POLIS

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O projeto nasce com foco no comportamento político nas sociedades contemporâneas e nos efeitos dos movimentos sociais e políticos atuais sobre as liberdades e processos emancipatórios, bem como seus impedimentos em escala local, nacional e global. Tem por objetivos o desenvolvimento de um campo interdisciplinar de reflexão e prática investigativa e divulgadora, reunindo debates em torno de questões como: preconceito, racismo, sexismo, xenofobia, movimentos sociais, violência coletiva social, relações de poder, movimentos emancipatórios de povos e nações, valores democráticos e autoritarismos, laicidade, análises de discursos e ideologias, de universos simbólicos e práticas institucionais. Nessa perspectiva, o Polis atua desde sua criação formal em 2013, como projeto de extensão e em 2015 como Blog para divulgação e atualização.

quinta-feira, 17 de junho de 2021

O perigo de ser mulher na Índia

 



                Protesto em Nova Deli, Índia, contra estupro de mulheres. @picture-alliance



    O segundo mais populoso país do mundo é também um dos mais perigosos para as mulheres.  A cada 15 minutos é reportado um novo ataque sexual ou estupro a uma mulher no país. Segundo  Sudarshan Varadhan(1), o estupro coletivo e o assassinato de uma mulher em um ônibus em Nova Delhi, em 2012, levou dezenas de milhares de pessoas às ruas em toda a Índia e estimulou o engajamento e ação de estrelas de cinema e políticos, para que se tivesse punições mais severas e novos tribunais agindo rapidamente frente a casos de violência sexual contra as mulheres. 

    No entanto o que se constata é que pouco mudou no decorrer dessa década e desde 2018 quando foram relatados quase 34.000 estupros. Naquele período, enquanto pouco mais de 85% resultaram em acusações formais, apenas 27% desses criminosos chegaram a ser condenados, de acordo com o relatório anual de crimes divulgado pelo Ministério do Interior; um quadro que parece não querer mudar. Grupos feministas afirmam que os crimes contra as mulheres costumam não ser levados a sério e geralmente são investigados por policiais sem muita sensibilidade. Talvez a única mudança atual mais significativa aconteça no quesito divulgação de informação sobre os acontecimentos nesse campo. Os muitos casos brutais de crimes sexuais começam a deixar o ambiente social, policial e familiar restritos para alcançar as manchetes, inclusive na mídia internacional. Esses crimes antes circunscritos aos locais em que ocorriam, muitas vezes negligenciados pela população e autoridades policiais, cada vez ecoam com mais intensidade dentro e fora da Índia, o que permite ampliar o debate para evitar a tradicional impunidade dos agressores e se deixar de culpabilizar as próprias vítimas pela desgraça que lhes é causada. Como reflexo dessa mudança, até mesmo o inerte governo indiano nessas questões de direitos e proteção às mulheres se viu obrigado a não mais ignora-las, vendo-se forçado a rever as leis para coibir abusos sexuais contra mulheres e garantir mais segurança a esse grupo altamente vulnerável e desprestigiado em uma sociedade patriarcal, machista e discriminatória. O perigo para as mulheres indianas reside na própria estrutura social, que ignora e, portanto, continua permitindo a exploração de mulheres através de práticas medievais como o tráfico para trabalhos domésticos, trabalhos forçados, casamentos forçados, e até mesmo para a escravidão sexual. O alto risco de violência sexual no país coloca a Índia à frente de um placar vergonhoso no quesito feminicídio e estupro de vulneráveis superando países como o Afeganistão e a Síria nesse ranking maldito, mesmo estando esses dois países devastados por guerras e conflitos internos, quando se sabe que nessas situações há muitos crimes de guerra que aumentam as chances das mulheres serem vítimas de abusos dessa natureza. Uma colocação mundial vergonhosa e reveladora da dimensão do problema na Índia e de sua dificuldade ou atraso em trabalhar para que possa mudar esse quadro desolador, o que demandaria vontade política e mudanças socioculturais profundas. “A Índia também foi o país mais perigoso do mundo por práticas culturais retrógradas que afetam as mulheres […] apontando para questões como mutilação genital feminina, ataques de ácido e casamento infantil”.(2)

    Algum otimismo para que seja lançado um novo olhar nessa realidade trágica para as mulheres indianas pode vir de mudanças políticas. A vitoria eleitoral que Mamata Banerjee e seu partido obtiveram em Bengala Ocidental, derrotando o partido nacionalista hindu Bharatiya Janata (BJP) do primeiro-ministro Narendra Modi, desafiando muitas previsões, foi um dia histórico para as mulheres na Índia. Com essa vitória, Mamata Banerjee assegurando seu mandato como ministra-chefe passa a ser a única mulher em uma posição tão importante na Índia. Banerjee fez alguns ajustes notáveis ​​em Bengala Ocidental, reservando 50% dos assentos em órgãos locais para mulheres, priorizou o enfoque nas eleitoras consolidando uma sólida base de apoio entre as eleitoras do estado. A vitória de Banerjee representou não apenas uma forte oposição a Modi, mas também a tornou uma mulher poderosa em um país patriarcal. Ninguém esqueceu do trágico ataque que sofreu uma estudante de 20 anos, conhecida apenas como Jana, encurralada por dois homens em uma vila localizada a cerca de 100 quilômetros a oeste de Calcutá, a principal cidade de Bengala Ocidental. O slogan da campanha de 2016 de Banerjee, ‘Maa, Maati, Manush (mãe, pátria, povo)’, priorizou as questões femininas. O brutal incidente de estupro e assassinato de uma mulher dalit em Hathras, Uttar Pradesh (UP), também continua vivo na memória coletiva da população; destaca-se o fato de que, "de acordo com o National Crime Records Bureau, o estado de Uttar Pradesh (UP) sozinho foi responsável por quase 15% de todos os crimes registrados contra mulheres na Índia em 2019. Outro estudo descobriu que entre 2017, quando Yogi Adityanath se tornou o ministro-chefe de UP em 2019, o estado registrou o maior aumento de crimes contra mulheres no país, chegando a 66,7% do total nacional. A imagem de Adityanath de um ministro-chefe que não pode controlar os crimes contra as mulheres não foi bem recebida pelas mulheres de Bengala. Uma jovem bengali observou com desprezo: 'Yogi deve tentar colocar sua própria casa em ordem antes de falar sobre outros estados'”.(3) Enfim, para as mulheres de Bengala Ocidental e para muitas outras na Índia, foi animador poder testemunhar a vitória histórica de Mamata Banerjee sobre o maior partido político do país, o Bharatiya Janata Party (BJP), nas eleições de 2021 para a assembleia do seu estado.

    Vitórias dessa natureza são significativas para que se construam oportunidades concretas das mulheres combaterem eficazmente os crimes sexuais que assolam suas vidas e para que possam encontrar meios de se sentirem valorizadas. Outra estratégia da qual as mulheres têm lançado mão para efetivar essa luta tem sido sair às ruas e exigir das diferentes autoridades no país maior atenção a suas demandas legítimas de respeito e proteção. "Vrinda Grover, advogada da Suprema Corte especializada em casos de agressão sexual, disse que a disposição das mulheres em denunciar crimes sexuais cresceu ‘milagrosamente' […] 'As mulheres estão lutando contra muitas adversidades e não estão desistindo’ […] 'Mesmo que tenham que sair de casa ou deixar suas famílias, elas buscam justiça. O sistema agora está sendo mais desafiado’. Muitos juízes e policiais também surgiram como líderes na 'tentativa de fazer o sistema funcionar.’”(4)

    Mudanças no sistema político e de justiça e principalmente respostas positivas da sociedade a essas mudanças são necessárias para que a Índia deixe de ocupar este triste posto no pódio das campeãs em violência sexual e discriminação contra as mulheres. Sequer um programa de proteção a vítimas de estupro e de suas testemunhas ou treinamento adequado dos funcionários envolvidos com os procedimentos de promoção de justiça e combate a esses crimes existem no país ou, quando previstos não funcionam adequadamente. Há uma grande dificuldade cultural na sociedade indiana em lidar com essa realidade misógina e defender de fato mudanças para que ela seja substituída por respeito às mulheres.  “Leva tempo para mudar a mentalidade, mas o governo indiano deve garantir assistência médica, aconselhamento e apoio jurídico às vítimas e suas famílias e, ao mesmo tempo, fazer mais para sensibilizar os policiais, oficiais do judiciário e profissionais médicos sobre o tratamento adequado de casos de violência sexual’, afirma Meenakshi Ganguly, diretora da HRW para o sul da Ásia.”(5) 

O governo não pode continuar fechando os olhos para o problema e maquiando as estatísticas oficiais, subestimando o número de estupros, por ainda ser considerado um tabu, bem como dificultando sua simples denuncia, transformando-os em assassinatos(6) comuns em nome da hipocrisia política e da manutenção de uma cultura de violência e misoginia.


Antonio C. R. Tupinambá

Fortaleza, 17 de junho de 2021.

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(1) Varadhan, S. One woman reports a rape every 15 minutes in India. Disponível em: <https://www.reuters.com/article/us-india-crime-women-idUSKBN1Z821W>. Acesso em: 17 jun. 2021.

(2) Segundo pesquisa realizada pela Fundação Thomson Reuters. 

Is India the worst place in the world to be a woman? Disponível em: <https://www.dw.com/en/is-india-the-worst-place-in-the-world-to-be-a-woman/a-44406279>. Acesso em: 17 jun. 2021.

(3) Kazim, R. How the Women of Bengal Carried Mamata Banerjee to Victory. Disponível em: <https://thewire.in/politics/west-bengal-women-voters-mamata-banerjee>. Acesso em: 17 jun. 2021.

(4) Indian women still unprotected five years after gang-rape that rocked nation. Disponível em: <https://www.theguardian.com/world/2017/nov/08/indian-women-still-unprotected-five-years-after-gang-rape-that-rocked-nation>. Acesso em: 17 jun. 2021.

(5)idem.

(6) Varadhan, S. One woman reports a rape every 15 minutes in India. Disponível em: <https://www.reuters.com/article/us-india-crime-women-idUSKBN1Z821W>. Acesso em: 17 jun. 2021.


quarta-feira, 16 de junho de 2021

7 x 1

                 Torcedora senta na chuva após a derrota do Brasil contra a Alemanha - Jorge Silva/AP




    2014 foi o ano da goleada histórica da Alemanha sobre o Brasil. Na partida que decidiria um dos finalistas da 20a Copa do Mundo da FIFA no Brasil, a seleção canarinha foi humilhada pelo time alemão, perdendo o jogo por 7 a 1.

    A derrota massacrante no último jogo disputado pelo Brasil na semi-final dessa copa no Estádio Mineirão, em Belo Horizonte (MG), o famoso 7x1 se estendeu pelo país e poderia representar sete derrotas nacionais que também tivemos naquele ano.

    A merecida goleada tomada pela nação de chuteiras foi apenas o coroamento de sucessivas goleadas que a população brasileira levaria ao longo do ano de 2014. 

    O primeiro gol contra o Brasil veio do Maranhão. Um vídeo divulgava rebeliões, fugas e mortes por decapitação com requintes de barbárie no Complexo Penitenciário de Pedrinhas. Retrato da falência do sistema prisional com superlotação, falta de eficiência do poder judiciário, de medidas sócio-educativas e de reabilitação etc. além da má administração prisional com seus muitos vícios. 

Em fevereiro o segundo gol revela, simbolicamente, uma involução social que se aprofundava no país: um adolescente que teria tentado fazer um assalto foi espancado e preso nu a um poste na zona sul do Rio de Janeiro. Os justiceiros se sentiram bem representados pela jornalista do SBT, Rachel Sheherazade, que afirmou em rede nacional ser compreensível a atitude dos vingadores. Os monstros da TV e da mídia começavam a por as garras de fora e mostrar a que vieram. 

    Um terceiro gol de placa veio também com a abertura em 17 de março da Operação Lava Jato, que não só quis desestabilizar esquemas de corrupção na Petrobrás mas fez um pacto com o lado podre da nação, tornando-se uma farsa e levando o país ao caos atual.

O quarto gol, de não menor repercussão, gerando incredulidade e perplexidade na platéia se espalhou pelas ruas em um movimento crescente que havia começado em 2013. Começaram a dividir esse país perplexo e manipulado, agora também pelas forças da internet e seus recursos midiáticos. O fundamento para um futuro golpe político estava sendo plantado e regado.

    No gol de número cinco, cinco dificuldades que representam e impediram Dilma Rousseff, presidente reeleita, a tomar as rédeas em Brasília e viabilizar seu novo mandato. As circunstâncias econômicas e políticas dificultavam o anúncio de um comandante para a área econômica, a de maior expectativa do mercado; continuou sua saga com o imbroglio na “manobra fiscal” para que o governo pudesse cumprir a meta de superávit primário estabelecida em 2013; as repercussões da Lava Jato e o escândalo de corrupção na Petrobrás continuariam em pauta por um longo tempo, minando suas bases de apoio e seus planos de governabilidade; o início e intensificação de protestos a favor da implementação de um impeachment contra a presidente recém reeleita, inclusive com acenos para a “volta do regime militar” seguido por suas dificuldades face a uma iminente derrocada na economia, que a candidata Dilma havia se esforçado para esconder durante o período eleitoral. 

    O sexto gol também reverberante no estádio e fora dele, o gol que antecipou o fiasco brasileiro no campo também refletiu o estado geral da nação insatisfeita, frustrada, manipulável e, portanto, favorável à idéia de impeachment. Forças ocultas posteriormente catalisadas por um PMDB traidor e ardiloso, que maquiavelicamente desembarcou do projeto de governo do qual fazia parte  mantendo, na surdina e com o aval do vice-presidente Temer, um algoz para Dilma Rousseff: o corrupto, inescrupuloso e agressivo deputado Eduardo Cunha.

    O sétimo gol, o tiro de misericórdia efetuado pela Alemanha contra o Brasil no jogo que tiraria a pátria verde e amarela da disputa final, foi também o gol que desmoralizou a nação do futebol, e deixou-a sem chuteiras, ajoelhada frente à nova potência internacional do esporte, o time de Toni Kroos. A seguir, restou ao Brasil assistir à Alemanha consolidar sua prestigiosa campanha na 20a Copa do Mundo da FIFA, ao vencer a Argentina na partida final, quando levantaria a taça, merecidamente, de campeã em 2014.

    Em dezembro o Prêmio de consolação para o Brasil e para Dilma Roussef, o único gol, foi a finalização do relatório da Comissão da Verdade, que havia investigado os crimes cometidos durante a ditadura. O documento apontou 377 pessoas como responsáveis pela tortura e assassinatos entre 1964 e 1985. Dilma, que também foi presa política e participou da luta contra o regime militar afirmou na ocasião:  “Estou certa de que os trabalhos produzidos pela comissão resultam do esforço pela procura da verdade, respeito da verdade histórica e estímulo da reconciliação do país consigo mesmo, por meio da verdade e do conhecimento”. O que poderia ser o início de um necessária prestação de contas histórica para que o país se redimisse de seu passado recente sanguinário e cruel foi ofuscado pela política suja com seu crescente estímulo à adesão a atos antidemocráticos que culminou com o golpe de 2016 contra a presidente. 

terça-feira, 15 de junho de 2021

Em Lima se instala o Peru rural!




                        Pedro Castillo, vencedor das eleições presidenciais no Peru em 2021.



O fujimorismo, que nasceu com o autogolpe político-militar do ex-presidente peruano Alberto Fujimori insiste em querer se perpetuar no país andino, nosso vizinho. Naquela altura ouviu-se falar de mais de duzentos mil mulheres sendo esterilizadas compulsivamente, além de um acordo escuso com o Fundo Monetário Internacional (FMI), que foi a base de uma ditadura de sustentação a uma elite para dominar o país e permitir a permanência de Fujimori por dez anos no poder.  Condenado em 2009 a 25 anos de prisão por massacres sucessivos a membros do grupo guerrilheiro Sendero Luminoso e do Movimento Revolucionário Tupac Amaru; envolvido em escândalos de corrupção e fugitivo da justiça  o ex-presidente deve permanecer preso até 2032. Fujimori também foi considerado culpado pelos assassinatos ocorridos em La Cantuta, região serrana próxima a Lima. Ainda entram para sua conta nove estudantes e um professor da Universidade Nacional Enrique Guzmán y Valle que foram sequestrados e mortos. Na sua longa lista de crimes não podem ser esquecidos os sequestros do jornalista Gustavo Gorriti e do empresário Samuel Dyer, mantidos reféns no porão do Serviço de Inteligência do Exército. O grande sonho da filha candidata ao posto mais alto no Peru, Keiko Fujimori, seria indultar o pai condenado. O país se livrou deste destino cruel com a vitória do seu opositor, o esquerdista  Pedro Castillo, que venceu as eleições presidenciais com menos de 1% de diferença de votos. A Força Popular, partido liderado por Keiko, também perdeu representatividade no parlamento. Com apenas 7,1% dos votos, o seu partido deve chegar a somente 12 das 130 cadeiras, o que aponta para a perda de influência do fujimorismo no país. Resistências em setores da sociedade com lembranças ruins dos tempos de desrespeito aos direitos humanos e alta corrupção  se misturam à simpatia dos que relatam sobre os anos de terrorismo e seu combate pelo pai de Keiko, levando os eleitores a uma grande polarização. A posição de Castillo, professor rural e sindicalista, em favor à renegociação das condições de exploração das empresas de gás e mineração, custaram-lhe falsas acusações de querer implementar o comunismo no Peru. Por essa posição o candidato recebeu os maiores ataques de seus adversários durante a campanha. A comparação mais comum é a de que Castillo vai transformar o Peru em outra Venezuela. Não por menos, o político que faz oposição ao governo naquele país Leopoldo López foi ao Peru para se engajar na campanha em favor de Keiko Fujimori. Essa falsa afirmativa foi amplamente explorada pela imprensa, televisão e viralizada nas redes sociais.


Nascido há 51 anos em uma minúscula aldeia da serra de Cajamarca, nos Andes, Castillo entrou na política depois de protagonizar uma greve sindical de professores que o tornou popular em 2017. Tentou formar seu próprio partido de professores, mas não conseguiu coletar assinaturas, pois o processo coincidiu com o início da pandemia. Acabou aderindo, mais por conveniência do que por convicção, ao Peru Livre, uma formação regional, a primeira que pode chegar à presidência vinda da periferia.(1) O chefe do partido é Vladimir Cerrón, um político de esquerda dogmático e populista. A influência de Cerrón no gabinete de Castillo é outro mistério. O professor negou-o em público várias vezes, sabendo que Cerrón é muito impopular na esquerda mais centrada e urbana. Por aí vieram muitos dos ataques do fujimorismo. Por exemplo, o temor de não respeitar as instituições.(2)


A vitória, mesmo que apertada de Pedro Castilho sobre Keiko Fujimori nessas eleições, estanca o fortalecimento e crescimento do malfadado fujimorismo, apesar de não trazer em seu bojo uma promessa clara de evolução nos temas sociais. Ao contrário, já no início de sua campanha apresentou-se com propostas bastante retrógradas nesse campo. Afirmou abertamente ser afeito a valores cristãos conservadores e que, por exemplo, não apoiaria o casamento gay, apesar de que poderia propo-lo em uma nova constituição.  


Revolucionário na economia, mas conservador nos costumes, o candidato tem posições controversas sobre direitos das mulheres e minorias. Contrário ao matrimônio igualitário e à educação com perspectiva de gênero, Castillo é criticado por movimentos sociais progressistas por essa postura. Ao contrário de Keiko Fujimori, ele afirma que não está fechado ao avanço desse debate[…] Mendoza [candidata da esquerda alternativa urbana] afirma que há um caminho para o diálogo nesses temas. Essa foi a principal cobrança dela quando saiu o resultado do primeiro turno e gerou um pacto de 10 pontos em que o professor se compromete a aprofundar a democracia e a respeitar as minorias, os povos originários e os direitos humanos.(3)


O apoio da esquerda moderada, representada por Verónika Mendoza veio em 5 de maio, após as votações de primeiro turno.  Isso levou Castillo a rever suas posturas, declarando que iria refundar o Estado, aprofundando a democracia, garantindo o exercício dos direitos para todos, em plena igualdade e sem nenhum tipo de discriminação. Ainda que não seja um representante autêntico de esquerda e, em alguns aspectos, retrógrado, principalmente em relação a determinadas políticas sociais e morais, é um passo inicial para evitar a escalada da peste fujimorista e para que ocorram as esperadas mudanças no conturbado cenário político do Peru. 


Antonio. C. R. Tupinambá

Fortaleza, 15 de maio de 2021.


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(1) Grifo nosso!

(2) Quesada, J. D.; Fowks, J. O Peru que o vencedor das urnas Pedro Castillo tem em mente. Disponível em: <https://brasil.elpais.com/internacional/2021-06-13/o-peru-que-o-vencedor-das-urnas-pedro-castillo-tem-em-mente.html>. Acesso em: jun. 2021.

(3) Rocha, L. Quem é Pedro Castillo, o sindicalista que se aproxima da vitória no Peru. Disponível em: <https://revistaforum.com.br/global/quem-e-pedro-castillo-o-sindicalista-que-se-aproxima-da-vitoria-no-peru/>. Acesso em: jun. 2021.