Os portugueses foram os primeiros europeus a chegarem a Taiwan, ilha no Oceano Pacífico localizada a sul da China, hoje uma república e uma das poucas democracias consolidadas naquela região. Ao chegarem à ilha cheia de belezas naturais, não por acaso batizaram-na de Formosa. A região despertou, posteirormente, o interesse de outras nações estrangeiras desde que os portugueses anunciaram ao mundo a sua "descoberta": holandeses, britânicos, norte-americanos, japoneses e chineses. Hoje Taiwan se constitui uma nação moderna, com economia e governo sólidos, um bem sucedido modelo sócio-econômico, não por menos denominado “modelo Taiwan”, almejado por muitos países da região. Não só a natureza deslumbrante da ilha, mas também seu modelo de urbanização e os polos tecnológicos extremamente desenvolvidos com altos investimentos em educação tornam o país um lugar atrativo para investidores estrangeiros. Ademais, os “formosinos”, como em português são denominados seus habitantes, terminaram, por conta de sua posição estratégica, tanto geográfica quanto política, servindo de ponte para o comércio e o investimento proveniente da China, além de facilitar a grande expansão comercial e cultural para o lado do Ocidente, o que lhes trouxe grande benefício econômico. Apesar de continuar demonstrando características admiráveis, Taiwan já não é hoje uma ilha tão formosa como aquela que despertou a curiosidade e a admiração dos primeiros europeus que lá aportaram. No entanto sua economia continua apresentando sólido desempenho, a causar emulação a países da Ásia-Pacífico. O sistema político local tem seu lastro numa apregoada democracia eleitoral e imprensa livre, forjando um modelo taiwanês como fonte de inspiração junto a setores dos países em desenvolvimento, tanto no que diz respeito à organização do mercado, quanto à forma de governança.
Como bem assinala Paulo Pereira Pinto, autor do livro "Taiwan - um Futuro Formoso para a Ilha?”, há vários condicionantes para se pensar que futuro pode estar reservado a Taiwan. Os nacionalistas de Chiang Kai-shek se refugiaram na ilha e tomaram seu controle deixando morrer o sonho de Mao Tsé-Tung de reunificacão com o continente. O país ilhéu de 23 milhões de habitantes situa-se a cerca de 200 km da costa sudeste da China, o gigante imperialista que o considera apenas mais uma de suas províncias que com ele divide "cultura, valores, hábitos e até laços familiares”, sem esquecer de uma "crescente integração econômica, que fortalece a tendência no sentido da formação de uma grande China”. Como afirmou Luis Cunha em matéria para o Jornal Diário de Notícias de 24 de outubro de 2021, o atual presidente chinês, Xi Jinping, que não tem data-limite para abandonar o poder, "já deixou claro que a resolução da 'questão de Taiwan', herdada da guerra civil chinesa, deverá ser resolvida até ao fim do seu mandato. Por via negocial, preferencialmente, mas em último caso por 'meios não pacíficos', um eufemismo para a intervenção armada, como estipulado na lei antissecessão de 2005. A recusa da República Popular da China (RPC) em renunciar ao uso da força para resolver definitivamente a 'questão de Taiwan' transforma aquela região do globo num potencial foco para um conflito entre a China e os Estados Unidos, o incontornável aliado de Taipé”.
A palavra do ditador chinês é de pouca ou nenhuma valia, haja vista o que ocorreu em Macau e Hong Kong. Os ex-territórios, respectivamente, português e britânico, foram vítimas de burla quando proposta por Pequim a solução de seu retorno à China mantendo-se um status político diferenciado: “um país, dois sistemas”. Hoje a luta pela recuperação da liberdade e justiça, em suma, a luta pela democracia em Hong Kong faz ecoar em Pequim as vozes de protesto que vêm não só dos milhões de jovens nas ruas da cidade/Estado, mas também de muitos apoiadores ao redor do mundo. Essa luta por democracia, por autonomia no modelo de "um país e dois sistemas" como negociado e que já havia sido consolidado e aceito pela população local é alvo de ataques e desrespeito por parte dos ditadores chineses. Os ativistas mascarados nas ruas de Hong Kong gritam e confrontam as tropas policiais armadas mas terminam por cair na rede lançada pelos ditadores de Pequim, se tornando vítimas da draconiana Lei de Segurança Nacional, criada para acabar com o Estado de Direito no território. A imprensa e os políticos que ainda ousem desafiar as investidas e os ataques impiedosos a mando da máquina totalitária chinesa sobre Hong Kong sentem a força da opressão e do poderio desigual que vem do continente para massacrar qualquer um que grite por liberdade ou peça respeito às leis locais. A máquina liderada pelo presidente Xi Jinping com a ambivalência e cinismo político de quem não quer ser criticado ou observado de fora, age com a truculência característica de seu regime como já o faz em outras regiões, nomeadamente o Tibete, a região autônoma de Xinjiang, no noroeste da China dos uigures e onde quer que seja questionado seu poder absoluto. Com esses meios querem calar e retirar das ruas os estudantes e seus protestos, bem como reescrever leis a sua maneira mesmo que para isso tenham que manobrar os governantes locais, substitui-los e aniquilar a oposição política.
Taiwan assiste ao desenrolar dos desmandos chineses em Hong Kong e oferece apoio aos que queiram se abrigar dentro de suas fronteiras, sinal claro de que os taiwaneses não querem nem aceitam a mesma falácia chinesa de “um país, dois sistemas” para seu país. Trata-se da fórmula original de Deng Xiaoping (um país, dois sistemas) que também já havia sido pensada para se chegar a uma resolução pacífica da nomeada "questão de Taiwan”: "Na cerimónia da transição de Macau para a China, Jiang Zemin considerou que essa fórmula 'desempenha e desempenhará um papel exemplar de grande relevância para a solução definitiva da questão de Taiwan'. A maioria da população taiwanesa discorda dessa avaliação. Sondagens recentes revelam que mais de 80 por cento dos taiwaneses continuam a preferir a manutenção do statu quo - nem reunificação, nem independência. Numa tentativa de atrair Taiwan para a sua órbita, Pequim promete um elevado grau de autonomia, incluindo a conservação do governo local e até das forças armadas. Mas a decisiva intervenção do governo chinês em Hong Kong, impondo uma rígida lei de segurança nacional, deixou evidente que Pequim acelerou a transição para 'um país, um sistema'. Essa decisão poderá ter implicado a impossibilidade definitiva de uma reunificação pacífica com Taiwan”.(Cunha, Diário de Notícia, 24 out. 2021). Depois da invasão da Rússia à Ucrânia, comenta-se a possiblidade da China voltar-se a Taiwan e torná-la um alvo de reconquista. Não é impossível, dada a tradição ditatorial e imperialista de Pequim, que já invadiu o Tibete e oprime os uigures na província separatista de Xinjiang, além de desrespeitar os acordos assinados com os britânicos para a manutenção do sistema de governo em Hong Kong após seu retorno à China. Resta saber se ainda hoje haveria espaço no mundo, para a realização de um projeto megalômano de reconstrução de um grande império, mesmo que, como é previsível, ao custo da destruição do povo e da ilha formosa.
Mapa de Taiwan (Formosa)