Ontem fui ao cinema do Dragão do Mar em Fortaleza (meu preferido na cidade, pois não sou chegado a cinema de shopping) para assistir ao longa SAUDOSA MALOCA de Pedro Serrano. Uma bela e nostálgica surpresa. O filme, uma narrativa a partir das músicas do Adoniran Barbosa, gênio das histórias do cotidiano de São Paulo, centro e subúrbio, conseguiu emplacar uma bela homenagem ao autor/músico, dos melhores do Brasil. Nostálgico porque está intimamente ligado a nosso passado "remoto e ancestral", quando, na radiola da sala, rodavam os vinis com suas capas coloridas e ilustradas com fotografias planejadas, revelando apenas o momento de sucesso de seus artistas. O que passaram para chegar até ali nem se imaginava, principalmente nós crianças, que só os ouvíamos porque não tínhamos ainda autonomia para escolher o que ouvir. Passei todo o filme com certa saudade, sem saber exatamente de que... Da radiola da sala com seus pés palitos ou da montanha de discos que, em sua maioria pertencia ao irmão mais velho e, portanto, não significavam nosso gosto?
Talvez isso mas também o entorno da música que ressoava aos domingos na casa com ampla sala de piso de mosaico encerado com cera Cachopa, portas escancaradas para entrar a luz do sol e dizer que todos se encontrariam ali, na rua Úrsula Garcia (nem sabia, naquela altura, que era o nome de uma escritora), para o almoço de domingo. É um filme de reminiscências e lembranças de um Brasil passado, não sei se bom ou ruim, mas passado e que é facilmente recuperado pela memória musical que costura o filme e possibilita a construção de um passo a passo pela escrita do compositor. Ítalo, que ainda não completou trinta, estava comigo. Foi preciso descrever para ele um pouco do Brasil da minha infância, dizer que aquela Iracema do filme, que "morreu ao atravessar na contra-mão" é a mesma da música "Iracema" do Adoniran, e outros detalhes históricos que a juventude desconhece ou ignora. A música "Saudosa Maloca" é, além de ponto de partida, desfecho e chegada. Paulo Miklos, que é, além de grande musicista ótimo ator conseguiu, no caso, incorporar o Adoniran, o compositor bem posto no recinto paulistano, seu mundo. Amei a presença de Gero Camilo como o Mato Grosso. O cinema gosta mais de galãs, já se queixou Gero há algum tempo, esse mesmo Gero que volta às telas num papel a sua altura e dá, muito bem, conta do recado. Já o "terceiro elemento", Gustavo Machado, é o tal Joca, um típico e decadente descendente de italianos, que incorporou a malandrice paulistana da periferia e tem em Jaçanã seu habitat, onde vive, óbvio, sob as asas da matriarca. As histórias de uma São Paulo que já não existe mais também passa por Cícero, vivido por Sidney Santiago, que “Adoniran” insiste em chamar de "Ciço", o jovem garçom de um bar, local de passagem e parada obrigatória do compositor. Foi difícil explicar ao jovem companheiro que comigo assistia ao filme como remeter cada uma de suas cenas e histórias às letras das diferentes músicas do Adoniran. Explicar que aquela paixão dos tres amigos por Iracema (Leilah Moreno) já tinha sido imortalizada com a ajuda do samba: "'Iracema', eu perdi o seu retrato...". O grupo de amigos sobreviventes e "salvos" pela música vê suas vidas ameaçadas quando "o bairro do Bixiga começa a passar por grandes transformações e a metrópole paulistana vai sendo lentamente engolida pelo 'pogréssio'". Meu amigo compreendeu melhor quando, de volta ao carro, pude mostrar-lhe, mais didaticamente, o elo entre filme e compositor, com ajuda das músicas cantadas por Elis Regina em parceria com o próprio Adoniran. Tudo ficou mais claro e foi mais fácil mostrar para o jovem mancebo, a partir daí, como o filme nasceu daquelas músicas inesquecíveis do Adoniran.
Antonio CR Tupinambá
Fortaleza abril de 2024.
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