Crianças no meio da guerra sem direito a escola.
A transição política esperada pelo Iêmen no período da Primavera Árabe falhou e acirrou seus problemas políticos internos. A esperança que vinha com a “Primavera política da região” foi substituída por um inverno longo, soturno e cruel que trouxe instabilidade, forçou o presidente Ali Saleh a passar o poder a seu sucessor, Abdrabbuh Hadi, levando-o a enfrentar uma série de problemas: ataques jihadistas, falta de apoio local e externo e incertezas sobre como se comportariam aqueles que seguiam leais ao ex-presidente. A ajuda humanitária foi inviabilizada no país fracionado pelas tropas rebeldes e forças hostis estrangeiras. Bloqueios terrestres, aéreos e marítimos orquestrados por coalizões comandadas pela Arábia Saudita, intervenção iraniana, política intervencionista estadunidense, movimentos separatistas internos passaram a promover um caos interminável. Em 2017 forças intervencionistas jogaram mais combustível no fogo da guerra: Donald Trump conseguia, naquela altura, agir para piorar a situação no Iêmen, o que Joe Biden, seu sucessor, segue fazendo. A mesma campanha de bombardeio fornecida pelos EUA de Trump que transformou escolas, hospitais, infraestrutura essencial e sítios antigos históricos em escombros é renovada por Biden. O bloqueio apoiado pelos EUA apenas impede o comércio de alimentos e bens básicos em um país que passa fome, além de trazer mais rivalidade entre os diferentes grupos internos em disputa. O movimento houthi atual alvo das bombas estadunidenses sempre foi uma pedra no sapato do então presidente Saleh. Quando os houthis avançaram em suas incursões terrestres aproveitando-se do pouco apoio e representatividade do presidente conseguiram tomar o controle das terras de Saada, a Noroeste do país e conquistaram sua capital, Sanaã. Enquanto isso o presidente Hadi não conseguia negociar com o grupo separatista, o que agravou a crise e inviabilizou ações de apoio à população devastada.
Escola improvisada nos escombros da guerra
O Iêmen está à frente nas piores estatísticas da ONU, se encontra entre os mais pobres dos pobres e luta para sobreviver, preenchendo todos os requisitos de um "país fracassado", segundo definição cunhada por Noam Chomsky. O governo rendido do presidente Abdu Hadi foi um aliado dos EUA, que cooperava com os ataques contra terroristas da Al-Qaeda. Atualmente, além do problema com sua divisão, há o medo maior do país aprofundar a crise com a explosão da violência entre muitas facções como já se vê no Afeganistão, Iraque, Líbia e Síria, nações que já provaram da malsucedida política externa intervencionista estadunindense. O melhor para os iemenitas seria que as grandes potências evitassem novas intervenções, uma política externa e estratégia que já se provaram desastrosas em todo o Oriente Médio. Assistimos perplexos às desproporcionais reações israelitas contra o povo palestino após o ataque terrorista do grupo Hammas a Israel e vimos, com clareza, que seria uma questão de tempo até que o conflito em Gaza se espalhasse para outras regiões. Lançando diversos ataques contra uma série de alvos houthis no Iêmen, torna-se falacioso aquilo que repetidamente disse o presidente Joe Biden sobre não quer ver a guerra de Israel na Faixa de Gaza se espalhar pelo Oriente Médio. A realidade é outra, já é possível registrar ações bélicas não apenas no Mar Vermelho, mas também em países como Líbano, Síria e Iraque. Os ataques ao Iêmen, em vez de buscar a paz, apenas incita a violência na região e colabora para a expansão do conflito Israel-Paliestina. Para os Houthis, quaisquer alvos americanos e britânicos se tornaram objetos de ataque das forças armadas iemenitas em resposta à agressão sofrida em seu território. Seguramente, ocorrerão outros ataques no Mar Vermelho em resposta aos bombardeios estadunidenses, determinando uma escalada na guerra com as bênçãos de Joe Biden.
Janeiro, 2024.
Antonio C. R. Tupinambá
Professor — UFC
E-mail: c_tupinamba@hotmail.com
O Iêmen é mais um dos "esquecidos convenientes" da geopolítica ocidental. Excelente análise, que patenteia (mais uma vez) o fracasso do intervencionismo estadunidense no Oriente Médio.
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