POLIS

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O projeto nasce com foco no comportamento político nas sociedades contemporâneas e nos efeitos dos movimentos sociais e políticos atuais sobre as liberdades e processos emancipatórios, bem como seus impedimentos em escala local, nacional e global. Tem por objetivos o desenvolvimento de um campo interdisciplinar de reflexão e prática investigativa e divulgadora, reunindo debates em torno de questões como: preconceito, racismo, sexismo, xenofobia, movimentos sociais, violência coletiva social, relações de poder, movimentos emancipatórios de povos e nações, valores democráticos e autoritarismos, laicidade, análises de discursos e ideologias, de universos simbólicos e práticas institucionais. Nessa perspectiva, o Polis atua desde sua criação formal em 2013, como projeto de extensão e em 2015 como Blog para divulgação e atualização.

sábado, 30 de janeiro de 2021

Mahatma Gandhi, um libertário?


 


Este ano se registra o septuagésimo segundo aniversário de morte do líder pacifista indiano, o advogado Mohandas Karamchand Gandhi, mais conhecido como "Mahatma Gandhi". A ele foi outorgado durante sua luta pela libertação da Índia do jugo britânico este título de "Mahatma". Palavra de origem sânscrita que significa “grande alma”, é tão associada ao líder indiano que muitas vezes se confunde com seu próprio nome. Também recebeu o título de "Pai da Nação" por conta dos movimentos por ele liderados e conhecidos como “não violência” e “desobediência civil”, que resultaram na independência da Índia. Antes de vir a ser o conhecido Mahatma, passou sua infância e juventude em Gujarat, estado no Oeste da Índia, tendo sido educado segundo os princípios da religião hindu. Aos treze anos, segundo a tradição da região em que vivia, casou-se com Kasturba Gandhi que naquela altura tinha catorze anos. Alguns anos depois do casamento mudou-se para Londres para estudar Direito e se tornar advogado. Logo que concluiu os estudos, seguiu para a África do Sul e só anos depois retornou a seu país. O movimento nacional que criou contra os desmandos dos colonizadores britânicos na Índia tinha como principais estratégias unir a população em torno de um mesmo modus operandi, com um mesmo objetivo. Greves de fome, paralisações, produção e consumo de artigos evitando a compra de mercadorias fabricadas que fortaleceriam o poderio econômico dos colonizadores estavam entre suas principais estratégias para viabilizar a autodeterminação e livrar os irmãos indianos da humilhação que significava viver sob o mando de uma monarquia usurpadora e estranha a sua cultura. A luta contra os britânicos incidiria sobre o volume dos impostos arrecadados e fortaleceria a união dos indianos: “se as leis são injustas e não fazem sentido, não há razões para respeitá-las”. Dentre esses grandes movimentos de reação aos desmandos dos colonizadores  está a “Marcha do Sal”,  que incentivava milhares de indianos a produzir seu próprio sal, o que ainda era proibido pela administração colonial. Outra ação de grande impacto foi a produção das próprias vestimentas a partir de tecidos por eles feitos, artesanalmente.


Apesar da unanimidade dos biógrafos de Gandhi sobre o decisivo papel que teve na libertação do povo indiano e na conquista da independência de seu país, críticas se formaram por, presumivelmente, ter contribuído para a permanência e até mesmo para o recrudescimento de muitos preconceitos na sociedade indiana. Havia outros membros do movimento independentista que se posicionavam pela abolição completa do sistema de castas, mas a postura de Gandhi terminou por prevalecer e influenciar uma solução intermediária que não permitia mais tratar os Dalits (aqueles indianos de fora do sistema de castas hinduístas) como impuros, intocáveis, contudo manteria uma sociedade dividida segundo sua hereditariedade. Há textos escritos por Gandhi que o revelam propagando a discriminação racial e de gênero, inclusive mostrando-se conivente com a segregação na África do Sul, onde viveu e atuou como advogado antes de retornar à Índia. Textos esses que também revelam sua oposição à liberdade sexual e a métodos contraceptivos, tendo feito voto de castidade aos 36 anos sem levar em consideração o desejo de sua esposa, a qual, dizem historiadores, tratava com desprezo.


No ano seguinte à proclamação de sua independência, a Índia perdeu seu filho mais célebre. Depois de ser alvejado e morto com três tiros a queima roupa por um fundamentalista hindu em 30 de janeiro de 1948 na cidade de Dehli, seus feitos pela paz foram ameaçados e, na ausência de um novo Mahatma, a Índia caiu em desespero, espalhando-se uma tragédia humana pelo país. Isso provava a força de Gandhi para unir seu povo, que na sua ausência terminou se dividindo em três nações, ao contrário do que desejara e contra tudo pelo que lutou. Tempos difíceis se avizinharam com sua morte. Parafraseando Saadat Hasan Manto, escritor indiano que viveu os tempos da libertação da Índia, identificou-se o aumento da violência também nos dias que se seguiram à sua morte: 


…nestes tempos difíceis que paralisam a sensibilidade humana, tudo parece absurdo: violência é paz, guerra é patriotismo, barulho é verdade, morte é estatística, estupro é política e Rama é um herói machista. Não é de admirar que, apesar de Kathua, da vigilância às vacas, dos linchamentos e da agressão diária, o país, dizem, está progredindo. Não é surpreendente. Imagine como os discípulos de (Veer) Savarkar celebraram o "momento doce" naqueles dias turbulentos de 1948: “…chegando notícias de que doces foram distribuídos nas cidades indianas de Amritsar, Gwalior e Bombaim para celebrar a morte de Mahatma Gandhi…” 


Gandhi, independente de revisões históricas sobre seu papel na construção da sociedade indiana, foi fundamental para promover a liberdade do seu povo e livrar seu país das garras dos colonizadores britânicos. Portanto, "Mahatma" mantém-se com ele, definitivamente, fazendo jus a um título honorífico concedido, por merecimento, a pessoas de sua magnitude. Enfim, sua repulsa à opressão do Estado sobre seus cidadãos o faz sim, um libertário.


Antonio C R Tupinambá

30 de janeiro de 2021.

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