Frantz Fanon
O revolucionário Frantz Fanon nasceu na ilha caribenha da Martinica em 20 de julho de 1925 e cresceu como um cavalheiro do Império Francês, mas teve que encarar a sua condição de homem negro, “nada além disso”, inferiorizado face aos homens brancos franceses, quando passou a viver no país dos colonizadores.
Frantz Fanon — um revolucionário (1)
A violência colonial não tem somente o objetivo de garantir o respeito desses homens subjugados; procura desumaniza-los. Nada deve ser poupado para liquidar as suas tradições, para substituir a língua deles pela nossa, para destruir a sua cultura sem lhes dar a nossa; é preciso embrutecê-los pela fadiga. Desnutridos, enfermos, se ainda resistem, o medo concluirá o trabalho: assestam-se os fuzis sobre o camponês; vêm civis que se instalam na terra e o obrigam a cultivá-la para eles. Se resiste, os soldados atiram, é um homem morto; se cede, degrada-se, não é mais um homem; a vergonha e o temor vão fender-lhe o caráter, desintegrar-lhe a personalidade.(2)
Há 61 anos, em 6 de dezembro de 1961, falecia o revolucionário Frantz Fanon. Fanon nasceu na ilha caribenha da Martinica em 20 de julho de 1925 e cresceu como um cavalheiro do Império Francês, mas teve que encarar a sua condição de homem negro, “nada além disso”, inferiorizado face aos homens brancos franceses, quando passou a viver no país dos colonizadores. Privilégios de classe não o livraram desta marca racista na França. Um intelectual negro, que atuou como psiquiatra, filósofo, cientista social e militante anti-colonial. “Um revolucionário, particularmente negro”.(3) É a partir da própria experiência, que Fanon escreve e publica seu primeiro livro em 1952, um ensaio no qual analisa o racismo. No entanto, seu processo de politização e engajamento em lutas de emancipa..o e liberta..o do jugo colonial teve seu início quando viveu e trabalhou nas colônias francesas no norte da África. Em 1953 parte para Blida (Argélia), onde dirige o hospital psiquiátrico local e entra em contato com o movimento de libertação engajando-se na luta revolucionária.
Devido a sua posição política, é expulso de Blida em 1957. Fanon parte então para a Tunísia, juntando-se aos militantes argelinos da Frente de Libertação Nacional. Ao lado do trabalho médico, desenvolvido no hospital psiquiátrico de Tunis, torna-se membro da equipe editorial de El Moudjahid, jornal que difunde as diretrizes políticas da FLN. O processo de politização tem implicações substantivas para seu pensamento. Os escritos desse período refletem o clima da guerra anticolonialista e em parte, mas não inteiramente, afastam-se das premissas fenomenológicas anteriores. Fanon aproxima-se do marxismo, e uma nova problemática emerge em seus textos: a questão nacional. O tema integra o “espírito da época”, pois os anos 1950 caracterizam-se sobretudo pela descolonização dos povos africanos e asiáticos.(4)
Como afirma Jean-Paul Sartre em prefácio ao livro de Fanon, ainda que a burguesia, no século XIX, considerasse os operários invejosos, supostamente corrompidos por apetites grosseiros, ainda os incluía na espécie humana; refletindo um certo humanismo que se pretendia universal. Isso, no entanto não era a atitude dessa mesma burguesia face aos colonizados:
Nossos soldados no ultramar rechaçam o universalismo metropolitano, aplicam ao gênero humano o numerus clausus; uma vez que ninguém pode sem crime espoliar seu semelhante, escraviza-lo ou mata-lo, eles dão por assente que colonizado não é o semelhante do homem. Nossa tropa de choque recebeu a missão de transformar essa certeza abstrata em realidade: a ordem é rebaixar os habitantes do território anexado ao nível do macaco superior para justificar que o colono os trate como bestas de carga.(5)
Spivak em seu texto de apresentação ao documentário de 2014 Concerning Violence/A Respeito da Violência,(6) nascido do mesmo livro prefaciado por Jean-Paul Sartre, demonstra a contraviolência do colonizado justificada por Fanon pelo fato de não haver outra saída: “não há outra resposta possível a uma ausência absoluta de resposta e a um exercício absoluto de violência legitimada dos colonizadores”.(7)
O livro “Os condenados da terra” de Frantz Fanon foi publicado na mesma semana em que o autor falece em 1961 aos 36 anos. No mesmo dia da publicação, o livro foi condenado e banido na França. A partir dessa obra, ou através dela, Göran Hugo Olsson realizou o documentário. O título do documentário corresponde àquele dado por Fanon ao primeiro capítulo do seu livro: “Da Violência”, “Sobre a Violência” ou “A Respeito da Violência”, conforme edições ou traduções distintas. Imagens e depoimentos dos embates entre colonizadores e colonizados em diferentes países do continente africano denunciam, comovem e, ao mesmo tempo, remetem diretamente ao texto de Fanon, adensando suas ideias e experiência. O filme é esclarecedor sobre a colonização e descolonização no continente africano além de nos confrontar com o pensamento de Fanon bem como com sua luta e engajamento pela liberdade dos colonizados e escravizados da África.
A lição de Fanon foi que você usa o que os mestres desenvolveram e reverte no interesse daqueles que foram escravizados ou colonizados […] Fanon não parou de pensar na colonização, mas queria fazer algo a respeito. Ele dedicou seu tempo e habilidade para a superação dos que sofreram da violência imperialista.(8)
Dentre as cenas do filme que retratam as guerras, as invasões e suas nefastas consequências, Gayatri Spivak destaca em seu prefácio para o filme aquela que carrega a simbologia e a prova da violência
contra a mulher em contextos nacionais diversos:
Eu adiciono uma palavra sobre gênero. Este filme nos lembra que, embora as lutas de libertação obriguem as mulheres a uma aparente igualdade — começando no século 19 ou mesmo antes — quando a poeira baixa, a chamada nação pós-colonial volta às estruturas invisíveis de longo prazo de gênero. A cena mais comovente deste filme é a Vênus negra, lembrando-nos da Vênus de Milo sem o braço, que também é uma Madona negra, amamentando uma criança, com os seios nus. Este ícone deve nos lembrar a todos que o endosso do estupro continua não apenas na guerra, mas também, independentemente de uma nação estar se desenvolvendo ou ser desenvolvida — em mulheres lutando em exércitos legitimados. Colonizador e colonizado estão unidos na violência do gênero, que muitas vezes celebra a maternidade com pathos genuíno.(9)
Entre texto literário e imagem cinematográfica, Fanon vai sendo revelado, um Fanon que se movimenta de um choque original com o racismo francês à compreensão da colonização ao redor do mundo; um Fanon que também dedicou suas habilidades para a cura daqueles que sofriam com a violência (Spivak, 2014). Ao longo do filme, são narrados trechos do livro que fundamentam o cerne da trama: A violência da colonização. Alguns trechos extraídos dos escritos originais nos ajudam a acompanhar as imagens de violência colonial na África, sobre a “autodefesa contra o imperialismo”.
Usa filmagens feitas em África por equipas suecas, entre 1966 e 1984, inscrevendo frases da obra mais conhecida do Frantz Fanon, Os Condenados da Terra, o livro que o psiquiatra martiniquês escreveu em 10 dias, já perto da morte, depois do golpe dos generais e da repressão sangrenta de 17 de Outubro de 1961, em Paris, opondo a polícia francesa aos manifestantes argelinos. O filme traz à tona a crueldade do colonialismo em África, repensando as complexidades e efeitos devastadores deixados aos povos colonizados.(10)
Dividido em nove partes, o filme/documentário traz excertos do livro de Fanon e entrevistas de diversos personagens. A narração é de Ms. Lauryn Hill.
O colonizado não é uma máquina pensante, nem um corpo dotado de aptidões racionais. É a violência em seu estado natural e só sucumbirá, quando for confrontada com uma violência maior.
Com cerca de uma hora de duração, o filme nasce de um documentário, vai além da not.cia ou da reportagem e caminha pari passu com a obra de Fanon. A matéria jornalística ganha, por meio do seu texto, vida e sentido, tornando-se um apelo apaixonado: “Em vida Fanon assistiu à independência do Gana (em 1957) e de v.rios outros países (em 1960)”.(11) Com sua morte prematura em 6 de dezembro de 1961 não pode testemunhar o desenlace das lutas por emancipação que tiveram continuidade em vários outros países e regiões da África; nem mesmo na Argélia, país onde se unira à FLN e que só teve sua independência da França declarada em 1962.
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1) TUPINAMBÁ, A. C. R. Frantz Fanon — um revolucionário. In: Sobre pessoas e Lugares distantes. Fortaleza: Polis & Plebeu, 2022, p. 412-417.
2) FANON, F. Os condenados da terra. Rio de Janeiro: Civiliza..o Brasileira, 1968, p. 9. Texto extra.do do Prefácio de Jean-Paul Sartre. Grafia atualizada.
3) FAUSTINO, D. M. Frantz Fanon – Um revolucionário, particularmente negro. Ciclo Contínuo Editorial, 2018.
4) ORTIZ, R. Frantz Fanon: um itinerário político e intelectual. Contemporânea, v. 4, n. 2 p. 425-442 Jul.–Dez. 2014 , p. 434 e 435.
5) FANON, F. Os condenados da terra. Rio de Janeiro: Civiliza..o Brasileira, 1968, p. 9. Texto extraído do Prefácio de Jean-Paul Sartre. Grafia atualizada.
6) Filme de Göran Hugo Olsson. Baseado no livro de Frantz Fanon "Os condenados da terra”. Sveriges Television Louverture Films, 2014.
7) SPIVAK, G. C. Preface To Concerning Violence. (2014). Film Quarterly. Outono, 2014, vol. 68, n. 1, 29 out. 2014.
8)idem.
9)ibdem.
10) Disponível em: https://www.geledes.org.br/documentario-inspirado-nas-ideias-de-fanon/. Acesso em set. 2020.
11) CORDEIRO, A. D.”Este é um filme sobre os mecanismos da violência”. Público, 28 abr. 2015.
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