Com uma grande maioria de votos, a Transnístria elegeu em dezembro de 2021, seu presidente Vadim Kransnosselski. Com o novo presidente, Tiraspol, a capital administrativa do território separatista, volta as costas para a Europa e se aproxima da Rússia. A pequena autodenominada República da Transnístria encravada no ainda internacionalmente reconhecido domínio da Moldávia, quer se autonomizar em relação à pátria de origem e pertencer ao grupo de países integrantes do seleto clube da ONU, ou mesmo tornar-se um “enclave russo” ecoando um saudosismo da dominante ex-União Soviética. Tal desejo não parece unânime entre seu mais de meio milhão de habitantes: moldavos, russos e ucranianos. No caso em exame, há um sinal evidente de ingerência russa quando nos deparamos com uma base militar com mais de 1.500 soldados da Rússia em território transnístrio. Mais do que uma nação soberana, a Transnístria parece não passar de um pequeno território espremido entre a Moldávia e a Ucrânia, cujos habitantes, principalmente os mais jovens, já sentem mais cansaço do que orgulho face a um status de inexistência no mundo das nações, diferentemente de outros que contam com fronteiras definidas e governos reconhecidos no concerto das nações. Ter um passaporte da Transnístria não ajuda em quase nada; é como se auto-percebem. Não são reconhecidos, e tal inusitada situação colabora na justificativa quanto à multinacionalidade oficial de seus habitantes; por vezes possuindo até três passaportes diferentes.(1) Um país que não existe formado por pessoas de diferentes cidadanias oficiais; este é o quadro.. Há duas décadas sua configuração se dava num molde separatista; posto que, à luz das convenções do direito internacional, a Transnístria ainda pertencia formal e juridicamente à Moldávia, mas sem coesão interna quanto aos seus habitantes; parte deles pró-Rússia e outros almejando liames com a Europa. O contingente que se afirma parte da Rússia estabelece tal condição formal desde que adotada como solução pacífica. Do outro lado se encontram os que clamam por uma nação autônoma mas integrada à Europa para que o sentido de democracia nacional e a liberdade dos transnístrios prevaleçam. Para esses, somente uma soberania de mãos dadas com os países europeus seria a condição de progresso e futuro para o país que ainda não está no mapa. A guerra separatista de 1992 que levou o "país" ao status atual custou a vida de centenas de pessoas e culminou com a manutenção da presença militar russa em seu território. Da guerra resultou o rompimento com a Moldávia e o fim de relações econômicas vitais para a região, formando uma grande população de emigrantes: "'Muitos dos trabalhadores desempregados foram para o estrangeiro: Itália, Roménia, alguns até mesmo para os EUA e para Portugal… Mas a maior parte foi para a Rússia ou para a Ucrânia, porque muitos têm família lá.' Cerca de 50 mil pessoas trabalham fora e enviam o dinheiro para casa. A região precisa urgentemente de investidores, mas quem quer colocar dinheiro num Estado separatista não reconhecido? O encerramento da fábrica é uma tragédia, é muito doloroso. É uma tragédia que o conflito militar tenha destruído a economia deste país…’”(2) Há ainda aqueles que só veem um futuro para a Transnístria como integrante de uma federação da Moldávia, em modelo semelhante anterior à guerra separatista. A expressão cultural nacional atesta que suas raízes atravessam as fronteiras, em direção ao Leste europeu e dividem-na com a Moldávia e Romênia, revelando que o seu povo original está culturalmente mais próximo do país moldávio, bem como da Europa. Como em outros territórios dominados pela presença militar ostensiva, as forças invasoras sempre procuram eliminar os traços culturais originais, buscando impor seu domínio e engendrar um ambiente à sua feição e à revelia de inegáveis diferenças sócio-históricas e diversidade cultural entre as populações locais. Isso não é diferente na Transnístria, nome de origem romena que significa "para lá do rio Dniestre”, e etimologicamente, com a grafia coloquial em romeno (ou moldávio). "Em 1994, o autoproclamado governo de Tiraspol chegou a proibir o uso de letras latinas nas escolas — as próprias crianças tiveram que escrever romeno usando letras cirílicas em vez de latinas, uma anomalia linguística que persiste até hoje. Isso faz parte da política de russificação do governo separatista em Tiraspol. Nos jardins de infância, pelo menos 90% das crianças na Transnístria são ensinadas em russo, 9% em romeno e menos de 1% em ucraniano, embora na área separatista 34,2% das crianças venham de famílias de língua romena, 31,4% de famílias de língua russa e 28 por cento de falantes de ucraniano. Nas escolas e universidades, o russo é claramente a língua principal…"(3) Para se responder à pergunta se existe uma “identidade transnistriniana” pode-se lançar mão do que ocorre no âmbito de certas expressões de sua cultura musical. Uma visada ao grupo folclórico Viorika de danças tradicionais dá a perceber que, do ponto de vista das artes, as raízes da música popular estariam na Moldávia e não na Rússia: “A principal essência da música, a essência das melodias e também a estrutura harmónica das canções são realmente muito parecidas com os sons da Moldávia”,(4) afirma Alexandru Galatsan, integrante do nomeado grupo musical. Em curso uma política do estranhamento que pode forçar a incorporação de uma cultura alheia e causar danos permanentes a minorias locais com o intuito de se romper historicamente e em definitivo com o país moldavo. Resta saber se o governo da primeira presidente eleita na Moldávia em 2021, Maia Sandu, abertamente pró-ocidente, influenciará o retorno da Transnístria ao seu país e, portanto, o fim da presença militar russa indesejada pelos moldavos naquele território que reconhecem como seu. A nova presidente assegura ser a região da Transnístria parte integrante da República da Moldávia e apela à potência russa pela retirada de suas tropas estacionadas na zona de segurança que delimita a fronteira com o território separatista. Essa presença militar russa se deu “…em virtude do acordo de 21 de Julho de 1992 entre a Federação da Rússia e o seu país. A nova presidente sabe que pode contar com o apoio dos Estados Unidos para a consecução de seus objetivos, pois em Maio de 2021 se declararam, pela voz do seu embaixador, favoráveis a uma «completa reintegração da Transnístria na República da Moldávia». Maia Sandu, que sucede a um governo considerado pró-russo, apresenta uma agenda resolutamente em sintonia à integração europeia de seu país.(5) O desenrolar dessa história trará consequências diretas com respeito ao legado latino/romeno/moldavo na região mas não somente; a expansão russa em direção à Europa e a ampliação da influencia europeia em direção ao Leste também fazem parte desse movimento de separação versus reintegração transnistriana. A recuperação do respeito à cultura moldava na Transnístria é necessária mas não pode significar retaliação ou reversão da presença de outras culturas e expressões humanas características da região pois se trata de uma diversidade cultural que muito enriquece essa unidade administrativa moldava "à margem esquerda do rio Dniestre".
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Referências
(1) Ramirez, L. Transnístria, vestígio de um conflito congelado. Disponível em: <https://diplomatique.org.br/transnistria-vestigio-de-um-conflito-congelado/>. Acesso em: 31 jan. 2022.
(2) Transnístria chama pela Rússia. Disponível em: <https://pt.euronews.com/2014/05/30/transnistria-chama-pela-russia>. Acesso em: 31 jan. 2022.
(3) Transnistrien: Zerrissene Familien, Kinder als Geiseln. Disponível em: <https://www.dw.com/de/transnistrien-zerrissene-familien-kinder-als-geiseln/a-55129637>. Acesso em: 31 jan. 2022.
(4) Transnístria chama pela Rússia. Disponível em: <https://pt.euronews.com/2014/05/30/transnistria-chama-pela-russia>. Acesso em: 31 jan. 2022.
(5) Ramirez, L. Transnístria: o vestígio de um conflito congelado. Disponível em: <https://pt.mondediplo.com/2022/01/transnistria-o-vestigio-de-um-conflito-congelado.html>. Acesso em: 31 jan. 2022.