POLIS

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O projeto nasce com foco no comportamento político nas sociedades contemporâneas e nos efeitos dos movimentos sociais e políticos atuais sobre as liberdades e processos emancipatórios, bem como seus impedimentos em escala local, nacional e global. Tem por objetivos o desenvolvimento de um campo interdisciplinar de reflexão e prática investigativa e divulgadora, reunindo debates em torno de questões como: preconceito, racismo, sexismo, xenofobia, movimentos sociais, violência coletiva social, relações de poder, movimentos emancipatórios de povos e nações, valores democráticos e autoritarismos, laicidade, análises de discursos e ideologias, de universos simbólicos e práticas institucionais. Nessa perspectiva, o Polis atua desde sua criação formal em 2013, como projeto de extensão e em 2015 como Blog para divulgação e atualização.

quarta-feira, 10 de setembro de 2025

O que se passa no “reino” do Nepal?





    Foi em grande velocidade que se deram as negociações entre o governo do Nepal e os maoístas responsáveis pelos violentos protestos contra o regime monárquico no início de 2006. Com poucos dias após a escalada dos conflitos foi selado um acordo entre os dois grupos divergentes para superar mais de dez anos de guerra e por em cheque uma monarquia que já tinha mais de dois séculos de existência. Tais negociações significaram a inauguração de um novo sistema político no país sul-asiático com a suspensão da monarquia. Ao contrário do que sucedeu com outros sistemas monárquicos, nos quais tradição e democracia conquistaram uma convivência aceitável, no Nepal, a “realeza” se mostrou incompetente para lidar com as necessidades e anseios de seus súditos. Em consequência dessa impossibilidade, a nação nepalesa organizou-se em grupos de guerrilha para combater o absolutismo de um rei ostracista e indiferente ao sofrimento de uma população extremamente empobrecida. Encravado entre o Tibete e a Índia, o então reino do Nepal, era mais conhecido pela exuberância de suas montanhas e o exotismo de sua cultura, além da grande alegria e tratamento comedido dispensado a seus visitantes. Único país oficialmente hindu no planeta, conta ainda com uma significativa presença de fiéis budistas, não estando, contudo, na divisão religiosa as fontes de seus maiores conflitos. Pena que essa paz em torno da convivência religiosa não se estenda aos demais setores de sua vida social e política, como provam os últimos acontecimentos locais. A animosidade no ceio da população que resultou em revolta popular ainda em seu período monárquico recrudesceu quando no ano de 2001, em um grande massacre, membros da família real apareceram mortos de uma forma misteriosa. A substituição do rei morto pelo irmão sobrevivente não bastou para aplacar o ceticismo da população. Desde então o país experimentou uma troca constante de representantes políticos e testemunhou um grau crescente de rejeição popular ao novo mandatário real. O governo do então Primeiro Ministro, G. P. Koirala, caiu em consequência das pressões dos rebeldes maoístas, levando o rei a declarar o estado de emergência no país, na tentativa de acabar com a guerrilha. Essa atitude real somada a uma instabilidade econômica e política incitaram a revolta popular, que se espalhou rapidamente pelo país e levou à formação e fortalecimento dos núcleos de guerrilha. A população revoltada se acercou do palácio real na capital do país, Catmandu, em sinal claro de confronto político e do desejo de deposição do rei para que a monarquia fosse substituída por um regime democrático. A guerra civil já ceifava mais de 10 mil vidas, registravam-se abusos de direitos humanos e, com tudo isso, quase se levou o país à ruína econômica, gerando uma pobreza extrema, considerada recorde no mundo. A arbitragem das Nações Unidas (ONU) de pífia durante o conflito, passou a se impor no acordo que exigiu da guerrilha o abandono das armas e a desmobilização de seus homens para fazer parte de um Parlamento e de um governo interino, até que fossem realizadas novas eleições em meados de junho de 2007. Esperava-se que, dessa forma, se tornassem premonitórias as palavras do ministro Koirala sobre a nova era na qual entrava o país, quando a violência que dominava o seu cotidiano deveria desaparecer e dar lugar a uma política de conciliação. Em 2008, o Nepal tornou-se uma república, pondo fim a uma monarquia que durou 239 anos. No entanto, o país nunca escapou da crise agravada por fatores alheios à política como terremotos e outros desastres naturais. Como resultado, o Nepal transformou-se em uma nação de migrantes, de trabalhadores expatriados, que passaram a contribuir, com suas remessas do exterior, para a sobrevivência de suas famílias que ficavam para trás. O desejo de migrar manteve-se presente nos nepaleses e isso eu sentia na maioria daqueles com os quais travava alguma conversa, em situações informais ou institucionais, durante minha estada no país, seja em sua capital, Catmandu, ou em outras cidades, como Pokhara, Butwal e Lumbini.

O governo atual é apenas parte de uma sequência de governos que tentaram, sem sucesso, trazer ordem ao país republicano resultante de uma monarquia expoliadora e infeliz. São os mesmos três principais partidos do país que se sucedem no poder, frequentemente em coalizões alternadas. Os maoístas, em particular, que travaram uma guerra civil armada por dez anos, até 2006, guerra essa que ceifou mais de 16.000 vidas, foi perdendo apoio ao longo do tempo até chegar ao ponto de provocar a catástrofe  que hoje se testemunha, protagonizada por jovens da nomeada Geração Z (os nativos digitais). Além de Kathmandu e Jhapa, esses jovens encabeçam protestos em outras cidades como Pokhara, Butwal, Chitwan, Nepalgunj e Biratnagar, expressando seu descontentamento com a corrupção endêmica que destrói suas esperanças. Com o banimento do acesso da população às redes sociais deu-se o estopim da revolta. Acusados ​​de trair muitos de seus ideais, principalmente pelas incessantes acusações de corrupção, esses políticos roubam o futuro dos jovens e os prendem a um presente de infelicidade e pessimismo. A única saída vislumbrada seria o abandono de sua pátria em busca de trabalho e de realização pessoal em outros países. 

Uma instabilidade política, econômica e social domina esse país sul-asiático que não é de todo um país desimportante, como nos querem fazer crer.  Estrategicamente posicionado entre duas potências emergentes, o Nepal tem consciência do seu papel geopolítico estratégico, distinto e fundamental no cenário sul-asiático. Embora se distancie em termos de tamanho e influência global dos seus vizinhos gigantes, a importância geopolítica do Nepal, particularmente no contexto dos interesses estratégicos estadunidenses é inegável. À despeito dos atuais discursos do governo autoritário de Donald Trump, o mundo se torna cada vez mais multipolar com dinâmicas de poder em constante mudança. Cabe, nesse novo cenário, compreender o que se passa com Estados menores como o Nepal no contexto de um complicado quebra-cabeça geopolítico global e do multilateralismo.(1) Além dessas peculiaridades em sua geopolítica, trata-se de um país único, considerando sua cultura e multietnicidade. Sua população se aproxima dos 30 milhões de habitantes, que convivem em admirável harmonia apesar de pertencerem a diferentes grupos religiosos: 80% professam o hinduismo e 10% o budismo. Nesse lindo país do Himalaia, que abriga o Monte Evereste, paisagens montanhosas e cidade-lago de tirar o fôlego, também está a cidade de Lumbini, considerada o berço do nascimento de Buda, o príncipe Sidarta Gautama..


 



Uma terra com uma gente cheia de “amor para dar”, a qual tive a oportunidade de visitar em 2023, me permitiu mergulhar em um mar de cordialidade e respeito. Essa gente cortez, amável e pacífica que, em seu "código de ética" tem o princípio de respeito incondicional ao visitante, parece ter chegado ao limite da paciência, partindo para o contra-ataque, transformando em protesto a revolta contida. Até agora mais de vinte pessoas morreram e outra centena ficou ferida durante os grande protestos nacionais desde segunda feita, 8 de setembro de 2025. A intervenção policial com o uso de gás lacrimogêneo e canhões de água contra a população revoltada depois de ter adentrado uma área restrita da cidade ou mesmo quando já se aproximava do parlamento, não foi suficiente para demove-la de seus atos. Os protestos e as mortes mergulharam o Nepal em uma crise política que forçou o Ministro do Interior, Ramesh Lekhak, a renunciar ao cargo ainda na noite de segunda-feira, alegando “responsabilidade moral”; a seguir, na terça-feira, foi a vez do Primeiro-Ministro KP Sharma Oli também renunciar. Apesar de pouco crer, inspiro-me nos próprios nepaleses e em suas crenças para evocar os ensinamentos de Buda e do budismo em busca da equanimidade e da paz de espírito em tal situação extrema. E assim, que a ele se juntem Shiva, deus da preservação e Vishnu, responsável pelo equilíbrio do Universo, além do seu criador, Brahma, para fazer com que o amado povo nepalês encontre, no meio desse caos, uma saída rumo à paz e ao progresso, como bem merecem. 

No momento atual e “terreno” temos apenas tropas armadas guardando as principais áreas de Catmandu, que sinalizam o retorno de certa normalidade à cidade há pouco mergulhada no caos. Há uma ordem para que os moradores permaneçam em suas casas enquanto policiais revistam veículos e pessoas. Apesar de raramente serem convocados a sair dos quartéis, desta feita os militares o fizeram, pois a polícia, sozinha, não conseguiu controlar a escalada da violência nas ruas das cidades.



Antonio C. R. Tupinambá

Fortaleza, 10 de setembro de 2025.







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(1)Lula celebra inclusão de "multilateralismo" em dicionário francês.  https://www.poder360.com.br/poder-governo/lula-celebra-inclusao-de-multilateralismo-em-dicionario-frances/



sexta-feira, 5 de setembro de 2025

SEM ANISTIA PARA GOLPISTAS -- BOLSONARO et caterva NO BANCO DOS RÉUS.


Soldados tomam o Eixo Monumental em Brasília. Ilustração da demonstração de força por parte dos militares e o imediatismo do dia 1 de abril de 1964. Fonte: Arquivo Público do Distrito Federal.


SEM ANISTIA PARA GOLPISTAS!

BOLSONARO et caterva SENTADOS NO BANCO DOS RÉUS


No dia 30 de outubro de 2022 o Brasil e grande parte do mundo esperavam ansiosos pelo resultado que sairia das urnas no segundo turno das eleições para presidente. Não por acaso, logo após os resultados apontarem a vitória de Lula, se experimentou um sentimento de alívio, em especial naquelas nações democráticas que lidam com as forças da extrema direita em seus territórios: Nossa eleição foi seguida minuto a minuto nos gabinetes dos principais líderes globais, que estavam prontos para reconhecer a vitória de Lula, caso ela ocorresse. O papel do Brasil no jogo geopolítico era estratégico… Bolsonaro garantiu o reduto perfeito para a ultradireita num mundo traumatizado com o furacão Donald Trump nos Estados Unidos, o mesmo que hoje, em seu segundo mandato, ataca a soberania de outros países com atos hostis. A estridência do presidente brasileiro manteve o barulho necessário para normalizar as causas conservadoras e reacionárias a partir de um país continental capaz de influir em outras nações”.(1) A política brasileira de enfraquecimento das relações internacionais relegando o papel do país ao de mero coadjuvante estadunidense já vinha se definindo na cauda dos acontecimentos políticos de 2016, quando foi deposta por um golpe jurídico-político-midiático a presidente democraticamente eleita Dilma Roussef. Anunciava-se o fim do antes almejado e crescente papel de protagonismo internacional que vinha se consolidando no país. Em um movimento contrário, o governo ilegítimo do golpista presidente tampão Michel Temer enfraquecia o bloco econômico do Mercosul com a ajuda de sócios” igualmente corruptos no Paraguai e na Argentina.

O golpe de 2016 contra a presidente Dilma Rousseff, o governo tampão ilegítimo de Michel Temer e a eleição arrematada por estratégias do submundo fascista e por fakenews foram fatores que contribuíram para levar Bolsonaro à presidência nas eleições de 2018. Tudo isso sendo arregimentado pelas forças do submundo da mídia corporativa e da espúria elite brasileira egoísta que se agruparam em bloco na construção do projeto de genocídio em curso contra o povo brasileiro. O mal estabelecido só poderia ser estancado com a defenestração de Bolsonaro. Esse mal, como todos os outros a ele concernidos deveriam ter um fim porque é este fim, o objeto de luta de todos que prezam a liberdade e desejam o Brasil de volta ao caminho auspicioso que trilhava, para trazer alegria e prosperidade para seu povo. A solução imediata e inadiável teria sido o impeachment do presidente que instalou o caos social e a barbárie no país mas que não ocorreu por cumplicidade política e a compra de comparsas no parlamento. O passo seguinte e redentor seria seu julgamento em tribunal local e internacional para sua condenação por seus crimes contra o povo brasileiro, a floresta e a humanidade, o que também não ocorreu. A vitória de Lula nas urnas trouxe-nos a esperança da superação da mais difícil fase da história brasileira desde o período da redemocratização do país. No entanto, logo após a vitória veio a tentativa de golpe de Estado capitaneada pelo ex-presidente que nunca admitiu passar a faixa ao vencedor legítimo do último pleito eleitoral, Luis Inácio Lula da Silva. O desastre dessa tentativa de golpe está sendo julgada e em breve teremos seu resultado. O processo desse julgamento, ao contrário do que acontecia no regime ditatorial tão ovacionado pelo atual réu, garante todo o direito cidadão de defesa e de presunção de inocência aos envolvidos. Em vez de práticas de "pau-de-arara" e interrogatórios em porões escuros com variadas formas de tortura para obter confissões, o que se registra são muitas sessões em salas com ar-condicionado, com direito a intervalos para descanso e uma gama de advogados de defesa, seguindo os ritos de uma democracia. As provas são obtidas por investigações legítimas sem negar o contraditório no julgamento e sem ameaças ou castigos físicos sendo imputados aos investigados, como se daria com opositores tivesse o golpe prosperado. Os juízes continuam agindo com o rigor das leis e sob a guarda da constituição, sem ceder às pressões ilegítimas do "imperador" estadunidense a pedido do lesa-pátria, o deputado Eduardo Bolsonaro, que fugiu para os Estados Unidos para, com recursos públicos, conspirar contra a nação. Para testemunhar a lisura do processo e a dimensão absurda dos crimes cometidos pelos acusados da trama golpista basta ler matérias na imprensa, até mesmo em jornais de alcance nacional como "O Estadão", que normalmente não omitem suas posições questionáveis e tendenciosas, jornais que contam as coisas como interessam aos leitores da Faria Lima. Nem mesmo esses veículos de comunicação acostumados a ceder ao poder e tender para o establishment deixaram de reconhecer que seria um absurdo negar a gravidade dos crimes cometidos com o objetivo de substituir o regime democrático por uma ditadura. A história recente é testemunha de que Bolsonaro et caterva merecem as penas que lhes venham a ser imputadas. É, portanto, um absurdo o tal projeto de anistia geral proposto por uma horda de políticos baderneiros/golpistas e antidemocráticos para ser votada no congresso. Como bem afirmou o advogado Marco Aurélio de Carvalho (coordenador do grupo Prerrogativas), “'esse projeto é uma aberração, um verdadeiro tapa na cara da sociedade brasileira e permite que organizações criminosas se blindem até para o cometimento de crimes futuros'. Para ele, a falta de tipificação clara dos delitos funciona como “um convite para delinquir, um salvo-conduto, que oferece blindagem e estímulo para que organizações criminosas continuem atuando na política ou fora dela”.(2)

A seguir, a transcrição do artigo de opinião do Estadão intitulado "Bolsonaro 'et caterva' no banco dos réus":

Por unanimidade, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) tornou réus o ex-presidente Jair Bolsonaro e mais sete civis e militares que a ele teriam se associado para cometer, entre outros crimes gravíssimos, uma tentativa de golpe de Estado. A partir de agora, o País terá a chance de assistir à prestação de contas à Justiça daqueles que são acusados de ter cometido o pior ataque ao Estado de Direito no Brasil desde pelo menos 1985, quando a sociedade brasileira, enfim, reconquistou suas liberdades democráticas após 21 anos sob o tacão de uma feroz ditadura militar – a mesma que Bolsonaro louva como se tivesse sido um período áureo da história nacional.

A admissibilidade da denúncia oferecida pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra Bolsonaro et caterva era dada como certa. De tão previsível, o desfecho do julgamento de ontem já vem influenciando as articulações políticas com vistas à eleição de 2026 desde muito antes de o parquet apresentar sua peça acusatória ao STF. E a razão é simples: Bolsonaro jamais escondeu que o respeito aos princípios democráticos lhe provoca urticária. Bolsonaro nunca cogitou transferir o poder pacificamente ao sucessor, chegando a verbalizar, em agosto de 2021, que só via três opções de futuro para si: estar preso, morto ou reeleito presidente da República. Desde ontem, a distância entre ele e o cárcere ficou consideravelmente mais curta.

É um erro, portanto, confundir um resultado amplamente esperado com uma suposta demonstração de “parcialidade” dos julgadores de Bolsonaro e seus corréus – os generais de quatro estrelas Augusto Heleno, Walter Braga Netto e Paulo Sérgio Nogueira, o almirante Almir Garnier, o tenente-coronel Mauro Cesar Cid, o ex-ministro da Justiça Anderson Torres e o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ). Na verdade, a certeza de que o ex-presidente passaria à condição de réu diz muito mais sobre a audácia de seus propósitos liberticidas. Relembra à Nação quão desabridos foram seus esforços, ao longo de todo o mandato presidencial, para se manter no poder fosse qual fosse o resultado das urnas.

Se o comportamento de cada um dos oito réus que compõem o “núcleo crucial da organização criminosa”, no dizer da PGR, de fato, contribuiu para a consecução da tentativa de golpe e, assim, estarão configuradas ações ou omissões tipificadas como crime, saberemos ao final da ação penal. O que é possível afirmar, como este jornal já fez não poucas vezes, é que o governo de Jair Bolsonaro foi inspirado do início ao fim por um espírito golpista. A depredação dos pilares democráticos foi um diligente labor entre 2019 e 2022. A bem do País fracassou, mas isso não impede, muito ao contrário, que todos os que eventualmente tenham tomado parte nesse assalto à democracia paguem exemplarmente por seus crimes.

Eis, portanto, a enorme responsabilidade que paira sobre o STF, em particular sobre os ministros integrantes da Primeira Turma. O julgamento dos acusados de atentar com violência contra a ordem constitucional democrática deve ser imaculado do ponto de vista processual. O STF não tem o direito de errar, em primeiro lugar por compromisso inabalável com a “Constituição Cidadã”. Ademais, não pode frustrar as expectativas da esmagadora parcela da sociedade brasileira que acalenta o regime democrático como a melhor forma de governança de uma nação. Como ensina o amargo rescaldo da Operação Lava Jato, a consequência do atropelo do devido processo legal em nome do propósito de colocar os golpistas atrás das grades não só abastardará a mesma democracia que se pretende defender, como ainda levará à impunidade que, mais adiante, pode assanhar protoditadores que se aventurem a governar o Brasil.

Tudo é inédito neste julgamento, que apenas começou. Há militares de alta patente no banco dos réus por sedição. Trata-se da primeira ação penal de grande repercussão sob a égide da Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito. No entanto, o STF há de ser previsível; à Corte não é dado nem sequer parecer um tribunal de exceção. Ao fim de um julgamento que decerto capturará as atenções do País, só pode restar aos eventuais condenados o sagrado direito de espernear. 

(Fonte: Opinião - O Estadão: disponível em: <https://www.estadao.com.br/opiniao/bolsonaro-et-caterva-no-banco-dos-reus/?srsltid=AfmBOorgII90DJtaEOo55pD6e8FYhB2oflEm2E-h25eH_fVJT1Q35LHP>)

Antonio C. R. Tupinambá

Fortaleza, 4 de setembro de 2022.


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1) The Intercept Brasil. 9 de novembro de 2022.

2) ICL Notícias. https://iclnoticias.com.br/juristas-criticam-projeto-de-anistia/


sexta-feira, 29 de agosto de 2025

Homenagem póstuma pelos 100 anos de nascimento do revolucionário Frantz Fanon




Não é, portanto, coincidência que Fanon se apresente como tão relevante hoje. Por meio de suas origens e de sua trajetória, ele cruza com os acontecimentos do século passado, do qual foi protagonista, lidando com as situações traumáticas que marcaram aquela época. Ele também é relevante hoje por sua vida e pelo movimento de seu pensamento: para além do que chamamos de fracasso das ideologias, nesta era de globalização econômica e exclusão do sujeito, a frase escrita pelo jovem Fanon, que norteia todo o seu pensamento em ação — "Ó meu corpo, fazei de mim sempre um homem que questiona!" — ressoa em muitos jovens do nosso tempo, independentemente de sua língua ou local de nascimento.



Há cem anos, em 20 de julho de 1925, nascia o revolucionário psiquiatra e filósofo político Frantz Fanon. Veio ao mundo na ilha caribenha da Martinica mas cresceu como um cavalheiro do Império Francês, onde teve que encarar sua condição de homem negro, "nada além disso”, inferiorizado na sociedade dos homens brancos franceses. Privilégios de classe não o livraram desta marca racista no país que o adotou. O intelectual negro e militante anti-colonial publicou seu primeiro livro, Pele negra, máscaras brancas, em 1952; um ensaio sobre o racismo. Quando já se completava sete anos da guerra na Argélia, em 1961, ano de sua morte, foi publicado um outro livro intitulado “Os condenados da Terra.”


O colonialismo não é uma máquina de pensar, não é um corpo dotado de razão. É a violência em estado natural (Fanon)


 Quando o escreveu se encontrava doente e seguro de que lhe restava pouco tempo de vida. O livro se tornou um clássico indubitável que sumariza seu pensamento; um tratado sobre as relações entre colonialismo, racismo e resistência. Nele Fanon nos traz sua escrita anticolonialista, afinal de contas deixava claro que a colonização é um processo violento — qualquer colonização — e que desumaniza o colonizado ao lhe negar o próprio passado, sua essência e seus valores. 


O sistema colonial constrói e perpetua estereótipos. Fanon os denunciou constantemente. Em 1961, argumentava que o opressor foi definido pelo colonizado como inimigo dos valores, desprovido destes, assim como de moral. A desumanização levou ao extremo de comparar o africano aos animais. “A linguagem do colono é uma linguagem zoológica”, acrescentou o psiquiatra. (Omer Freixa, El país, 3 de dezembro de 2021).


Seu processo de politização e engajamento em lutas de emancipação e libertação humana do jugo colonialista iniciou no período em que viveu e trabalhou, como psiquiatra, nas colônias francesas no norte da África. Como afirma Jean-Paul Sartre em prefácio ao livro de Fanon, apesar da burguesia do século XIX considerar os operários pessoas invejosas, supostamente corrompidas por apetites grosseiros, ainda os incluía na espécie humana; eles ainda refletiam um certo humanismo que se pretendia universal. Essa não seria a atitude da mesma burguesia frente aos colonizados. Os soldados no ultramar rechaçavam tal universalismo metropolitano, rebaixavam o gênero humano no território anexado ao nível de um “macaco superior” para justificar seu tratamento pelos colonos como simples bestas de carga. O livro “Os condenados da terra” de Frantz Fanon foi publicado na mesma semana em que o autor falece em 1961 aos 36 anos. No dia de sua publicação, foi banido e apreendido diversas vezes  pelas autoridades francesas em meio à Guerra da Argélia, por ter sido considerado um atentado à segurança do Estado. O livro, um verdadeiro tratado esclarecedor sobre a colonização e descolonização no continente africano, proporciona uma visão lúcida do pensamento de Fanon e nos faz chegar ao momento de sua luta e engajamento pela liberdade dos colonizados e escravizados da África. Certamente, e por razões óbvias, o banimento dessa obra pelos censores franceses não o teria abalado, ao contrário, teria sido motivo de orgulho para Fanon. Nele, o combate ativo ao racismo é implacável, muito da ideia atual sobre “antirracismo” já ganhava corpo naquela obra. Em seu tempo ousou falar abertamente de um tema que não era aceito nos salões literários franceses, tampouco na academia ou no meio político colonialista predominante. O chamado para uma ação antirracista, na qual se precisa desestruturar de maneira radical o inconsciente que normalizou a ideia de raça como inferioridade abalava as estruturas sócio-políticas calcificadas do neocolonialismo. Ao longo de sua vida, Fanon foi deixando se revelar como um homem que se movimenta de um choque original com o racismo francês e que chega até a compreensão profunda da colonização ao redor do mundo; um Fanon que também dedicou suas habilidades para a cura daqueles que sofriam com a violência da colonização e do racismo.

Como bem havia afirmado Sartre de acordo com Fanon, o colonizado se cura da neurose colonial expulsando o colono pelas armas. 

Entretanto, de algum modo o neocolonialismo se perpetua, transcorridos 60 anos desde a publicação de “Os condenados da terra.” As ex-metrópoles não abandonaram totalmente a África, como supunha-se após a maior parte da libertação política continental na década de 1960. Ainda hoje, vários mecanismos submetem populações e governos africanos, como alertou e escreveu Frantz Fanon em 1961. (Omer Freixa, El país, 3 de dezembro de 2021).


Para constatar essa permanência do vírus colonizador, basta observar o que ora ocorre nas ex-colônias francesas na África, entre outras, Burkina Faso e Mali. Nelas, bem como em toda a região do Sahel, a luta agora é contra as forças invasoras que se mantém ou se reinstalam, que insistem em não querer deixa-la, submetendo toda a região a um perverso neocolonialismo.


Antonio C. R. Tupinambá

Fortaleza, agosto de 2025.




quarta-feira, 27 de agosto de 2025

O dia do Psicólogo é, no Brasil, o 27 de agosto!




Estudei medicina por mais de seis anos e estou em treinamento clínico como psiquiatra e psicoterapeuta há três anos. Durante meu treinamento, aprendi a manter discussões políticas fora da psicoterapia. Tratamos pessoas independentemente de sua origem cultural, idade, gênero, orientação sexual e até mesmo opiniões políticas. E tratamos pessoas em crises existenciais – não do sistema sociopolítico. Portanto, a rigor, discussões sobre isso não têm lugar na psicoterapia. Mas, na prática, não é tão fácil – na realidade, as opiniões políticas muitas vezes têm uma influência latente na terapia. Mas onde está o limite que devo traçar?

Samuel Thoma (Jornal “taz”, 4.10.2019) 


A fronteira é tênue e difícil de ser traçada. Desde seus primórdios,  a Psicologia se viu influenciada pelo meio no qual estava sendo formada e a história nos tem mostrado isso. Voltando aos tempos do seu nascimento nas Américas, temos como principal evento, a vinda de Sigmund Freud ao “Novo Mundo”. A viagem de Freud aos Estados Unidos, então já respeitado psicanalista em Viena, ocorreu em 1909. Acompanhado dos também psicanalistas Carl G. Jung e Sandor Ferenczi, suíço e húngaro, respectivamente, deveria  se ocupar de uma série de palestras a serem ministradas em diferentes cidades e instituições  estadunidenses.  Recebido com grandes honras e pompas pelos intelectuais locais, Freud ia poder, finalmente, trazer a psicanálise para a América do Norte, mais especificamente, para os Estados Unidos, e torná-la presente e visível (salonfähig) no ambiente acadêmico e social do país anfitrião. Stanley Granville Hall, James Jackson Putnam e William James foram esses anfitriões, que, a meu ver, não correspondiam em grandeza ao “pai da psicanálise”, levando-se em conta a dimensão dos estudos de Freud e ao que havia obtido até aquele momento em avanço no conhecimento da psicologia e psicanálise. A Psicologia deve muito aos ensinamentos freudianos, somados a outros conhecimentos para delinear o perfil do que hoje se conhece e se aplica no vasto campo dessa ciência e profissão. O maior desenvolvimento que conheceu mundialmente se deu ao longo do século XX, considerando-se que seu estabelecimento de facto no meio social, clínico e acadêmico tenha ocorrido em consequência dos avanços da psicanálise e o que a ela se somou com estudos sobre o (comportamento) humano. No entanto, no Brasil, estabeleceu-se o dia 27 de agosto de 1962, um marco regulatório em consequência da lei 4.119, para o seu “nascimento oficial”. Desse modo, é uma data na qual temos a oportunidade de prestar uma homenagem anual, oficial, a todos os profissionais que contribuem, com seus estudos e trabalhos em diversas áreas em benefício do bem-estar social e humano, para o crescimento da Psicologia.


FELIZ DIA DO PSICÓLOGO!


Fortaleza, 27 de agosto de 2025.

Antonio C. R. Tupinambá

segunda-feira, 19 de maio de 2025

O que mudou desde a execução de George Floyd e João Pedro?





João Pedro, 14 anos, morto em 18 de maio de 2020; bala que o matou tinha o mesmo calibre da usada pelos policiais que invadiram a casa em que ele brincava com amigos.

    Parece que foi ontem mas já faz cinco anos que João Pedro Mattos Pinto foi assassinado por forças do Estado. Foi exatamente em 18 de maio de 2020 durante uma operação policial realizada no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Nesse dia não tão distante, o adolescente de 14 anos, era assassinado por forças policiais em mais uma de suas incursões nas favelas. João Pedro brincava com amigos em casa quando foi atingido nas costas por um disparo de fuzil. O imóvel foi crivado com mais de 70 tiros efetuados por agentes da Polícia Federal e da Polícia Civil. Das seis crianças que estavam dentro da residência no momento do ataque João Pedro foi a vítima fatal. O adolescente veio a ser socorrido mas não resistiu aos ferimentos. A versão dos policiais envolvidos na ação era de que haviam sido alvos de disparos de bandidos que teriam se escondido no imóvel. Versão veementemente contestada pela família da vítima, que afirmou terem os agentes já chegado atirando. Os autores da operação foram denunciados pelo Ministério Público por homicídio duplamente qualificado e fraude processual e, conforme o MP, de terem plantado explosivos e uma pistola no imóvel para justificar o ataque. A repercussão do caso atravessou as fronteiras nacionais e chegou a ser denunciado à ONU e à OEA. Não foi o suficiente para reconhecer como um ato criminoso o que fizeram os policiais; apesar dessa repercussão internacional, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro absolveu sumariamente os três policiais envolvidos na operação, alegando "falta de provas”. 

    Naquela altura viveu-se logo a seguir o drama da execução de George Floyd nos Estados Unidos. O homem negro de 40 anos foi morto por asfixia depois de ter o pescoço pressionado pelo joelho de um policial durante uma abordagem em Minneapolis, Minnesota, em 25 de maio de 2020. Derek Chauvin, o policial acusado de realizar a execução, manteve o joelho no pescoço da vítima por cerca de nove minutos e trinta segundos, o que resultou na morte de Floyd.  Enquanto isso, no Brasil, João Pedro, menino negro de 14 anos parecia ter sido mais uma vítima de racismo de Estado. George não havia sido acusado de qualquer crime, mas era negro. João Pedro brincava em casa, dentro de sua casa; mas era pobre, negro e morava em uma favela, mais exatamente, no Complexo do Salgueiro no município fluminense de São Gonçalo, quando foi atingido no peito, por um tiro de arma de fogo. A repercussão internacional do caso Floyd reforça também, no Brasil, a luta  por justiça para casos como o de João Pedro. Em Minneapolis, as ruas foram ocupadas, prédios incendiados e milhares de cidadãos, não somente negros, reivindicavam justiça, exigindo a prisão dos culpados pela tragédia que resultou na morte de George Floyd. 



Foto mostra um policial branco ajoelhado no pescoço de Floyd.


A frase de George suplicando para que não o matassem I can’t breathe (Eu não consigo respirar) foi repetida nos protestos de rua em diferentes cidades. Em função do crescimento dos protestos,  Derek Chauvin, o policial que sufocou sua vítima até a morte foi detido, mas seus três colegas que participaram com ele da ação desastrosa continuaram soltos. As manifestações nesses casos vinham mostrando outras cores. A multidão era composta por tons diferentes e, em muitos casos, formada por maioria branca, o que quase não se via em protestos da década de 1960. “É disso que se trata nessas manifestações de protesto pela morte de George Floyd, em Minneapolis (EUA). Gente de toda cor de pele está farta de tolerar a leniência das autoridades [...] em relação a policiais que achincalham, torturam e matam pobres, imigrantes ilegais e negros”.(1) “[...] Leis e decisões judiciais que vão de encontro a interesses dominantes em uma determinada sociedade só ‘pegam’ após muita luta, muita obstinação e coragem daqueles que, por elas, podem ter suas situações de exploração ou opressão pelo menos mitigadas”.(2)




    Na trilha das crescentes manifestações antirracismo nos Estados Unidos, começaram a ocorrer noutros países, a exemplo do Brasil, manifestações  organizadas em protesto pelos jovens negros mortos por policiais. No dia 31 de maio de 2020, a sede do governo do estado do Rio de Janeiro, o Palácio Guanabara, foi palco de uma delas. Uma semana antes dos protestos do dia 31, aconteciam manifestações de dimensão nacional nas redes sociais. Nesses atos virtuais organizados pela Coalizão Negra Por Direitos, participaram 800 entidades. 



Neilson Costa Pinto, pai de João Pedro, fez a abertura dos atos, destacando a importância da luta por justiça: "É um momento que eu não desejo para ninguém, perder um filho é como perder a própria vida. O Estado é falido e sem responsabilidade nenhuma. Fazer o que fizeram com o meu filho e com outros filhos também, entrar no seu próprio lar e tirar a vida de um menino de 14 anos significa que o Estado é falido. E vamos lutar por justiça, é isso que esperamos, que a justiça venha a ser feita em nosso país, destacou".(3) Esse é o resultado de uma necropolítica instituída pelo então governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel. Apesar de ter se tornado um circunstancial desafeto político do então presidente, continuou sendo seu par na macabra escalada do fascismo no Brasil. Aqueles acontecimentos nas favelas do Rio mostravam que a pandemia do covid-19 não tinha freado o aumento da violência institucional e o modus operandi racista parecia ganhar cada vez mais espaço no  Rio de Janeiro e no país. Principalmente em estados como esses que adotaram a linha de um governo central militarista e antidemocrático com estratégias e arreganhos ditatoriais era onde não se podia esperar uma polícia que visasse, como deveria, à proteção cidadã. Paralelos entre países tão diferentes podiam ser feitos porque guardavam  semelhanças em sua necropolítica e no abissal autoritarismo nas figuras estultas dos seus líderes, evidenciados em tristes notícias: "Um estudante de 14 anos foi morto durante uma operação da Polícia Federal (PF) e da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core) no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, na região metropolitana do Rio de Janeiro, na tarde da última segunda-feira (18). João Pedro Mattos Pinto foi atingido na barriga enquanto brincava no quintal de casa. O adolescente foi levado em um helicóptero da Polícia Civil após ser baleado. Até a manhã desta terça-feira (19), a família estava sem informações sobre o jovem. Segundo o Corpo de Bombeiros, o corpo da vítima foi deixado na última segunda (18), às 15h, no Grupamento de Operações Aéreas (GOA), na zona sul do Rio. Na manhã desta terça-feira (19), familiares do adolescente estiveram no Instituto Médico Legal (IML) de São Gonçalo e reconheceram seu corpo. João Pedro foi descrito por amigos e familiares como um menino calmo e que frequentava a igreja".(4)




PM joga spray no rosto de morador de Heliópolis, maior favela de São Paulo — Foto: Reprodução/Redes sociais


Aos mais pobres, restava então morrer de fome ou de coronavírus, como afirmou o pesquisador Dennis de Oliveira.(5) Na sequência de um pensamento pretensiosamente racional de “seleção natural”, justifica-se, segundo o pesquisador, um processo genocida que se quer instalar no país [nesses países]; uma necropolítica de soberanistas querendo decidir os que devem viver ou morrer: “Mbembe descreve essa suposta soberania como a busca constante de um exercício de poder que supera qualquer limite racional e científico”. A necropolítica fluminense foi exportada para São Paulo por meio do atual governo de Tarcísio de Freitas. Já há vários protestos organizados contra a política de Segurança Pública do governo paulista, comanda por Tarcísio de Freitas (Republicanos) e Guilherme Derrite, secretário de Segurança Pública do estado. Atos que ocorrem após uma sequência de execuções cometidas por policiais militares em São Paulo. Governos de extrema direita e de viés fascista, nos quais também se enquadra o governo estadunidense de Donald Trump, aprofundam suas práticas racistas. Apesar de não ter qualquer constatação, o presidente Trump liberou asilo para membros da comunidade branca da África do Sul sob alegação de serem vítimas de “discriminação racial”. Enquanto isso a administração Trump suspende todas as outras admissões de refugiados, incluindo aquelas pessoas provenientes de zonas de guerra. Para um pequeno alento, não há apenas más notícias; ao projeto perigoso de necropolítica e genocídio que é visto nas periferias brasileiras, Oliveira (2020) identifica, felizmente, uma contraofensiva de  um movimento civil para contribuir com o rompimento da nefasta ideia de Estado mínimo e incentivar a solidariedade em face a problemas da vida nas favelas e na periferia das grandes cidades: “Então, eu vejo que hoje há uma questão objetiva, em que existe, de fato, uma situação perigosa de um projeto de necropolítica e genocídio sem precedentes nas periferias brasileiras..., mas, por outro lado, temos também uma ação organizada e reativa da população das periferias e suas organizações contra esses efeitos”.(6) Nas mais de mil favelas do Rio de Janeiro se sobrevive sem direito à cidadania, educação, saúde, moradia, cultura… Favelas e periferias continuam sofrendo com a criminalização da pobreza, a negligência do Estado, violações de direitos e, para piorar essa situação, com as operações policiais que frequentemente terminam em mortes de moradores, como ocorreu com João Pedro. Ninguém está livre desse sistema que condena alguns “mal escolhidos” ao racismo estrutural. Sistema que beneficia alguns e prejudica outros, nessa lógica perversa. Uma coisa é certa: só há uma forma de combater o racismo, que é tendo consciência e agindo de forma antirracista, isso significa se comprometer em compreender e agir diretamente contra o sistema que o promove e o sustenta.

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(1) STARLING, S. A nigger que me mostrou a neve. Os Divergentes, 2020. Disponível em: <https://osdivergentes.com.br/outras-palavras/a-nigger-que-me-mostrou-a-neve/>. Acesso em: jun. 2020.

(2) idem.

(3) DEISTER, J. Em memória de João Pedro: 800 organizações denunciam violência do Estado nas favelas. Rio de Janeiro: Brasil de Fato, 27 maio 2020. Disponível em: <https://www.brasildefato.com.br/2020/05/27/em-memoria-de-joao-pedro-800-organizacoes-denunciam-violencia-do-estado-nas-favelas>. Acesso em: mai. 2020.

(4) MIRANDA, E. Procura-se João Pedro: jovem desaparecido em ação policial é encontrado morto no Rio. Rio de Janeiro: Brasil de Fato, 19 de maio de 2020. Disponível em: <https://www.brasildefatorj.com.br/2020/05/19/procura-se-joao-pedro-jovem-desaparecido-em-acao-policial-no-rio-e-encontrado-morto>. Acesso em: 10 mai. 2020.

(5) Coordenador do Centro de Estudos Latino-Americanos sobre Cultura e Comunicação da USP.

(6) PEREIRA, M. R. “Opção aos mais pobres é morrer de fome ou coronavírus”, diz pesquisador. Disponível em: <https://ponte.org/pandemia-escancara-necropolitica-e-violencia-estrutural-no-brasil-diz-pesquisador/>. Acesso em: jun. 2020.