Nós somos os povos esquecidos do mundo
Ibrahim Traoré
No dia 25 de maio se comemora a Libertação Africana, data que marca a criação da Organização da Unidade Africana, hoje conhecida por União Africana. Em 1963, ano em que foi fundada, os países africanos passavam por um processo de descolonização, lutavam por sua independência em meio a turbulências e incertezas políticas na busca da superação do imperialismo e do (neo) colonialismo. O sonho de uma terra livre e soberana movia diferentes povos em um mesmo continente. Depois desses 62 anos da criação dessa organização que redesenhou as relações internacionais no continente africano, seus membros ainda não viram ser alcançada a autonomia tão almejada. A luta contra o subdesenvolvimento e pela libertação dos grilhões que seus (ex) senhores colonizadores teimam em manter no que se conhece por neocolonialismo continua:
Mas não nos enganemos: esses problemas podem ser históricos e duradouros, porém de forma alguma são problemas que possamos considerar como “naturais”, pois sempre que seguimos o rastro do endividamento, subdesenvolvimento ou terrorismo, chegamos nos mesmos agentes ocidentais e aliados, responsáveis pela colonização, escravidão e sistemas de apartheid/segregação racial que assombraram África e sua diáspora nos últimos 4 séculos... Hoje, talvez o maior símbolo da continuidade da luta dos povos africanos por um novo presente e futuro esteja em Burkina Faso, Mali e Níger, recentemente unidos na Aliança dos Estados do Sahel (AES na sigla em francês). O processo atual se inicia em 2020, quando uma junta militar toma o poder do Mali, removendo o então presidente alinhado com os interesses franceses e ocidentais. Burkina Faso e Níger seguiram o exemplo do vizinho e desde então os 3 países tem assumido a linha de frente de uma luta ferrenha contra o Ocidente organizado.(1)
Ibrahim Traoré assumiu a presidência de Burkina Faso em outubro de 2022 e, desde então, vem sendo demonizado por governos que ao longo de décadas desenvolveram suas políticas predatórias que vêem a África como uma fonte inesgotável de riquezas apenas a ser explorada à revelia da vontade de seu povo. Isso pode ser atribuído à França, seu eterno algoz e a outros neocolonizadores como os Estados Unidos e a Grã-Bretanha.
Há um grito que ecoa na região do Sahel que chegou à Europa: “La France degage!” (“Fora França!”), que ecoa há muito tempo na África Ocidental. Esse grito é contra o nefasto e contínuo legado do colonialismo francês na região. Essa mobilização já via seus resultados no Senegal, com movimentos de base em 2018 e uma promessa de campanha do então recém-eleito presidente Bassirou Diomaye Faye, de liberar o país do sistema monetário neocolonial do franco CFA, culminando em golpes militares apoiados pela população no Mali, Burkina Faso e Níger e à consequente expulsão das forças militares francesas desses países entre 2021 e 2023.
Bandeira: Burkina Faso
Em Burkina Faso, Ibrahim Traoré buscou novas alianças e rompeu com antigas parcerias com a França, Inglaterra…, que só souberam explorar e subjugar o país como o fizeram também nas demais ex-colônias. Enquanto líderes africanos subservientes governaram seus países ao longo de décadas, vendo suas riquezas, como o ouro de Burkina Faso, sendo extraídas e enviadas ao exterior, em um movimento de sequestro e privação dos cidadãos africanos, Traoré busca a autoafirmação do seu povo por meio de um caminho de desenvolvimento e independência e autossuficiência em vários setores de suas vidas. Completamente ignorados até então pelos (ex)colonizadores e seus governos fantoches, populações inteiras se unem a novos líderes que vêem um futuro a ser construído sem a presença neocolonial.
Recentemente, em visita à Rússia, falou para seu anfitrião Vladimir Putin: Burkina Faso, assim como outras nações africanas, busca, em meio às turbulências, reafirmar seu direito ao desenvolvimento independente e ao protagonismo próprio em um novo mundo que se desenha. A forma mais bárbara e violenta de neocolonialismo e de imperialismo devem ser vencidas com a força e a participação popular.
Taoré sabe que não será fácil lutar contra aqueles que se acostumaram a ver seu país como submisso e controlado. Novas alianças com países do sul global, com o Brics e com a Rússia, a formação de um Bloco das nações da região do Sahel são algumas das alternativas para o combate a relações de submissão e dependência aos antigos exploradores. Sahel(2) é a palavra árabe que significa "costa" ou “fronteira", corresponde à faixa de transição no continente africano, que separa o deserto do Saara e a região das savanas, indo do oceano Atlântico a oeste até o Mar Vermelho a leste. Trata-se de uma região semiárida, que se estende da Mauritânia ao Sudão, compreendendo partes do Senegal, Mali, Burkina Faso, Argélia, Níger, Nigéria, Chade, Camarões, Sudão do Sul, Etiópia e Eritreia. No plano internacional, principalmente os ex-colonizadores franceses davam suporte e elogiavam Déby (presidente do Chad) por sua lealdade inabalável em combate a grupos como o Boko Haram, a Al Qaeda e o Estado Islâmico naquela região. Ao mesmo tempo que recebia esse apoio à ativa participação em operações de contraterrorismo, o Ocidente ignorava a repressão e violação de direitos humanos, a crescente corrupção e desmandos no país. Hoje, quando Traoré busca o apoio da população para o combate aos terroristas na região, o governo francês chama seus combatentes de milícia tentando desclassificar qualquer ação sua que não esteja subalterna ao poderio militar estrangeiro (francês). “Burkina Faso anunciou, nesta segunda-feira (28), o desmantelamento de um plano de desestabilização interna, em mais um episódio que revela as complexas dinâmicas de poder que atravessam a região do Sahel. A informação foi divulgada por meio de um relatório oficial dos serviços de inteligência do país, segundo o qual setores internos, em articulação com interesses estrangeiros, estariam preparando ações para desestabilizar o governo de transição, liderado por Ibrahim Traoré”.(3) A forma mais bárbara e violenta de neocolonialismo e de imperialismo está, portanto, sendo enfrentada com êxito. Traoré busca compartilhar com seus concidadãos o desejo de libertar-se do passado nefasto do colonialismo e afirma, parafrasendo Thomas Isidore Noël Sankara, militar, revolucionário marxista, pan-africanista e líder político de Burquina Fasso, que “o escravo que não é capaz de realizar sua própria revolta não merece pena de seu destino.” O Pan africanismo de verdade está de volta na forma de uma luta anticolonial. Se Donald Trump está ameaçando Traoré, sabemos que há por trás de suas ameaças o claro interesse em continuar explorando os recursos do país, empobrecendo sua população e mantendo o controle sobre seus governos marionetes. Construir uma refinaria de ouro tirando-a das mãos de estrangeiros aproveitadores, buscar independência energética com a ajuda de novos parceiros, evitar a exportação de commodities agrícolas para utiliza-las em benefício da população, desenvolver a indústria farmacêutica e o transporte ferroviário, assistir a população na saúde e na educação, além de buscar a união dos africanos para formar um grande bloco de países emancipados no Sahel, tudo isso mobilizando a população e afastando-se dos neocolonizadores, são fatores que incomodam os poderosos; os mesmos que, historicamente, vêem a África apenas como um continente a ser explorado e saqueado.
Localização de Burkina Faso na região do Sahel (África).
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(1) Assis, L. Do Cabo ao Cairo, de São Paulo a Madagascar, por uma África livre. Disponível em: <https://www.brasildefato.com.br/2025/05/25/do-cabo-ao-cairo-de-sao-paulo-a-madagascar-por-uma-africa-livre/>. Acesso em: mai 2025.
(2) "Sahel, Sāḥil árabe, região semi-árida da África ocidental e centro-norte que se estende do Senegal ao leste até o Sudão. Forma uma zona de transição entre o árido Saara (deserto) ao norte e o cinturão de savanas úmidas ao sul. O Sahel se estende do Oceano Atlântico ao leste através do norte do Senegal, sul da Mauritânia, a grande curva do rio Níger no Mali, Burkina Faso (antigo Alto Volta), sul do Níger, nordeste da Nigéria, centro-sul do Chade e no Sudão." Disponível em: <https://www.britannica.com/place/Sahel>. Acesso em: nov. 2020.
(3) Burkina Faso desmantela plano de desestabilização e expõe pressões externas na África Ocidental. Disponível em: <https://www.brasil247.com/mundo/burkina-faso-desmantela-plano-de-desestabilizacao-e-expoe-pressoes-externas-na-africa-ocidental>. Acesso em: mai, 2025.
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