O
massacre aos índios isolados da Amazônia brasileira
Antonio
C. R. Tupinambá
Fortaleza,
27 de setembro de 2017.
Setembro
é o mês de comemoração da independência do Brasil. Exatamente
neste mês, o povo dono legítimo da terra, ainda remanescente, sofre
um dos piores massacres registrados na historia recente da região
amazônica. Não por acaso isso ocorre nos dias atuais em um país
sem rumo político e em profunda crise moral e institucional. A
Fundação Nacional do Índio (Funai), órgão federal que deveria
servir para proteger a população originária vem sendo, pouco a
pouco, loteada por incompetentes administradores de vocação
duvidosa, com viés de exploração em benefício próprio e de seus
grupos além de descarado proselitismo a partir da via institucional.
Missões evangélicas, pressionam o governo para ter acesso às
aldeias e agir para distruir culturas e povos. Na Funai a disputa
pela sua presidência é rifada a favor do partido de
fundamentalistas evangélicos, o PSC, que jamais atuou em defesa dos
índios e apenas busca essa “fatia de mercado humano” para
diversificar seus “negócios”, aumentar seus dízimos e poder.
Nessas maldades travestidas de religião o céu é o limite. Basta
ver os nomes de generais anti-indigenistas indicados pelo “partido"
para liderar o órgão.
A
pátria
que se intitula cristã mostra-se cada vez mais contraditória,
muitas vezes cruel e com atitudes de desrespeito e intolerância. Não
é apenas nas favelas cariocas entre “traficantes evangélicos”
destruidores de dignidade, terreiros e crenças, que essa brutal
contradição se materializa. Eventos recentes de ataques a locais e
objetos de religiões e cultos de matriz africana em favelas cariocas
é a expressão máxima de atitudes nefastas de pessoas delinquentes
que ousam se intitular “cristãs”. Reflexo de discursos e ações
de setores da população capitaneados, por exemplo, pela aberrante
“bancada evangélica” de Brasilia e suas similares em outros
níveis de poder local, sejam em assembleias ou câmaras, com iguais
comportamentos e ética duvidosos.
Na
Amazônia, a exemplo dos demais retrocessos da nação, se
testemunhou nesses últimos dias atos destrutivos de “não índios”
e “bons cristãos” contra irmãos indígenas, bem no modelo do
Brasil colônia, quando esses eram “caçados, adestrados ou
escravizados" em nome da igreja e da coroa. Pouco evoluiu ou
mudou nesse campo com o passar dos séculos. Torçamos para que
movimentos sociais cobrem o respeito à cultura e à vida desses
grupos de indígenas que se encontram em desvantagem e, além da
fuga, quase nada podem fazer para se defender desses malfeitores e
seus ataques em nome de evangelização ou da ganância, ou mais
comumente, dos dois.
Muitas
tribos ainda relutam em
se integrar ao povo que massacrou seus antepassados e deixou na
memória coletiva o fantasma da perseguição. Sabe-se pouco acerca
desses povos isolados, no entanto é certo que o desejo de assim
permanecerem é, muitas vezes, explicado por essa memória dos tempos
em que foram explorados e escravizados, mesmo em se considerando a
história mais recente da região.
Ações
de bandos de “não índios” em ocupação destrutiva adentram,
cada vez mais, regiões dantes impensáveis, muitas delas hoje com
status de reservas que deveriam ser respeitadas e mantidas à
distância. A mão do Estado em forma de construtores de estradas e
hidrelétricas, de políticas de loteamento da Funai para partidos
suspeitos e anti-indigenistas é determinante para a perpetração
impune de tais atos de violência contra os índios. O que se frisa
aqui é uma interferência comparável aos atos bárbaros de
colonizadores no passado, em versão atualizada e piorada, pois se
trata de uma época em que se espera civilidade e respeito a terras
demarcadas e protegidas legalmente. Ações que contradizem a
pretensa e falaciosa postura cristã da sociedade brasileira, que se
vê como sujeito de direitos e, ao mesmo tempo, vê o irmão índio,
como objeto a ser manipulado, desrespeitado, expulso e até mesmo
assassinado em seu habitat,
destituindo-o de sua vida e cultura:
Todos
são
extremamente vulneráveis
a doenças comuns como a gripe ou o resfriado que são transmitidas
por pessoas de fora e para as quais os índios não apresentam
resistência
imunológica:
esses são bons motivos para evitar o contato. Mesmo neste cenário
sombrio, algumas histórias
notáveis de sobrevivência
têm
surgido. Karapiru, um homem Awá, sobreviveu a um ataque de homens
armados e, durante dez anos, morou sozinho, se escondendo na
floresta, até
que,
um dia, ele finalmente fez contato com alguns colonos e agora vive
com outros Awá. As tribos isoladas do Brasil devem ser protegidas e
terem seus direitos à
terra
reconhecidos antes que elas, juntamente com as florestas das quais
dependem, desapareçam para sempre”. (Os índios isolados.
Consultado em 27 de setembro de 2017 em:
https://www.survivalbrasil.org/povos/indios-isolados-brasil).
No
dia 21 de setembro de 2017 foi a vez dos órgãos da ONU e da OEA
denunciarem o massacre a indígenas isolados na Amazônia.
Evidenciou-se um aumento da violência contra o povo isolado da
região. Testemunha-se, diuturnamente, atos de um governo de
legitimidade contestada que estimula o latifúndio, o agro-negócio
de qualquer tipo e a qualquer preço, tendo, há pouco e em nome de
interesses escusos, planejado a destruição da floresta via decreto.
Ainda preza o esvaziamento da Funai e silencia, em cumplicidade, face
à atual maldade materializada com incursões e ataques em terras dos
indígenas isolados realizados por garimpeiros, produtores e
extrativistas de madeira ilegais. Em vez de omissão e cumplicidade
com o lado forte e desonesto da população pseudo-cristã, o governo
deve tomar para si o compromisso em defender os direitos dos povos
indígenas, em ato humanitário, seja este um desafio do tamanho que
for.