POLIS

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O projeto nasce com foco no comportamento político nas sociedades contemporâneas e nos efeitos dos movimentos sociais e políticos atuais sobre as liberdades e processos emancipatórios, bem como seus impedimentos em escala local, nacional e global. Tem por objetivos o desenvolvimento de um campo interdisciplinar de reflexão e prática investigativa e divulgadora, reunindo debates em torno de questões como: preconceito, racismo, sexismo, xenofobia, movimentos sociais, violência coletiva social, relações de poder, movimentos emancipatórios de povos e nações, valores democráticos e autoritarismos, laicidade, análises de discursos e ideologias, de universos simbólicos e práticas institucionais. Nessa perspectiva, o Polis atua desde sua criação formal em 2013, como projeto de extensão e em 2015 como Blog para divulgação e atualização.

sexta-feira, 18 de novembro de 2022

Parem com o genocídio do povo hazara no Afeganistão!/Stop Hazara Genocide in Afganistan!




Eu não acredito

Elyas Alavi (1)

Meu amado, se
a morte estiver aqui para você, que seja na forma de tuberculose
ou na forma de frio intenso,
não como presa de um atentado suicida.

Você deveria ter tempo
Para rever suas memórias,
Para rever as particularidades de seu corpo,
Para fazer planos para sua partida.
Para não sair de casa a pé
E só encontramos os sapatos no bazar.
Para nunca encontrar suas mãos ou seu sorriso.
Nunca para localizar seus olhos.

Com meus próprios olhos devo
testemunhar sua morte, seu último suspiro.
Meus dedos devem tocar suas pálpebras para fechar.
Caso contrário, ninguém vai acreditar, para sempre 
eu mesmo não vou acreditar.


Refugiado, inicialmente no Irã e posteriormente na Austrália, Alavi pode refletir profundamente sobre sua origem Hazara, usando "suas experiências e contemplações particulares como um modelo epistemológico para o deslocamento dos povos… Abordagem autoetnográfica que oferece uma perspetiva representativa para outras pessoas deslocadas e contribui para um conhecimento aprofundado da experiência do refugiado e da migração”. Alvin sabe que poucos dos seus concidadãos contam com a sorte que ele mesmo teve de escapar da guerra e encontrar um porto seguro alhures para escrever em paz sua poesia.  De outro modo, mas com a mesma intensidade, a análise do professor e escritor Niamatullah Ibrahimi,  no seu livro Os Hazaras e o Estado Afegão: rebelião, exclusão e luta pelo reconhecimento” sobre a construção do Estado no Afeganistão como uma reconstrução histórica que se baseia na dinâmica de seleção e exclusão na distribuição do poder do Estado, que resulta em hierarquias étnicas de poder.  Uma sociedade multiétnica, portanto, com diversos grupos étnicos, linguísticos e tribais o que explica muito de como se formou o atual país e como e porque chegou onde chegou, inclusive com uma distribuição desigual de poder em detrimento de determinados grupos, a exemplo dos hazaras. Além disso, afirma o professor, historicamente, a violência organizada tem sido usada como estratégia de poder político e os hazaras têm sido vítimas disso por muito tempo; enfim tudo indica a existência de uma discriminação sistêmica contra os hazaras, i.e., uma discriminação estrutural, um fenômeno antigo, profundamente enraizado na história do Afeganistão.(2)

Quem é mesmo o povo conhecido como Hazara, ao qual nos referiremos neste texto? Os “Hazaras" são muçulmanos, em sua maioria xiitas de origem afegã, famosos por sua poesia, transmitida oralmente através de gerações. Eles falam um dialeto do dari (farsi – dialeto persa) chamado hazaragi. O conflito entre muçulmanos sunitas e xiitas "deriva de uma interpretação variável do Alcorão Sagrado e da linhagem distinta de ambas as seitas". Onde quer que formem minoria, em casa ou além fronteiras os hazaras têm que conviver com a intolerância religiosa de seus semelhantes em etnia e em religião. Também no Paquistão, grupos extremistas recorrem à violência praticada por organizações governamentais de Estado que temem que o islamismo xiita cresça no país de maioria sunita: "Esses assassinatos seletivos existiram continuamente, mas atingiram níveis sem precedentes em 2013, com aproximadamente 700 xiitas assassinados, muitos dos quais eram hazaras no Baluquistão [província paquistã]. Os bombardeios em 2013 também ceifaram inúmeras vidas de Hazara, e tal violência acabou levando a protestos, incluindo a recusa de enterrar os cadáveres até que o governo paquistanês tomasse alguma atitude”.(3) Não por acaso os Hazaras sofrem repetidos atos de genocídio, são vítimas de escravidão e deslocamentos forçados, desde o início do século XIX, devido às suas crenças e cultura religiosas progressivas. Ao contrário de outros grupos muçulmanos, pincipalmente os sunitas que sempre os perseguiram e no seu fundamentalismo odeiam quem se alheie a suas crenças, os hazaras "promovem fortemente a igualdade de gênero, incentivando as mulheres a participar plenamente da educação, do governo, da saúde, do trabalho e de uma ampla gama de atividades fora de casa”.

Atualmente, as maiores preocupações naquela região se voltam ao Afeganistão após a tomada de poder pelos talibãs em 2021. Desde então aumentou o perigo para as comunidades hazaras no país, que foram alvos de ataques violentos na província de Khorasan, com mais de 700 pessoas mortas em 13 ataques no ano passado, segundo relatório da Human Rights Watch, que traz uma acusação contra o Talibã de fazer pouco para "proteger os Hazara e outras minorias religiosas de atentados suicidas e ataques mortais, e de não fornecer atendimento médico adequado e assistência às vítimas e suas famílias, apesar de prometer fazê-lo quando assumiram o poder em agosto de 2021".(4)

No Ocidente o silêncio, o desconhecimento e a indiferença prevalecem sobre o tema Genocídio Hazara! Pouco se sabe e quase nenhuma atenção é dada ao que se passa com essa minoria étnica afegã. Afinal de contas pensar em Afeganistão já é demasiado complicado para quem recebe informações confusas desde a invasão e a saída dos soviéticos ao país, passando pelo posterior fortalecimento e domínio local dos talibãs, pela caçada estadunidense ao terrorista Osama bin Laden, pelo período de mando dos Estados Unidos e da Otan até a decisão do governo Biden de retirar suas forças militares do país e o retorno dos talibãs ao poder oficial e de fato. Pensar em minoria étnica que sofre dentro daquele país castigado por invasões externas e internas é esperar demais de um Ocidente que bem soube invadi-lo para depois abandona-lo à própria sorte e deixa-lo mergulhado no caos. União Soviética, Estados Unidos, Grã-Bretanha etc. souberam ignorar a soberania do país asiático em nome de seus próprios interesses. Em consequência de uma história de desmandos e invasões esse país nunca mais conseguiu sair dos noticiários das tragédias mundiais, libertar-se do desrespeito aos direitos humanos, mantendo-se permanentemente em guerra civil, aprofundando o seu fundamentalismo religioso e padecendo de muitas outras mazelas daí advindas. A pretexto de combater guerrilheiros islâmicos, os soviéticos invadiram o país em 1979 catalisando uma guerra civil que em vez de combater os tais guerrilheiros coroou o poder dos Talibãs, que em 1996  tomou conta da capital do país, Cabul, instalando um regime extremista/fundamentalista, o protótipo do que hoje governa e despreza minorias locais como os Hazaras. Um hiato entre a derrubada dos Talibãs em 2001 por forças americanas e a instalação de um novo governo apoiado por uma aliança militar que garantia a segurança no país teve seu fim em 2021, quando Estados Unidos e as demais nações, unilateralmente, iniciaram a retirada de suas tropas do país que havia sido por elas invadido. Já em maio de 2021 um ataque terrorista em Cabul, matou quase 100 pessoas na área de Hazara, um crime hediondo contra uma minoria perseguida que continuou a ser ignorado no noticiário ocidental, apesar de se saber que o povo hazara tem sido alvo específico de terroristas, tiranos e milícias há décadas. Apesar da ONU estar informada sobre esses ataques genocidas contra a minoria hazara, são poucas as efetivas ações e baixo o engajamento de autoridades e de governos ocidentais para coibir ou pelo menos informar o mundo sobre esses ataques. É sabido que em um relatório de setembro de 2022 do relator de direitos humanos da ONU no Afeganistão, Richard Bennett, constavam informações suficientes para indignar aqueles que se ocupam com o tema dos direitos humanos: 

As comunidades hazara foram submetidas a múltiplas formas de discriminação, afetando negativamente seus direitos econômicos, sociais, culturais e humanos. “Há relatos de prisões arbitrárias, tortura e outros maus-tratos, execuções sumárias e desaparecimentos forçados”, insistiu o Relator Especial. “Além disso, está sendo relatado um aumento no discurso inflamado, tanto online quanto em algumas mesquitas durante as orações de sexta-feira, incluindo pedidos para que os hazaras sejam mortos”. O principal especialista em direitos humanos, que trabalha de forma independente, também explicou como os governantes de fato do Afeganistão nomearam pashtuns “para cargos importantes nas estruturas governamentais nas províncias dominadas por Hazara".(5)

De que valeu o relatório do Senhor Benett enviado para a ONU? Muito pouco. A ONU tem 193 Estados-membros e nenhum ouviu essas queixas com a atenção necessária para influenciar o curso do massacre talibã contra o povo hazara, deixando, ao contrário, campo aberto para o próximo e iminente ataque terrorista. Resta-nos, junto ao heróico e desesperado povo afegão ir às redes sociais e pedir ao mundo que intervenha no país por meio de boicotes, suporte e infra-estrutura para os que se ocupam em defender o que lhes resta de direitos no país e contribuir para que essas ações terroristas, cujo alvo certo são os hazaras, tenham um fim. Enquanto isso, ativistas de direitos humanos vão às ruas de Cabul para pedir uma intervenção, qual seja, para dar cabo desse desvario de fundamentalistas que ora formam o governo local e querem só para si e seu grupo “religioso/político“ o poder e o país. Hoje, 18 de novembro de 2022, levanta-se a hashtag a favor desse povo que merece e precisa de nossa ajuda: #stopHazaraGenocide. Ao lado dessas ações civis e voluntárias, queremos saber que iniciativas efetivas a ONU e seus Estados-membros, individual ou coletivamente, vão tomar para garantir segurança e proteção aos Hazaras, grupo alvo dos talibãs/fundamentalistas/terroristas e abandonados por seus representes que ora sentam no Arg (Palácio Presidencial): "Com exceção de uma força internacional de manutenção da paz assumindo posições de segurança nas áreas de Hazara, o povo afegão continuará a assistir enquanto seus concidadãos são assassinados por tentar obter educação ou dar à luz em um hospital”.(6) Atualmente, uma das únicas saídas para escapar desse massacre é a fuga do país. Os afegãos que fogem dos talibãs merecem ser protegidos onde quer que eles consigam chegar. Como ocorre em muitos outros países que se tornaram rota ou destino dessas vítimas de uma guerra sem fim, o Brasil também não conseguiu acolher de forma digna aqueles que aqui chegaram em busca de proteção e abrigo. Num crescente, vamos de quase três mil em 2022 para, quem sabe, chegar em 2023 até quatro vezes esse número de afegãos que buscam refúgio no Brasil. Os saguões dos aeroportos de São Paulo se tornaram as casas para essas famílias de imigrantes, que continuam sofrendo como apátridas invisíveis.

Fortaleza, 18 de novembro de 2022

Antonio C R Tupinambá

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1)Poeta e artista visual residente em Adelaide. De origem Hazara, nasceu na província de Daykundi, no Afeganistão, publicou três livros de poesia: I Am a Daydreamer Wolf , publicado em 2008 em Teerã (5ª ed., 2016), seguido de Some Wounds (Cabul, 2012) e Hodood (Teerã, 2015). Traduzido por Fatemeh Shams e Leonard Schwartz.

"Poucas vozes são mais distintas no mundo da poesia afegã contemporânea do que Elyas Alavi. O jovem poeta dinâmico, agora cidadão australiano depois de fugir do Afeganistão devastado pela guerra sob a ocupação soviética para passar anos como refugiado no Irã, é conhecido por escrever versos em branco ( She'r-e Sepid ). Em uma tradição literária fortemente influenciada por formas clássicas como Qasideh (ode) e Ghazal (soneto), a prática poética persistente de Alavi na forma de versos em branco fez dele uma voz pioneira no movimento modernista do Irã e do Afeganistão nas últimas duas décadas. Sua única 'simplicidade inimitável' ( sahl-e momtane') é caracterizado por este estilo de verso em branco característico, o uso do dialeto Dari e a exploração inabalável da política e da injustiça em relação aos refugiados no Oriente Médio e além, tornando Alavi uma voz importante para estudar".


2) Paiman, N. O Genocídio Hazara e a Discriminação Sistêmica no Afeganistão. Disponível em: <https://civilrights.org/blog/the-hazara-genocide-and-systemic-discrimination-in-afghanistan/>. Acesso em: 18 nov. 2022.


3) Violenta Perseguição aos Shi'a Hazaras do Paquistão. Disponível em: <https://sites.uab.edu/humanrights/tag/silent-genocide/>. Acesso em: 18 nov. 2022.


4)  Strzyzynska, V. Hundreds of Hazaras killed by ISKP since Taliban took power, say rights group. Disponível em: < https://www.theguardian.com/global-development/2022/sep/06/hundreds-of-hazaras-shia-killed-iskp-islamic-state-khorasan-province-taliban-power-human-rights-watch >. Acesso em 18 nov. 22.


5) Howk, J. C. A ONU responde ao genocídio Hazara no Afeganistão com silêncio. Disponível em: <https://news.clearancejobs.com/2022/10/06/the-un-responds-to-the-hazara-genocide-in-afghanistan-with-silence/ >. Acesso em 18 nov. 2022.


6) idem.


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