de conceitos centrais para se cunhar uma definição de Estado inviável para o qual pode se encaminhar a Moldávia: "Do Mar Negro ao Adriático, a questão da queda da população é um drama. Na Moldávia, é um trauma. Desde 1989, sua população diminuiu quase um terço e em 15 anos pode ser apenas um pouco mais da metade do que era naquela época”.4 É uma combinação degradante para qualquer nação: com uma população decrescente combinada a um crescente êxodo e com uma grande parcela dos moldavos que permanece e se considera infeliz: 


Os moldavos são as pessoas mais infelizes do mundo. Isso é de acordo com dados da World Values ​​Survey, cujos pesquisadores entrevistaram dezenas de milhares de pessoas em mais de 60 países durante a última década. Apenas 44% das pessoas na Moldávia disseram estar felizes, a proporção mais baixa de todos os países pesquisados. A Moldávia é realmente um lugar tão infeliz e por quê? Essas estatísticas da World Values ​​Survey são frequentemente citadas em um crescente corpo de pesquisas acadêmicas sobre o que causa felicidade e quais suas implicações para as políticas públicas. Muitas vezes, as respostas para a pergunta "você está feliz?" são calculadas com as de outra pergunta ligeiramente diferente - "você está satisfeito com sua vida?" - para produzir uma medida mais ampla chamada bem-estar subjetivo. A Moldávia também fica por último nesta contagem.5

 Acrescente-se aos ingredientes desse mal estar, o declínio da economia da Moldávia, totalmente despreparada para a pandemia de COVID-19. Mais do que em outros países europeus, as medidas de contenção da propagação da pandemia resultaram em grande impacto socioeconômico e aprofundaram ainda mais as desigualdades pré-existentes, um dos motores dessa insatisfação endêmica. Com uma grande parte da população trabalhando em setores de risco e muitas vezes na informalidade, pouco poderá fazer para seguir protocolos de proteção do governo: "A crise COVID-19 também está afetando os trabalhadores migrantes na Moldávia. A imposição de medidas de quarentena e o fechamento de empresas fizeram com que milhares de residentes na Rússia e na Europa perdessem empregos. Além disso, com os países aumentando o controle em suas fronteiras e introduzindo restrições à liberdade de movimento, os migrantes que trabalham não podem retornar aos seus países de origem. Isso já levou a uma queda nas remessas, um fator-chave no apoio econômico a muitas pessoas[…] O período prolongado de subinvestimento, informalidade e mudanças demográficas exacerba as tensões sobre a proteção social, saúde e outros sistemas de assistência.”6

    Certamente poucos já devem ter ouvido falar ou se interessaram, espontaneamente, pelos acontecimentos e o destino desse distante e desconhecido país, pois nem mesmo seus vizinhos de fronteira parecem se importar com ele. Trata-se, pois, de um dos países mais pobres da Europa, distante e fora do mapa turístico, sem qualquer poder de influencia na política regional ou global, com problemas internos e externos. No entanto, União Europeia e Rússia se alternam nas ingerências locais e mantém curioso interesse em exercer o poder sobre o minúsculo país que se encontra em lugar nenhum no imaginário popular; além da Europa e aquém da Ásia. Enquanto nações poderosas mostram suas garras e ameaçam aquela região, as evidências do cotidiano de seus moradores que atualmente acrescentaram a pandemia na sua lista de inimigos a serem combatidos vão revelando tristeza, falta de otimismo, ceticismo e um movimento e consequente desejo em deixar o país para trás em busca de outros horizontes mais promissores, passando aos lobos o cuidado de suas ovelhas, perdendo assim a chance de continuar contribuindo com a construção de sua própria nação.

_____________

1) Termo utilizado por Guilherme Canever em seu livro “Uma viagem pelos Países que não existem”: Canever, G. Uma viagem pelos países que não existem”. Curitiba: Pulp Edições, 2016.

2) Sukhopara, F. N. Moldova.   Disponível em: <https://www.britannica.com/place/Moldova>. Consultado em: agosto de 2020.

3)Iavorschi, A.  The Problem of National Identity in the Republic of Moldova: Moldovanism and Romanianism . Rivista di etica e scienze sociali / Journal of Ethics & Social Sciences. Roma: Angelicum University Press (AUP). Anno 11 Numero 3, Ottobre 2012, p. 34.

4)  Latham, E. Moldova. Disponível em: https://www.britannica.com/place/Moldova>. Consultado em: agosto de 2020.

5)  Disponível em: <https://www.welcome-moldova.com/articles/moldova-unhappiest-country.shtml>. Consultado em agosto de 2020.

6) COVID response: Social. Disponível em: <protectionhttps://www.md.undp.org/content/moldova/en/home/covid-19-pandemic-response/national-response-to-COVID19/socialprotection.html>. Acesso em agosto de 2020.

Nenhum comentário:

Postar um comentário